quinta-feira, setembro 27, 2007

Logan e um soneto

Um soneto ronda-me desde ontem. Poesia, esses pequenos triunfos e significativos fracassos. Esses traços de palavras, esboços e rascunhos da imaginação. Falar que a distância de quem se ama torna o próprio amor distante, essa aventura errante que vai desvanecendo, muito aos poucos, um tanto de nada a cada instante. Até que se esqueça dele os nomes e as cores, os sabores e os toques, os retoques e os recalques, os tiques, as mais boas lembranças que vêm e vão na mente como cenas de um filme muito antigo que se precisa ver de novo, do qual já se esqueceu o enredo. Lembrança tola de que esse filme era bom. Só isso e mais nada.
Como explicar que o que sobra é apenas vazio? Algo que falta em algum lugar, algo que ali estava e não está mais. E dizer que há que se cansar de sentir aqueles velhos desesperos de outrora. Essa tolice de andar na rua como se me faltasse um braço ou uma perna, um olho no meio da cara, como se eu não tivesse bem no meio dela o nariz. Sim, eu tenho tudo, então é andar na rua como se tivesse escrito em minha testa que estou sozinho.
Se pudéssemos escolher por quem nos apaixonarmos... eu escolheria me apaixonar por você. Mas a idéia não é minha, é sua. Que fique com os frutos do encanto, caso haja fada madrinha ou qualquer coisa que o valha.
É assim que sempre escolho contemplar os mistérios desses instantes todos, desse enredo sem propósito. Escolhi de tudo o que podia o pior: a paciência e a contemplação, o compasso de espera, talvez a resignação (para meu desespero), escolhi a aceitação de estar sempre à sombra da luz, atrás das cortinas, nos bastidores do espetáculo da vida, espetáculo tão cheio de rostos sorridentes e bocas que se beijam, de mãos dadas em passeios que não darei, cheio do conforto do abraço sempre na hora certa, um colo onde reclinar a cabeça, a companhia de alguém que lhe quebre o silêncio e que se aquiete com devoção para compartilhar até com o seu silêncio. Esse espetáculo eu posso imaginar e até escrever, posso assistir de um lugar privilegiado. Só não posso participar dele.
Eu vou olhar a caixa de correspondência ainda por muito tempo. E cada vez que não tiver uma carta vou poder me dar por feliz, por ter a certeza de que alguém lá tão distante vai estar feliz, sem o peso e a abrangência insuportável de meu amor tão complicado. Vai significar que o que eu queria sem muito querer aconteceu, ela estar definitivamente livre de mim e esse meu jeito tão implacável de amar. Como eu fico? Quem disse que há tempo e arcabouço para constituir nisso tudo algo que beire à preocupação? Aliviado? Tranqüilo? Sereno? Contemplativo mais uma vez diante do inevitável! E isso é só. Não sei como fico, eu só sei ficar.
Sinto que me abandonam os velhos sonhos. E não sei o que sonhar a partir de agora. Não creio em tédio e nem em ócio produtivo. Eu sou quem assombra o demônio do meio dia, minha acedia é um silêncio profundo tão bem cultivado. E quero mais silêncio, muito mais silêncio do que posso fazer. Por dentro e por fora.
Não vamos dar nomes a essas coisas. Os nomes são nomes e as coisas são as coisas, que se encontram por acaso, um mero acaso, n’algum pensamento. Solidão, tristeza, melancolia, medo, amor e suas necessidades. São coisas que precisam de outros nomes ou nomes que precisam referir-se a outras coisas. Nada mais que isso.O nome dele é Logan. Achado na rua já me vem com duas protetoras hospitaleiras e uma madrinha, por ele arranhada nas costas, numa tentativa de fugir de seu destino. Minha casa, onde não me fará companhia e nem eu a ele. Haveremos de compartilhar nossa solidão e nosso silêncio. E vamos sempre nos encontrar como no primeiro encontro, quase que por acaso. Logan, o negócio é o seguinte: todo o espaço desse apartamento é meu enquanto seu. Assim está tudo muito bem dividido. Bem vindo. Que sejamos companheiros de batalha como numa fábula maravilhosa. Só uma fábula.
Depois termino de escrever o soneto. E falo mais do Logan, quando ele tiver vindo para casa.

