segunda-feira, maio 11, 2009

Contingência

Talvez eu aprenda a escrever algo que preste... um dia. Talvez aprenda a desenhar e a pintar. Talvez um dia eu seja doutor, para falar do que não tenho certeza para quem não entende lá muito bem e tudo fique elas por elas, o palavrório unido às caras de conteúdo, aos hipócritas meneios de cabeça de quem finge entender o que nem ouviu direito. Talvez eu me dê satisfeito um dia com essa mediocridade que parece ser necessária para se conviver com o homem, esse animal irracional e irmão do infortúnio. Mas essa noite não! Só essa noite não.

Olhei em volta tudo o que me rodeia no tempo e no espaço, limitado por essas paredes e descrito pelas lembranças do que não esqueço. Eu queria só não aprender mais nada, saber metade do que sei, não me importar nem com um décimo do que me importo. Ser um pária que pudesse viver em paz sem ninguém a vomitar em meus ouvidos verdades mal digeridas. Sem que ninguém me cagasse seus conselhos de como a vida seria melhor se eu fizesse tudo de outro jeito, sem ao menos me perguntar se não era esse o jeito que faço do jeito que sempre quis fazer e fiz.

As últimas quarenta e oito horas eu saí à rua só para comprar cigarros. E tirei fotos do prédio em que moro, do parque, da árvore. Talvez eu aprenda a fazer fotografias boas um dia, a ponto de fotografar apenas o que meus olhos querem ver, o que cabe num olhar, o que vale a pena caber num olhar.

Mais uns dois ou três finais de semana desses e eu poderei dizer que aprendi o que é solidão. Mas tenho a vaga idéia de que estava certo que a solidão verdadeira consiste em não ter para onde ir e nem para onde voltar. Eu que não queria me esconder atrás desta tela, tendo que usá-la como janela.

Acho um pouco culpa minha. Eu me calei. Ninguém mais me lê, vê meus desenhos, nem ouve a minha voz. Vou andar por aí me apresentando como um vaso, adequado para enfeitar certos ambientes, minha casa, minha rua, sua casa, minha mesa de trabalho, a mesa de um bar... a solidão deve ser olhar para o espelho e não ver mais ninguém. É seu nome apagado dos monumentos erigidos a certos momentos que se passou com as pessoas, mais as pessoas não visitam mais esses monumentos. É seu nome apagado das histórias mais corriqueiras.

A solidão é um túmulo no qual mais ninguém vai colocar flores. É um nome esquecido e um retrato esmaecido. É a mentira escrita no epitáfio: “saudade dos teus...”

Ter que ser forte e carregar tudo isso aonde quer que vá, sua bagagem, sua carga, sua sina, seu destino desafortunado.

É ouvir uma música de seu tempo de quinze, dezesseis anos, e sentir uma indescritível saudade da sensação tola de se sentir apaixonado. E ter a certeza de que aquilo passou e nunca mais vai acontecer.

É de ter de ouvir de algum energúmeno que toda a filosofia se resume em um autor, ou em um livro, que toda a poesia se resume num poema e que toda a música se resume em algo que alguém fez hoje depois de todo mundo ter feito. É ouvir de um imbecil qualquer que bebe, fuma e cheira que toda a vida se resume numa única frase ou numa única palavra: fracasso, somos todos fracassados.

Eu não choro lágrimas de sangue, não padeço de medos pueris nem me entrego a covardias bem fundamentadas. Não me iludo com esperança, essa invenção platônica e cristã. Sei que os dias passam sendo o que são e que a realidade ou é o que percebo dela, o que invento ou o que quero ver, inventar e perceber. Contingência. Nisso eu acredito. Mas mesmo isso não me impede de tentar tornar a vida algo menos chato, menos obrigatório, menos burocrático e protocolar.

Cada vez mais difícil, com tanta coisa e tanta gente para atrapalhar.