quinta-feira, março 26, 2009

De olhos bem fechados

A inquietação já tentei descrever tantas vezes... é algo que me faz procurar não sei o que em todas as gavetas; que me faz não ser capaz de ir dormir enquanto não fizer algo que nunca consigo descobrir o que é. Ela é seguida de uma insatisfação irritante.
Devia estar fazendo as malas, já que estar de partida virou meu ofício e não estar aqui é a minha profissão. E tem de ser uma força esse descomprometimento com tudo o que se deseja, tudo o que seria tão simples se não fosse tão improvável. Aquele se entrega à estrada paga o pedágio de não ter uma vida sentimental. As pessoas que vou conhecendo pelo caminho até tentam estabelecer um contato mais duradouro. Mas eu sei que quando meus olhos estiverem vislumbrando as mesmas paisagens passando rápidas, elas estarão esquecidas.

Vendo meu tempo a troco de pagar as reles contas de tudo que adquiri que, afinal, me faz ser exatamente a mesma pessoa desprovida que sempre venho sendo. E de tanto que não tenho não sei o que me falta...
Falta talvez um roçar n'alguma pequena e insignificante emoção, o realizar, ainda que efêmero, de um mísero desejo. Falta lutar ainda para não esquecer o gosto de ter prazer. E o que sobra é sempre esse asco no fim do dia, essa monotonia torturante de as coisas teimarem em se repetir, numa repetição fortemente consolidada em rotina, penosa e inaceitável rotina.

Como devem estar os trens indo de um lugar a outro na Europa? E o vento na África? Que clima faz agora no bem longe daqui? Que roupa levo na mala para esse amanhã que ameaça chegar? Será que me darei bem com a comida do futuro? E o que tem do outro lado desse muro? Quanto mais há que se despertar para suportar essa percepção consciente?

“Que mais para o amor? Palavras? Só as escritas. Bastam as palavras escritas para um poema, sua música toda interior. Quando muito uns pianíssimos sutis. Ah, tão sutis, que não sabes nunca se os estás ouvindo ou só pensando neles.”

Os livros, os papéis e lápis, os poemas para serem lidos ou escritos, os romances, a próxima paixão que não acontece nunca, aquele gozo de satisfação por ter sido capaz de deixar tanto para trás, isso e muito mais, esperam entre a partida e o retorno, para depois não saber o que esperar. Esperam uma suspensão nesse ritmo não por mim a mim mesmo imposto, esperam o próximo duvidoso momento. E falam de coisas tão antigas que chamamos pelo nome de esperança, essa desgraçada que é a última que morre, mas morre. Falam de coisas da infância tão impalpáveis, meus potes de tinta, meus papéis coloridos, minha imaginação irrefreada e ilimitada, minha criatividade sem cercas de arame farpado... e de minhas histórias de amor, de meus sonhos de moleque.

Olha só o que veio nos fazer esse abrir de olhos... perder tudo o que fazíamos existir fora da gente de olhos fechados, bem fechados!

segunda-feira, março 16, 2009

Save me!

Save me! Save me! Save me! I can't face this life alone...
Você bebe e fuma demais. Sabe disso. Precisa emagrecer, fazer exercícios, levar uma vida mais disciplinada, dormir bem, comer bem etc e tal. Mas o que você precisar fazer mesmo, de verdade, é descobrir um motivo para ser melhor.
Em volta as pessoas vão se destruindo aos poucos e você não pode fazer coisa alguma. Essa maldita impotência das palavras e esse completo descaso com o bom exemplo.
Mais uma pista que vai além da inquietação: um filósofo pode encontrar mil motivos para não viver. Um poeta não... para ele basta um único lírico motivo para continuar a viver, para insistir, para teimar até o fim. E quando esse fim chega, se é que chega, há de se entender Pessoa: "...Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo." Então, cada dia que se descortina para mim, tenho essas "palavras de pórtico" a me guiarem num turbilhão de tantas palavras tão estranhas a respeito de absolutamente tudo, isso para não falar das ações.
Não aceitar a fala fácil, o julgamento mais rápido e aparentemente preciso, ir além do que se diz para o que se quer dizer realmente, julgar não julgando, usar qualquer julgamento como princípio do que não se deve fazer primeiro.
Sim! Sou mais feliz do que aquele cara que dorme na rua? Sou mais aceitável porque sociável, do que aquele cara "esquisito" que não se mistura a nossas gracinhas e não se afeta com os nossos gracejos? Estou mais distante da imperfeição do que aquele que consegue disfarçar menos do que eu?
Aceito meus erros, "homo temeratus", meu medo é minha medida, e me mostro onde mais me escondo. Não sei o que fazer da vida, como você, não sei o que fazer de nada, como você. Eu tento no mínimo racionalizar toda essa insanidade e sabe o que acontece? Perco a noção de sanidade e me pergunto: eu saberia se tivesse enlouquecido?
Os olhares de fora não bastam. As palavras de outros não ajudam. A luz que ilumina a casa vizinha não ilumina a minha. O próximo passo é meu, e pertence ao caminho que eu trilho. E se alguém me segue vai se cansar logo. A vida tem muito de sentir e sentir é algo instransferível e inexprimível. A não ser que se deixe falar o eu-lírico...
Ah, esses ajuntamentos de poemas que tanto leio, e os que escrevo, nada ainda disseram se amanhã vai chover ou fazer sol, se me alegrará o coração um sorriso inesperado, uma mão no ombro, um beijo na boca, um abraço apertado ou um pouco de calor nas minhas noites vazias, um fazer-se companhia, nada disseram se haverá paz nesse próximo dia. Nada disseram e parece que eu já sabia de tudo. Ah, quanto se sofre por um olhar que não se tem! É como saber que há tanta luz e não escapar da escuridão. É aquele silêncio que se faz depois que tudo se silencia.
E, inexorável, o tempo passando, bem aos poucos ensinando tudo quanto não se vai saber nunca, ensinando que não se vai saber, simplesmente não saber.