quinta-feira, setembro 20, 2007

Eu queria falar do Johnny Deep

A sensação que eu tenho não é lá muito simples, mas talvez uma imagem ajude, uma imagem que se tenta descrever por meio de palavras, é claro. É como se o mundo todo, como se tudo em volta tivesse ficado numa espécie de estado de suspensão, ou como aquelas cenas dos filmes em que o personagem perde os sentidos, corta-se o som, o ritmo cai para câmera lenta. Isso! A vida ficou em câmera lenta, sem som. Como nos meus sonhos, que não têm cor, rostos ou som.
Eu vou dormir numa noite e tenho tudo. Acordo no dia seguinte e não tenho nada. Algo como andar numa cidade deserta. Essa sensação de sempre ser um fantasma. Impressão de que não me vêem.
A minha tristeza tem dessas cenas. Eu fico pensando as coisas ditas, as não ditas, as coisas ainda por se dizer. Construo enredos que soam como uma ficção do que a vida poderia ter sido. Futuro do pretérito, odeio esse tempo verbal. A rotina parece ser melhor descrita no gerúndio: indo e vindo, fazendo, tentando, trabalhando, querendo, fugindo, pensando. As mesmas coisas. E nossos desejos parecem vir naquele maldito futuro do pretérito: iria, viria, faria, tentaria, trabalharia, quereria, fugiria, pensaria, seria, teria. Assim por diante.
Não conhecer o caminho e andar em círculos. Perder-se desconhecendo o endereço de onde se quer ir. O que mais parece a vida? Isso cansa. Mais que isso, esgota. Isso tira o tudo do nada que conseguimos ser.
Isso seria uma descrição do vazio? Não! A noção de vazio seria ainda pouco para descrever. Talvez seja a descrição dos limites (ou da limitação) para descrever isso. Ou seja, dá para ir até aqui, além desse ponto é um “deus nos acuda”. Vazio existencial ou existência vazia, não sei. Filosofia demais para quem na verdade se pretende um poeta ou, no mínimo, um bom contador de histórias.
Eu confesso. Não posso estar mesmo bem com tudo isso. Mas essa resignação tem como fim manter-me vivo, mais ou menos inteiro. Seria muito bom, como você mesma disse (isso mesmo, escrevo para você, amiga), que a gente pudesse escolher por quem se apaixonar. Ou talvez escolher não se apaixonar nunca. Não sei. Enquanto não inventam esse fabuloso passe de mágica, vou vivendo minha vidinha de animal em extinção: romântico e idealista. Um reles sonhador, algo tão fora de moda quanto anágua, espartilho, sei lá mais o que.
Nós só temos esta vida (não é verdade?), como diria o Kundera, e não podemos alterar nossas escolhas, os rumos traçados, evitar as conseqüências do que já foi feito. Alguma coisa à frente tem conserto sim, outras nem tanto, e outras ainda, são irrecuperáveis. Tivéssemos mais de uma vida, poderíamos escolher à vontade, sem pensar muito, pois haveria a possibilidade de mudar de opinião.
Eu teria feito... pronto! Eis aqui de volta aquele terrível tempo verbal.
Então o que vou dizer agora para você, amiga de todas as horas? Certo é que precisamos de namorados/namoradas, exercer essa nossa capacidade de ser românticos, e precisamos também de uma causa que justifique nosso idealismo. Mas você consegue imaginar o rosto do seu namorado vindouro? Eu me pego pensando nisso, como vai ser o rosto da próxima mulher que eu vou amar. Isso é uma droga, atestado de incompetência. Acho que deve haver um jeito de olhar que não estamos usando muito, um jeito de olhar todas as coisas, talvez um pouco diferente desse que usamos agora. E parece que todas as outras pessoas sabem usar.
Estou triste sim. Esse vazio que sinto aqui dentro é o pior de todos que já senti. Às vezes dá até um certo medo de tudo ser assim mesmo, e eu em minha teimosia não querer aceitar. Então o mundo está todo ajustado como bem deve ser, e o desajustado sou eu. Preciso encontrar um lugar em que possa manter meu desajuste, preciso conquistar meu lugar no hospício que me cabe e que ainda nem foi construído. Deveriam criar um museu da humanidade, e lá estaria eu, com meus companheiros, o australopiteco, o pitecantropus, o neandhertal, e outros mais.
Estou triste e essa tristeza é a mais estranha que já senti. Triste sem saber exatamente por que, sem encontrar dessa tristeza a origem e a verdadeira razão. Mas em vez de me encolher num momento de desespero, derramar algumas boas lágrimas, lamentar tudo isso com a boa e velha poesia, o que eu fiz parece que foi endurecer o coração. E isso agora me dá medo. Eu não me conheço e nem posso ser reconhecido com essa possibilidade de ter endurecido o coração.
Só me falta agora, para minha ruína, eu me tornar extremamente um pouco mais racional. Isso seria o fim.
Agora é viver no reino do absurdo, essa fábula que parece acontecer somente dentro de minha mente. Meus sentimentos, meus tão desperdiçados sentimentos. Eu penso nela evitando pensar nela. E evito pensar nela, o tempo todo evito, e estou pensando. Sério. Queria não mais pensar. Eu fico lembrando as coisas que quero esquecer e acabo esquecendo é de esquecer. O que me resta é fingir que não foram assim tão importantes. É uma lástima. Se tem uma coisa que nunca fui capaz de conseguir (e nem sei se vou ser ainda) é de mentir a mim mesmo.
Sinto falta dela e vou sentir ainda muito. Mas é uma dor com a qual afinal de contas você se acostuma, até deixar de ser dor e ser uma outra coisa, sei lá o que.
Estou cansado.
E queria falar tanto do Johnny Deep, mas não falei.
(E depois lendo seu post, percebo o quanto chato também tenho sido. Queria falar muito também de outras coisas, todas elas. Talvez de alguns sonhos não meus, de poetas e escritores, cineastas e atores, muito melhores do qualquer coisa que eu tenha sonhado. Talvez até do que qualquer um tenha.)

