sexta-feira, abril 28, 2006

Mercedes Sosa

Central Park, 25/04/2006 – 22:20

Não à Universidade! Para casa trazendo relíquias do passado... acompanhavam-me Mercedes Sosa, Martinho da Vila e Gadamer. Mercedes foi a primeira a falar-cantar e eu tinha a certeza de nada mais fazer de útil, estudar para uma prova me por a prova e nada em mim, nada prova que seguirei adiante sem essa carga, sem esse peso na alma que me trouxe até aqui. Chacarera de las Piedras, Cantor de Oficio, Duerme Negrito, Antíguos Dueños de las Flechas, Los Hermanos – La Carta, a carta que ora o nada arranca do nada de mim, e Mercedes cantará quarenta músicas e me perderei a recordar três discos que tive e que recuperei hoje quase por acaso. Por acaso tudo o que me ocorre por ora é por mero acaso... terão sentido minha falta por ventura? Pouco importa, se já me é o bastante a falta que faço a mim mesmo. Ky Chororo, Gracias a la Vida Volver a los 17 numa Cancion con Todos e com ninguno, com ninguno...
Em casa me aguardavam todas as mulheres desenhadas que nasceram de mim, a mirar-me com seus olhos azuis, verdes e castanhos, a mirar-me mesmo sem os olhos. E eu desenhando mais ilusões entre paredes tão brancas, uma lágrima que cai na caneca de alumínio cheia de coca-cola, a me dar a noção do fundo de todas as canecas onde afundo aos poucos o pouco de vida que fica para ser vivida, que me resta dia a dia. Onde eu possa afundar a insignificância de ser o que nunca deveria ter sido.
Violeta Parra, bailarina de águas transparentes... e nós tristes como a areia do deserto... Gracias a la Vida, me dio dos luceros, que cuando los abro perfecto distingo lo negro del blanco e en alto cielo su fondo estrellado... su fondo estrellado, a me invadir as sacadas da alma, a iluminar-me as entranhas tão ressequidas pela falta de um tão pouco de amor... Gracias a la Vida por tão pouco de quase nada, quase nada! Hans-Georg Gadamer calado e fechado sobre a mesa, eu hoje não sei que jogo joga o jogo em que perdi tudo e mais um pouco, Destino, Moiras, Erínias em minha noite sem Musas, e demônios trazendo mensagem dos deuses: não há mais esperança!
Resta agora somente ecos do passado distante, morto e insepulto, que me assombra todas as noites, me rouba o sono, me traz pesadelos e sonhos enigmáticos, que me tira a paz de estar só e em silêncio, e arranca um grito imenso saído de todas as minhas profundezas.
Volver a los 17 después de vivir un siclo, é como decifrar signos sin ser sabido competente, volver a ser de repente tan frágil como un segundo, volver a sentir profundo como un niño frente a Dios... como un niño, como un niño, como un niño! Lo que puede el sentimiento no lo ha podido el saber... hasta el feroz animal susurra su dulce trino!
Mercedes de meus dias mais queridos, aonde foste te esconder de mim? Bendita a alma que não quis mais teus discos para eu os querer de volta para mim! E me trouxeste um misto de alegrias e tristezas, tudo a um só tempo, num mesmo frágil segundo, uma precariedade tão humana de uma fragilidade imensa diante da inexorabilidade do destino, o fado a que estamos fadados. Um tempo que passa por nós e através de nós, que passa a despeito de nós todos, apesar de cada um de nós.
A esta hora exactamente hay un niño el la calle... minha rua de outrora tão universo, meus idos dias tão distantes, tudo nunca será como antes... os sons que ecoavam no estúdio onde eu desenhava um futuro que nunca iria mesmo acontecer. E agora estou bem aqui nesse futuro que não aconteceu, esperando por um outro futuro que também não irá acontecer. Ah! O tempo, essa invenção nossa sobre a eternidade.
