terça-feira, setembro 30, 2008

Sarau, dor nas costas e um gravador...

As frases que me escapam dos pensamentos agora aprisiono num gravador. Isso também cansa. Logo volto à precariedade de esquecer e tentar lembrar, dos bloquinhos de papel e canetas, tudo dentro da minha providencial mochila. Mas o gravador ainda tenta me conquistar...
Rabugento... tudo sou nessas tardes tão iguais, e mesmas noites, dias que amanhecem sem novidade, mesmo silêncio, mesmas perguntas, as mesmas renitentes dúvidas sobre o que nem quero mesmo saber.
Um sarau no sábado. É boa a companhia dos poetas. E engraçado é que nenhum deles te chama de "pseudo-poeta". Ali, você é poeta e pronto. Os poetas não morrem de velhice, mas quase que morrem de dor nas costas, morrem por um espirro... se não, inflamam os músculos. Um poeta no hospital não serve para nada, nem sabe sentir dor, fica olhando a dor dos outros e comparando com a sua.
Comecei a semana com essa dor... e vi que tenho que rever toda a poesia e todos os meus olhares sobre todas as coisas, e meus olhares novos para coisas novas.
Preciso morrer do jeito que sou e que me sabem, para nascer outro que não sabem e eu poder ser à vontade, com toda a liberdade.
Ah! Meus livros na estante... estou a ponto de dar um motivo para vocês existirem.

quarta-feira, setembro 17, 2008

Outra reflexão urbana

É bom estar de volta em casa, de volta a esta tão polêmica odiada e amada cidade. Um pouco de frio – sinto falta da garoa -, um quê de anonimato em meio à multidão, aqueles mesmos rostos desfilando suas histórias intangíveis, desafio maior para qualquer tipo de imaginação. Aqui posso me sentir sozinho à vontade, rodeado de gente.
A segunda-feira tem um ar de porre, de ressaca, de humor alterado. Pelo menos é o dia em que ponho para fora todo o lixo, o lixo de todo o fim de semana, quando não o lixo da semana toda. E é dia de devolver os filmes à locadora. Segunda-feira é sempre o começo de nada.
A noite tem um céu nublado. Saio à rua, vou à locadora, os filmes. A noite parece silenciosa em respeito a minha passagem. Eu pareço flutuar em vez de andar. As ruas do bairro parecem me conhecer mais do que eu a elas. As luzes dos postes esboçam um sorriso irônico, como se olhassem quem já tivesse morrido e teimasse em andar por ali.
Vejo um Ford 1930 estacionado em frente ao mercado, placa de Mauá, DJL 1930. Parece posto ali de propósito, não para ser visto com meus olhos, mas com a imaginação. Para me causar estranheza. O passado materializado num automóvel, insinuando como que uma espécie de resistência diante do futuro, ainda que este me pareça um tanto incerto.
Sentada na calçada, a mulher que recolhe latas de alumínio faz palavras cruzadas. Atravesso a rua no cruzamento, e o Ford 1930 ainda olha para mim, com cara de sorrir ironicamente...
O bairro convive comigo há pouco mais de vinte anos. Conheço cada calçada, cada buraco no asfalto e cada árvore. As árvores parecem jazer sufocadas, envoltas de tanto cimento. Com o pensamento, imaginando, vou tirando todo este cimento das calçadas, o asfalto das ruas, os muros e as grades das casas e dos prédios, tanto ferro e tanto vidro, tanta pedra em cativeiro, as árvores não têm mais a terra.
Na porta da locadora, um Porsche de quinhentos mil reais. O dono dele e eu somos sócios dos mesmos filmes.
Volto pelo mesmo caminho que vim, o contrário de uma subida é uma descida. Ainda vou arrancando ferro e cimento, asfalto, as guias e as sarjetas. Eu preciso de terra...
A luz acesa da sala, por um segundo imaginei que você estivesse aqui, que tinha vindo... ensaio diálogos que vou inventando, para depois esquecer. Imagino cenas que nunca vou viver.
Aquele violão adormecido no canto do quarto, quatrocentos livros na estante, os filmes, as pastas de desenho, os rascunhos de poemas que nem sei mais quando vou digitar... isso tudo sou eu, que não sei como usar.
E essas palavras... esse tic-tac incessante no cérebro. Escreve, escreve! Escreve e não vive, assim está bom... porque se vivesse, não escreveria.
Seriam nossos desejos esses sonhos incompletos, pedaços de sonhos que juntos fariam uma história de verdade? Nossos sonhos seriam desses desejos repletos?
Pseudo-poeta é puta que o pariu... “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é...”
Não é minha vocação ser pequeno demais para caber em suas ilusões racionalistas. E nem grande demais para lhe cobrir com minha sombra. Eu e você: a diferença entre nós é que você pensa que sabe o que é e eu sei que não sou. A sua vida não é nem uma saga, nada tem de glorioso ou heróico. E minha vida não é uma nota de rodapé. A sua vida é tão igual a minha e a minha tão igual a sua. A sua história é nada e a minha não é tudo. São só histórias... histórias que não modificam em nada o curso causal da contingência fenomênica de que se compõe a (des) ordenação do universo.
Ensaio discursos, profiro e escrevo discursos, imagino discursos que se referem a essas nossas ilusões, a nossas máscaras, nossas fantasias, às nossas hipóteses existenciais e às nossas incertezas mais cruciais.
Vê? É noite e há silêncio. Estamos sós do lado de cá do que podemos chamar de realidade, que é o avesso dessa dança da precisão do acaso. Vê? Nossa solidão é cumulada de uma tristeza latejante, que estranhamente brota dessa estranha saudade de tudo aquilo que não somos.