sexta-feira, setembro 14, 2007

Solilóquios...

Mais uma vez aqui para a solidão dessas páginas. Perguntar-se por que realmente fazer tudo isso, quer dizer, falar, falar e falar, pensar, pensar e tanto pensar. e agora, hoje em dia, essa tola necessidade de registrar tudo aqui. A pequena história insignificante de uma vida insignificante. Exercícios não do pensamento, mas de qualquer pensamento. Do pensamento não de uma pessoa, digamos, mas de qualquer pessoa, ou de uma pessoa qualquer. E quaisquer pensamentos parecem essa coisa infinitamente importante.
É isso mesmo. Não me importa se você tenha um câncer no cérebro do tamanho de um limão. Estou aqui para falar da minha unha encravada.
Solilóquios de uma alma perturbável, sensível a tanto dessas coisas insignificantes. O engraçado é que este é exatamente o espaço em que temos acesso a milhares de pessoas e elas a cada um de nós, mas esse é o espaço da mais absoluta e inegável solidão.
Brain storm não faz meu gênero, mas vivo permanentemente com essa garoa de pensamentos a me povoar o cérebro. Sempre uma dia a mais as mesmas coisas, eu sempre voltando a todos os pontos por que já passei e os mesmos olhares mesmo para as coisas diferentes. Tudo tão repetitivo seria bom se tudo estivesse bem e fosse bom. Mas não, amargar a sensação de que tudo demora em ser tão ruim.
Algumas palavras atrás por aqui mesmo, peguei-me dizendo que “melhor do que precisar de pouco é precisar de nada.” Soa como uma verdade irrefutável, mas como conseguir precisar de nada? Seria piegas dizer que preciso de sol ou de chuva, de água e de ar, um chão para meus pés não afundarem na terra quando andar, preciso de um pouco de verdura e legumes a cada dia, cereais, frutas e proteínas. Bom, este seria o estado de natureza. Mas fico agora pensando como que este estado de natureza acabou.
Eu penso que podemos ter tudo que precisamos sem ter a posse disso. São os exemplos dados acima. Mas alguém tinha que inventar-nos outras necessidades, estas supondo sua posse. Seria a posse, a propriedade, o grande problema da humanidade? Não sei, filosófico demais para meu gosto. Não quero mais falar disso, falem vocês. Talvez eu ainda fale das necessidades, ou melhor dizendo, do que poderia ser necessário realmente para se viver bem.
Mas na verdade não sei bem o que estou fazendo aqui. Esse é exatamente o tipo de papo que menos gosto. Fica aqui o registro dessa coisa por mim tão “desgostada”.