Tudo é inútil. Tudo o que fizemos, fazemos, tudo o que faremos. Tudo o que dissemos, dizemos ou diremos. Tudo o que pensamos e pensaremos é tão inútil sobre um dia amanhecer sempre o mesmo e eu nunca outro. Nunca outro... eu mesmo!
Gracias a la Vida que me ha dado tanto, me ha dado la marcha de mis pies cansados con ellos anduve ciudades y charcos, playas y desiertos montañas y llanos y la casa tuya tu calle y tu patio... o quintal de todas as indiferenças, tão vazio de todos os brinquedos e fantasias, tão sepulto no tempo, tão vazio de um vazio a ser percorrido com olhos molhados e cansados, de olhares atormentados por outras estranhas escuridões e nunca percorridas imensidões.
Não há volta e nem eterno retorno. Nada volta quando a criança morta em mim visita todos os lugares da infância, todos os sorrisos e palavras tolas, todas as vãs esperanças de amanhãs e manhãs de um sol sempre vermelho nos desenhos, todos os pensamentos sobre a vida ser uma doce e eterna brincadeira de um brinquedo que se quebra, afinal das contas, se quebra e se desgasta, perde a cor ou uma de suas peças, amassa, enruga, e a brincadeira dentro de si perde todo o fôlego só porque este se acaba, de o amor ser uma chama que nunca se apaga. Uma chama que nunca se acaba!
Eis que palavras nunca antes proferidas querem hoje me visitar e não tenho um tapete à porta e no forno nenhuma torta. Água ardente nas entranhas, essas palavras são tão estranhas, vindas de onde é que eu não sei?
Violin de Becho... Jo tengo tantos hermanos... e um silêncio profundo em mim há tanto tempo vazio de música.palavras me visitam e tenho medo do que me revelam, medo do nome do medo, de me cair esta última máscara, que me desnudará o rosto, marcado pelo desespero de nenhuma expressão que seja vida e verdade e vontade e força e um passo adiante. Só um passo adiante de cada vez, um a cada dia, um dia de cada vez, eu queria viver um dia de cada vez, não todos que se acumulam na memória do meu coração.
Uma pausa para respirar... esse ar pestilento que vem de dentro, emoções ofegantes, paredes brancas, árvore na janela, uma samambaia que toca o chão, um olhar que toca o céu, um saber tanto de solidão, um olhar atônito para tudo o que não sou eu, não sou eu... uma pausa para uma ressurreição, uma pausa!
Quem me ouvirá agora na calada da noite um último grito? Quem me verá deitado no chão de minha impaciência com tudo? Quem me criará a angústia quando ficar órfã de mim? Quem cuidará de meus tão pobres sonhos? A quem importará tantos papéis nos quais escrevi meu nome com letras de sangue? E quem saberá de mim, que ocupo tanto meu tempo com todo esse não ser? Quem será capaz de ler em tantas páginas sangradas tudo o que tenho de mais morto em mim? Quem saberá que faltou um gesto a mais de carinho? Um gesto tão pequeno... tão pequeno! Quem se importará com a paixão que se perde sem razão justamente no fim da razão de tanta paixão?
Não posso achar do passado nada além de meus velhos discos, meus livros tão lidos, tão velhos quanto meus dias, tão presentes comigo e silenciosos, com tanto para dizer. Nada mais posso encontrar além de paisagens transmutadas, agora estranhas, tão estranhas, onde outrora corria um menino tão livre dessas realidades impossíveis.