Uma reflexão urbana

Eu sabia que quando ela descesse as escadas tudo o que eu tinha para dizer ia ficar encalacrado na garganta. E o silêncio que ia se fazer iria perdurar até o fim de meus dias, ainda que eu o quebrasse antes, e esse silêncio seria triste como mil mortes nesta única e miserável vida.
De qualquer modo, era uma noite dessas que não se desperdiça impunemente, mas não sei dizer sobre essa noite em toda sua importância e realiza-la em toda sua necessidade. O que não me impede de senti-la e vive-la. Ou mesmo imagina-la em sonhos tantas vezes quanto quiser.
E me comporto como se guardasse um segredo inconfessável de coisas que são só minhas para mim. Enquanto isso, parece que de propósito o resto da humanidade se comporta como se vivesse dentro da mais absoluta normalidade. E eu tendo que conviver com essa ridícula sensação de que tudo tarda ou de que já é muito tarde para tudo, sequer para pensar no que tarda. Esses sentimentos com ares de excessivamente pueril, essa sentimentalidade fora de moda. E esse jeito de amar que parece não ter mais lugar neste mundo.
Eu ali com vontade de mandar tudo à merda. De esquecer que tenho sido há muito temo uma ilha que todos conhecem o nome, mas não sabem como é e nem onde fica. Eu que não consto no mapa do mundo de todas as outras pessoas.
Esse silêncio uma arma, faca de dois gumes, esse silêncio que faz bem a todo mundo e tão mal para mim.
Ela subiu as escadas e desapareceu na escuridão da noite. Deixou um pouco mais de silêncio dentro de mim.
De repente, estou em casa, a garganta seca e a cabeça doendo, os olhos inchados de sono, debruçado na sacada olhando ninguém dobrar aquela esquina, tocar o interfone, subir as escadas do prédio, inundar a sala com um sorriso e iluminar a tarde com alguma presença.
Então imagino cenas. Ela dobra a esquina, pára ao lado daquele poste e me vê olhando-a chegar. Os olhares se fixam por um instante, ínfimo, e conversam mais do que se poderia fazer com todas as palavras, e dizem o que estas não ousam dizer.
Ela sobe e entra no apartamento como quem vem a este mundo ao nascer, como se fosse a primeira vez, e, ao entrar, tudo nasce e renasce com ela, por ela e para ela. Fazemos silêncio e esse silêncio faz justiça a tudo aquilo que as palavras, por serem por demais precárias, não são capazes de expressar.
Amo você desde sempre, ainda que tenha descoberto isso ainda ontem, tão tarde para se dizer como se deve, tão tarde que isso é assim mais um transtorno do que uma alegria. Aquilo que a paixão trazia ontem, hoje não traz mais. Sou tão antigo como as pedras mais antigas. Todo esse arrebatamento, esse êxtase, toda essa saudade com sua inseparável melancolia, são coisas que parece que ninguém mais sabe que ainda se sente ou que ninguém mais sabe sentir.
Há um sonho que sempre tenho, recorrente, em que ela chega em casa e estou dormindo (ou dormitando numa tarde quente), sonhando estar sonhando este sonho. Então ela me vela o sono e, como que dentro do sonho, ou fora dele, me acorda com um leve toque de sua mão. Desperto, eu não sei nunca em que sonho estou, tudo assim tão sonhado, tão feito só de sonhos, mesmo o que tem um quê de parecer real.
Mas tudo isso é poesia de má qualidade, que não serve para nada. Lembra algo que li: “...a poesia, toda a poesia, todo pensamento poético é uma fraude. Ou melhor: uma armadilha, e uma das mais temíveis.”
E esses discursos interiores mais me atormentam do que tranqüilizam. E nada do que eu possa imaginar ou desejar muito muda isso. Olho em volta e estou sempre só, à mercê dos relógios que me dizem o quanto as coisas demoram tanto.
Esse sonho dentro do sonho, do qual acordo com a sensação de que ainda estou sonhando, é tudo o que tenho e o que mais demora em ser o que é. Ninguém dobra a esquina, sobe as escadas, ninguém me vela o sono, me olha nos olhos ou acorda com um leve toque. E isso, eu sei, não é sonho, mas vai ser assim para sempre.