D qualquer modo, gosto muito ainda das pessoas. Não vejo minha vida a não ser rodeado de pessoas, conhece-las e ser por elas conhecido. Não sou anti-social, não tenho a mínima vocação para a misantropia. As pessoas me são caras ainda e sei que serão ainda por muito tempo. Gosto de histórias de vida, histórias de infância, experiências alheias e diferentes dessa mesma coisa que é assim para todos nós, a vida. Gosto da visão outra e diferente da minha que possam ter sobre qualquer coisa.
Fórmula básica: gosto de pessoas porque sou também uma pessoa.
E gosto de bichos, porque sou também uma espécie de bicho.
Mas chega por ora com essas divagações.

terça-feira, setembro 11, 2007

Um réquiem

Não dá para falar coisa com coisa, não numa missa fúnebre. Entendo agora o que é vomitar coelhinhos: é um problema que sai à força de dentro de você.
Geração e corrupção de todas as coisas. As folhas mortas no parque me fazem atinar com a idéia de que não sei o que é feito das folhas que morrem e caem de mim. Elas não são repostas. Nenhuma folha nova nasce, e a gente só perde e vai perdendo até o tempo de não perder mais.
Agora, de novo, tudo é só meu. Os meus dias que amanhecem como devem ser, as tardes que desabam soturnas e as noites que pesam sobre mim. E são só minhas as madrugadas adentro, em que pasmar na sacada joga meu olhar atônito para a luz de estrelas mortas. E apagadas. Porque distantes. E eu tenho a impressão de que nunca vou entender direito essas distâncias. É tanta luz apagada de folhas secas no chão céu do parque. Um réquiem para as folhas mortas e estrelas de luzes que se extinguiram tão distante de meus olhos.
Um réquiem para mim a esta hora: réquiem aeternam.
Minhas palavras soltas ao vento compõem os melhores poemas de minha tristeza, mas não foram escritos, vagam no infinito, vêm e vão, sempre estão partindo e de volta. Quero não mais sentir o enfado de cada inspiração. Estou cansado de minha visão de todas as coisas.
Tudo em volta são fragmentos. Sentado em minha sala, há num canto um fragmento de um poeta, noutro o de um desenhista. Há por toda parte fragmentos de um leitor contumaz, aqui e ali os de um filósofo. Em toda a parte espalham-se fragmentos de mim. Nada na vida se vive de maneira completa e dessa vida aos pedaços estou farto, dessa ânsia aos bocados, dessa vontade de ser alguma coisa aos goles, gota por gota. Não me agrada mais esse prazer homeopático, dessa felicidade ministrada em muito pequenas doses. Não quero mais as pequenas alegrias, prefiro até as grandes tristezas a manterem-me em estado de constante melancolia. Não quero mais nada pequeno, pequenas graças, eis que aceito as grandes desgraças. Aceito tentar sorrir sempre com tudo em volta tão sem graça.
Agora não preciso mais esperar. Por nada. Nem por um futuro incerto que agora sei que certamente não vem. Não vou precisar daquela agonia a olhar a caixa do correio, os dias de férias, nem vou precisar me atormentar com certas lembranças tão doces, tão plausíveis, tão possíveis e agora tão distantes. Muito melhor do que precisar de pouco é precisar de nada.
Decerto uma espécie de ilusão terá sido tudo isso, um sonho bom a se repetir mais uma vez na minha vida e quantas vezes mais? Vontade de dizer que eu não quero mais.
Que sentimento? Leveza. Estranhamente um sentimento de leveza, mesmo com todo o peso da solidão, mesmo com todo o peso das noites e madrugadas que ainda irão desabar sobre mim, eu sei. Mesmo com o peso do próprio corpo jogado no chão, mesmo com a incapacidade de ir buscar lágrimas onde elas nunca estarão. Nem chorar eu consigo.
Vazio. Mais umas das minhas palavras preferidas e suas mais inumeráveis traduções. Vazio, esvaziado, tirado de si qualquer e todo conteúdo, qualquer idéia de próximos sorrisos, qualquer ilusão de momentos se repetirem quando forem tão bons. Vazio como o vazio da imensidão desse céu escuro, entregue a essas insuportáveis madrugadas, essas noites de pensamentos em perambulação.
Quero me irritar contra tudo isso, revoltar-me de vez, mas não posso. Esse terrível e incômodo sentimento de aceitação.
Quero não sentir que há muito mais dentro de minha mente do que fora no mundo inteiro, em todo o universo. Para quem não consegue entender essa desproporção, basta não pensar estritamente em apensas três ou quatro dimensões. Tudo fora é tão pequeno, mas tão pequeno, que cabe mil vezes dentro de um pensamento. E cansa-me tanto pensar tudo mil vezes, cansa-me mil vezes olhar para as mesmas coisas que mudam tão devagar e demoram a passar. Quero luz e velocidade, quero a velocidade da luz para pensar. Minha imaginação traiçoeira, tinha tanto ainda por me ensinar. E ficou calada em mim, displicente, desprezando-me com uma desprezível exatidão.
E uma frase estranha ao diálogo inteiro: nós só temos medo da morte porque não pensamos nela.
Tudo acaba, tudo perece, tudo morre. Nem que seja para nascer de novo. Eu não sei mais quantas vidas tenho. Nem quantas tenho gastado nessa aventura desesperada de viver. E vou viver tudo o que é mais que vida. Vou sobreviver. Como sempre. Seja para meu bem ou para meu mal.