Aonde foram todas aquelas pessoas de antigas festas em minha casa? E agora o que falta em mim é festa? Daremos uma festa para ninguém vir... para ninguém sorrir, para ninguém se divertir. E chamaremos essa festa Vida. Minha casa vazia de portas abertas e em mim todas as janelas fechadas, por estarem todos a dormir, a sorrir, a conversar e a cantar... e tudo é assim tão falso e superficial, tão postiço na máscara de cada um. E eu vejo tudo isso por estarem todos a andarem de mãos dadas e aos beijos, abraçados e enamorados e serem tão infelizes, tão infelizes! E vejo todos estarem enamorados, mas não de mim, não de mim, não tanto assim. Então era para eu ser feliz. E o que eu vejo é todos estarem tão ocupados em fugir de sua solidão tão menor do que a minha.
Disfarcemos toda essa festa interior, que todo dia é dia de tristeza. Todo dia há de nascer uma dor nova que apagará um velho sorriso e cansará essa já tão exausta vontade de viver.
Não parou o tempo para esse lamento e serei posto a prova, mesmo com toda a trova, com toda coisa não nova, mesmo com tudo que esqueço e não esqueço, o tempo passa e não espera a dor passar, mas passa por ela e a deixa doer.
Mercedes! Trinta e seis canções e faltam seis... e que será de mim quando se calar de vez toda a música que há em mim?
E eu não sou menos inútil do que essa noite a esmo, do que todos os dias até agora. Não sou menos inútil do que eu penso, do que consigo ser, do que sei que consigo ser. Um mundo inútil a nossa volta é o que temos, que não nos completa e não satisfaz.
E eu sei agora porque rasguei todos os desenhos, só não sei porque os faço. Criar é tão falso como viver, uma vida que você não sabe real, o que cria nela não sabe de onde sai. E nada sei dos poemas e nem eles nada sabem de mim. Nos encontramos ante o espaço vazio existente entre o pensamento e o papel e passamos dias nos estranhando, até sermos capazes de ler um ao outro. E o que em mim os poemas lêem é o que neles não consigo escrever. E tudo o que escrevo é exatamente tudo o que não fui capaz de ler neles.
Uma pausa para pensamentos distantes que demoram a vir... há que se andar pela sala de um lado para outro, há que se buscar na janela e na sacada no silêncio um resquício do que nunca se disse e nem vai dizer, porque é pura intuição e vivência, que quando se diz, vira somente experiência. Empobrece-se em palavras. Essas palavras que vieram de tão longe, quando dei por mim, estavam aqui a fazer choça de mim e vieram para ficar, mas não se revelam assim tão facilmente. Elas se escondem nos labirinto de todas as minhas dúvidas e inquietações. E eu não sei o que vim dizer aqui, não sei o que há para dizer, nem sei se é para se dizer. Sou assim a morada lúgubre e pobre de tantos desses pensamentos misteriosos, que se revelam aos poucos e tão intensamente sob o efeito de uma dor fulminante. Os pensamentos me doem... traze-los só se doer.
Si se calla el cantor calla la vida, porque la vida misma es todo un canto... se eu pudesse calar o canto, calaria a vida, mas um canto de vida há sempre de transbordar mesmo que eu não queira ou não saiba, mesmo que eu não sinta.
Os pensamentos chegam a doer quando chegam! E quando chegam os pensamentos, a luz acaba coincidentemente. E à luz de velas minha energia é a vapor. E o torpor é um outro modo de sentir a mesma dor.
E o sono me garante que se apaga a luz desses pensamentos. Já não sei onde comecei e como cheguei até aqui. Minhas estradas não têem meio, apenas começo e fim.
E meus caminhos não têem direção, somente passos na escuridão...
... às vezes há a luz de uma vela.