quinta-feira, setembro 04, 2008

Taubaté, setembro de 2008

Faz umas quatro ou cinco semanas que tenho vindo a Taubaté, a trabalho. Perto de São Paulo, mas ainda assim muito longe de onde queria mesmo ir, para longe, por uns tempos ou pela vida toda, sei lá. Chamo carinhosamente de Taubatexas, porque aqui é quente, mesmo na lua crescente, é quente.
A estrada, velha e conhecida estrada, zomba de minha disposição atual para enfrentá-la. Não sou mais o mesmo, não sou mais jovem, meus sonhos foram atualizados, alguns eliminados, outros acrescidos que são estranhos demais para quem parece estar cansado de viver, mesmo sem perceber isso ou mesmo tendo que fazer um tremendo esforço para perceber.
Fora de casa, a rotina a que nos entregamos é só uma rotina estrangeira, só isso e nada mais. Mas continua a ser rotina. Longe de casa eu posso perceber que me sinto sufocado, afastado de tudo o que me dá, por assim dizer, uma certa segurança.
E os sentimentos... esses são implacáveis. No estrangeiro elevam-se a décima potência os mesmos costumeiros sentimentos: a solidão e a tristeza e a saudade.
Saudade... tem gente levando muito pouco a sério esse sentimento, essa palavra, que tem esse nome e me leva a outras coisas que ainda não ouso pronunciar o nome. Chico... a saudade é o revés de um parto... a saudade dói latejada... a saudade é o pior tormento... etc etc etc.
E eu, laconicamente, absurdamente atormentado por essas coisas todas lindas que nunca existirão, essas coisas das quais me fogem o nome.
Porque nem mesmo eu mais ouso ter um nome. Só essa fome que chamo saudade, só essa dor que só dói pela distância, só esse silêncio a que me obrigo sem saber por quê e que me atormenta e devora com o tempo a passar, inexoravelmente, sem que eu escolha, do qual não posso fugir e nem fingir, trazendo sempre tudo o que não posso evitar.
Isso: preciso voltar para minha casa e para meu corpo, minha vida e minhas máscaras.
E preciso descobrir urgentemente onde deixei guardada aquela velha tranquilidade...
Mas tenho ainda a estrada pela frente, sempre ela, minha sina e meu destino, minha maldição!

quarta-feira, setembro 03, 2008

Ah, bom!