O dias amanhecem e a vida continua, outros eus, outros vocês, outros eles e elas, outras coisas dentro dos mesmos pensamentos, outras paisagens tantas dentro dos mesmos olhares. Os dias amanhecem e nós temos sempre que levantar.
Empunhar a velha espada.
A última batalha nem começou.

quarta-feira, setembro 05, 2007

Eu te amo e pronto!

Eu te amo e pronto. Assim como quem termina uma obra. Dá os últimos retoques, olha-a e fica satisfeito com o que vê e diz: pronto! E depois tira o ultimo dia para descansar e chama esse dia de eternidade.
Dei os últimos retoques nessa minha obra, olhei para o que fiz e fiquei satisfeito. E tirei a eternidade do ultimo dia para descansar de tudo. Eu te amo! Pronto!
E nunca mais vou mexer nisso, mais nenhum retoque, nenhuma pincelada, nenhuma desbastada a mais nesse tão caro mármore de Carrara, nenhuma palavra a mais nesse poema, mais nenhum verso nessa poesia, mais nenhuma cena nessa peça, nenhuma tomada nesse filme sublime, mais nenhum capítulo nessa história, a mais bela que teria lido. Eu te amo! E pronto!

Há os que precisam de motivos para amar. E os que amam e desconhecem absolutamente qualquer motivo. E andam por aí satisfeitos, mais do que isso, felizes por serem capazes de um amor tão assim... sem motivo. Motivo quase que equivale à razão. A razão de eu te amar é... razão? Eu te amo e pronto! Tipo assim pirraça de criança, mania de velho, idéia fixa de um sonhador, certeza de um visionário, antecipação de um profeta. Se preciso for, eu te amo por pura teimosia. E por vocação. Eu te amo até por um certo talento. Não me envergonharia de te amar até por devoção.