Madrugada: 00:21

PS.: a luz voltou, mas não me trouxe nada de novo, a luz do amanhã também não me trará.

Si se calla el cantor calla la vida
porque la vida misma es todo un canto.
Si se calla el cantor muere de espanto
la esperanza, la luz y la alegría.
Si se calla el cantor se quedan solos
los humildes gorriones de los diarios.
Los obreros del puerto se persignan,
quien habrá de luchar por sus salarios.
Que ha de ser de la vida si el que canta,
no levanta su voz en las tribunas,
por el que sufre, por el que no hay ninguna razón
que lo condene a andar sin manta.

Si se calla el cantor muere la rosa,
de que sirve la rosa sin el canto.
Debe el canto ser luz sobre los campos,
iluminando siempre a los de abajo.
Que no calle el cantor porque el silencio,
cobarde apaña la maldad que oprime.
No saben los cantores de agachadas,
no callarán jamás de frente al crimen.

Que se levanten todas las banderas,
cuando el cantor se plante con su grito,
que mil guitarras desangren en la noche,
una inmortal canción al infinito.

Si se calla el cantor... calla la vida.

terça-feira, abril 25, 2006

Eu me calo...

Eu me calo e as palavras transbordam outras formas, de qualquer modo esvaem-se de mim, incontidas, incontroláveis. Eu me calo diante da inutilidade de meus dias e de minha parca e pobre história, tão mal contada, mal vivida, mal começada e mal acabada. Eu me calo e o que sobra é somente esse tão conhecido silêncio. E o que mais eu queria? Talvez mais silêncio.
Ah! Essa brincadeira de viver. Não dá mais para brincar, saio da brincadeira, carrancudo e aborrecido. Todo mundo se diverte, menos eu. Todo mundo tem brinquedo e eu tenho que inventar brinquedos e brincadeiras na fantasia. Meu único brinquedo é a imaginação. Meu único alento e esperança, minha fuga e minha ilusão. Minha mais garantida alienação. Eu tinha um milhão de outras coisas práticas para fazer exatamente agora, mas estou aqui à mercê da imaginação, criando um mundo que sei que nunca vai existir a não ser em minha mente, um mundo que vai se realizar apenas em mim.
E meus devaneios encontram sempre devaneios companheiros e eles bebem e se divertem, se iludem e se aniquilam, num extermínio necessário e inevitável. Minha tristeza está sempre a dançar com outra tristeza, ou a passear todas essas madrugadas solitárias, onde tudo o que tenho é apenas mais silêncio, absoluto como o tempo, inescapável como parece ser a realidade.
E eu não ouvia quem gritava ao meu lado, nunca. Por preferir sempre a letra fria, a escrita despojada e despejada de emoções. Estou acostumado a ouvir o silêncio e os sons não fazem muito sentido. Se falam comigo meus olhos procuram olhos numa forma de contato entre almas, sons e palavras interiores, pensamentos e sentimentos. Para mim, tudo o que está fora vale menos do que tudo o que está dentro.
Então eu me calo, meu amigo, porque estou cansado de minhas palavras e de meus pensamentos, desse retrato meu pendurado todo dia nesse espelho que não está fora, mas dentro de mim. Cansado desse eu que não anda, não corre, não busca, não quer, só aceita o que der e vier, o que me dão, o que me sobra, o que nem preciso.
Eu vejo o amor fazer das suas por todos os lados, minha companheira de batalha. E de que adiantam agora nossas espadas, se essa luta de morte não se faz com essas armas? E com que armas se farão? Eu risco cinco ou seis nomes da minha vida e de repente não tenho amor nenhum. Você não risca apenas um e não tem amor nenhum. De que somos feitos, de alguma espécie de maldição? Filhos da noite, netos do silêncio. Criaturas de um mundo que subsiste ao lado desse sem que se perceba. Quantos mundos criamos e destruímos sem que escapemos desses dois eventos cruciais da vida, o nascimento e a morte? O que vai te fazer desistir para que eu aprenda a desistir também e viver apenas com essa visão de corpos sem vida numa batalha insana por manter-se vivo? Por que continuamos, se o que nos aguarda é o nada de nada de nada?
Já se perguntou sobre o que falar, meu amigo? E sobre o que calar? Nunca ninguém perguntou o que cala em si mesmo. E agora nem sei, porque silêncio e esquecimento andam juntos e eu os sigo a esmo para o mais ermo de mim mesmo. E o mais ermo de mim mesmo fica aqui tão próximo e eu não sei onde é.
Só não se cala uma certa poesia em mim. Incipiente. E insipiente. E eu vou aprendendo com ela exatamente o que ela não ensina. Mas sim o que arranco dela, o que dela se perde para mim, o que dela escapa e não me escapa nessa acuidade ávida e necessária. Eu aprendo o que ela não me diz porque é o que ouço dela.
Mas eu me disfarço e tudo o que viram de mim até aqui sempre foi um arremedo de mim. Nunca quiseram e nem vão querer a verdade, sobre nada e sobre ninguém. Nunca vão querer nada além de mentiras confortáveis e sorrisos postiços em olhares castos. Ninguém cuida do monstro que cria, mas o expõe no monte ao bel prazer de deuses mitológicos, escatológicos, e demônios devoradores de almas.
Eu fui exposto e alimentado pelo orvalho da noite, nutrido pela luz das estrelas e embalado pelas canções das Musas. Fui protegido pelo seio da terra, criado no oco das árvores, escondido em densas florestas. E nunca vi meu próprio rosto. Mas somente essas máscaras que me escondem a realidade. Como essas palavras que me escondem a verdade.
Como essa verdade que me esconde a vida.