Eu acho que sei que é isso. Essa vida que não sei para que serve. Meu corpo torto indo de uma cidade para outra, levado por essas estradas, impiedosamente. Raízes? Não sei de raízes... tenho na memória uma coleção de rostos que temo esquecer. Minha casa vai ser sempre onde estou e, desse modo, vai ser em lugar algum. Aliás, parece que o mundo todo, todas as estradas e todas as cidades são lugar algum. Parece que não não há nenhum lugar em que eu (minha alma?) descanse devidamente.
Todos os lugares parecem (deveriam ser) como quartos de hotéis vagabundos: uma cama, um chuveiro e, quando muito, um aparelho de televisão, dispensável, totalmente dispensável o aparelho de televisão. Na bagagem, roupas, papéis e livros. Você pode levar a tristeza e a solidão para passear em outras paisagens, mas elas não se tornam coisa melhor... E se, aliada a elas a saudade de tudo aquilo que tanto quis e nunca fiz, completam esse quadro, um dia de nuvens sombrias e silêncios, de reflexões inúteis e de imprestáveis conclusões, você vê apenas que tudo o que se fez foi sentir o tempo passar, sem nada de interessante, uma loucura que seja, uma aventura excitante, um novo desafio, sem um outro olhar revelador sobre as mesmas coisas: só a voracidade do tempo a nos consumir.
É complicado amar e parece que ser amado é impossível. Prazer por sua própria rapidez e acuidade de sentido é tudo o que de mais superficial pode haver no que consideramos prazer, esse sentimento tido como impróprio e impuro, não natural e repugnante. Quem nos disse isso em nome de que seita dogma de que deus de que porcaria de paraíso?
Viver é administrar precariedades? Quantos livros mais de Kundera terei que ler para entender isso? Ou quanto tempo mais vou ter que viver para saber que nunca vou entender isso?
A lógica da felicidade (essa lenda) é excluir-se das possibilidades de felicidade, porque esta tem sua cara verdadeira oculta sob a máscara das impossibilidades. Será que é melhor "não querer" para não se decepcionar por não se ter o que se quer? Responda-me quem for capaz, enquanto eu vou seguindo justificando esse meu querer nada.
O que é que escondo tanto de mim mesmo a ponto de nem ousar imaginar como é o que sinto que sinto se é que sinto? Essa estranha e torturante capacidade de não chamar as coisas por seus nomes.
Eu amo e acho isso ridículo, como se eu não tivesse mais esse direito, ou como se não combinasse mais com o que sou, como se eu nem tivesse mais essa necessidade. Amo você e protejo você disso (pelo menos tento), protegendo talvez a mim mesmo. Enquanto isso, resta-me pairar entre esses tantos vazios, entre o querer e o não querer, entre o poder e o não poder querer e até mesmo entre o querer e o não querer querer.

terça-feira, setembro 02, 2008

Hein?!

Meu silêncio tem um quê de grito que não ouço por estar sempre assim tão atento...
Minha tristeza tem essa mania de se disfarçar em meus tolos risos.
Minha solidão ronda mesas e companhias nunca escolhidas.
Meu futuro brinca de não existir e meu passado é um espelho,
E essa saudade faz de conta que não é nada... mentirosa, e me engana!
Eu finjo que estou bem e não tenho nenhum talento para isso.
Aos prantos minto que não choro e que desconheço o desespero.
Essas distâncias... essas distâncias me aproximam de tudo!