Eu te amo porque te vi passar na minha vida. Por um brilho que vi em teus olhos, pelo calor e maciez das tuas mãos. Eu te amo por teu jeito de andar e falar, por teu jeito de escutar, teu jeito de desenhar um sorriso em teu rosto, pelo perfume de teus cabelos, pelas curvas de teu corpo, pela beleza incompreensível de tuas costas que são esculturas. Por tua boca que me engoliria como obra tua, por teus seios, por tuas pernas fortes e por tua pele que era para estar sempre à mostra, desde que andasses nua. Eu te amo porque encheste de vida as noites de minha rua. Eu te amo e pronto!

Eu te amo por cada pedaço de tua história, sempre emendados a outro e mais outro, a teu bel prazer, um pedaço em cada pedaço e uma história em cada uma de outras tantas histórias, a volta para casa da escola num dia de chuva, um tênis afundado no barro, um banho de mangueira, um gato macho com nome feminino, nem falo de tuas aulas de catequese. Eu te amo por tudo isso que lembro e por muito mais que não lembro. Eu te amo e pronto.

Eu te amo por cada lembrança que deixaste em minha vida, teu rosto entre meus livros na mesa, tuas alquimias no fogão, teus banhos narrados... ah! E as conversas pela janela do banheiro, por te ver tanto lendo deitada na cama, por te ver entrando e saindo daquele apartamento, por aquela luz acesa quando eu chegava à noite, por me pintares os olhos, por me abraçares dormindo, por passeares meus passeios, por enfeitares os meus dias e por iluminares minhas noites. Eu te amo e pronto!

Eu te amo por tudo o que disse. Por tudo que não disse ainda. Por tudo que ainda tenho a dizer. Por tudo que nem sou capaz de dizer.
Não sei. Não sei. Só sei que te amo!
E pronto!

Músicas

Medi os céus, agora meço as sombras,
A mente era dos céus, o corpo repousa na terra.
EPITÁFIO DE KEPLER (escrito por ele mesmo)

Adágio
Sobre palavras, palavras de meus dias mais insanos. Toda a insanidade de minhas horas mais tristes. Quem dera tudo isso coubesse em palavras.
Epitáfios. Escrevi tantos. Que escrevam agora o que quiserem. Não quero somente os verbos “repousa” e “descansa”. Não há descanso nem repouso. Há apenas, e haverá de haver, apenas o gradual esquecimento de quem desapareceu.

Presto
Desapareceu, enfim, na tranqüilidade do silêncio.
Aos que ficam: esquecimento.

Largo un poco maestoso
Tranqüilidade. A minha mais almejada e mais utilizada das palavras. Paz, sossego, quietação, serenidade. Repouso do corpo ou do espírito. Distância é uma palavra capaz de expressar mais do que qualquer outra a realidade que indica. É uma palavra que você sente. E que pesa sobre você. Torna-se quase que material, palpável. A mais visível das palavras.
Tranqüilidade é tudo o que posso ver de olhos fechados. Um tolo sonho, um desejo impossível. Há que se dar conta do turbilhão de pensamentos, enquanto pensar. Mas não creio em controles. Enquanto não encontrar um modo de não pensar. Aquietar as palavras dentro de mim. Ter próxima e possível uma certa paz. Deve ter havido um tempo da tranqüilidade. Mas definitivamente esse tempo não é hoje. Vivemos o tempo da intranqüilidade, tempo de grades nas janelas e trancas nas portas, sejam de nossas casas ou de nossos sentimentos. Grades e trancas. Tempo de esconder-se, de dissimular, de fingir que não há tudo o que nos toca e afeta. Tempo de não reconhecer todos os medos. Tempo apenas de entregar-se a todos os medos.

Andante
Se houvesse uma espécie de habilitação para se viajar nas palavras, minha carteira já deveria ter sido cassada. Perdi a noção de todas as palavras que estão em minha órbita. Meu universo de palavras, tão restrito, minha confusão cósmica de frases e períodos, a desconexão mais provável entre o que sente e o que fala. Tanto que chego à conclusão de que devia pensar mais e falar menos, ou nem falar e nem pensar. Evitar, enfim, certas reflexões tão problemáticas. Isso tudo quando não me é difícil de perceber que todos em volta estão a me estranhar as palavras, portanto é hora de calar. Porque tudo o que falo me põe distante de tudo e só faz tornar-me mais indefinido do que posso imaginar, abrindo e gerando desertos entre mim e o interlocutor. Este último, para mim, aquele que nunca ouve, só escuta um balbuciar de palavras. Tudo que me restou parece que foi esse jogo mal fadado de jogar ao vento minhas palavras, nem que para que não me ouçam, mas para que olhem para mim, que não me entendam, mas que vejam pelo menos quem fala, perdido em meio a tantas palavras que perderam todo o sentido. Aliás, esse que sou que precisa aprender a calar, morrer nesse grito de vida incontido. O resumo da ópera é que estou cada vez mais perdido, à mercê de tudo o que não fiz, e a realidade está a cobrar-me que algo seja feito. E minhas palavras não servem para construir um mundo, nem para mim, nem para ninguém. Desisto, então. Falar menos, pensar quase sempre pouco. Pelo menos pensar mais do que fala. Escrever, talvez o que me reste de verdade, será daqui para frente somente essa válvula de escape. Essa boca do vulcão.

Largo
Cai a noite, a me acender as estrelas. Cai uma lagrima a me apagar a chama do que me mantém vivo. Consomem-me lentamente essas horas do dia, com tudo o que há de mais indefinido. Passados assombrados, futuros improváveis e um presente sem sentido. A olhar tudo em volta tão mudado de tudo quanto me acostumei ver. Tudo tão desencontrado de mim.
Os telhados das casas. As paredes dos edifícios. A história já esquecida de quem ali pôs cada telha. Pedra sobre pedra a consumir para existir tanta força de tanta vida. Os tijolos mataram as arvores. As janelas acesas riem-se disso tudo. E as calçadas de cimento reservam um pequeno quadrado por onde as raízes deixam brotar seus troncos e galhos. As folhas me olham tristes do alto dos seus ramos eu a olhar o chão de tantas folhas mortas.
Ao meu lado 2260 páginas com o significado de 200 mil palavras. E eu não sei agora o que dizer. Eu não sei mais o que dizer... eu não sei! Por detrás de tudo isso um céu que eu não sei medir, enquanto vou medindo as sombras.
O artista é sempre um solitário que vê luz e desenha sombras. Todo esse barro ordenado em telhas e tijolos são escombros. Todas as folhas, sequiosas de ação e reação, olham para mim. Eu não. Elas preparam um colchão para eu me deitar no parque, dormir para sempre debaixo das estrelas. Tranqüilidade. Silêncio. Esquecimento.

Presto
Espelho. Sempre é, mais que o objeto que a palavra indica, o que esse objeto mostraria. É um olhar para si mesmo. Sempre que uso essa palavra, há esse olhar, esse tentar ver a si mesmo. Tentar ver-se como lhe veriam, ou ver como quem imaginando como é visto. Enfim, a palavra espelho é “introspecção”, esta mesma difícil e inaceitável, hoje em dia, muito pouco usada. Começou de um gesto material mesmo, um gesto real, olhar-se de verdade no espelho e ver-se, saber seus contornos, as características por que é reconhecido. Partindo daí para ver o que não são meros contornos. Colocar-se diante do espelho é sempre alienar seu modo de ver, suspenso por uns instantes, para refletir sobre como lhe veriam os que olham você.
Imensidão. Essa é fácil, é tudo o que é maior do que posso ser, e isso não é pouca coisa (não o que posso ser, mas o que é maior). Uma arvore imensa na janela convida a olhar um parque imenso, cuja visão não se restringe aos seus limites, mas vai além, para muito além de todos os parques, abarca todos os parques, e bosques e florestas que nunca vi, mas que trago vivos na imaginação. E tenta também definir, essa palavra, a vida como um caminho. Tente caminhar por mais de quarenta anos e veja aonde vai chegar. Tantas paisagens diante dos olhos, tanta gente, tanto céu, tantas ondas indo e vindo no mar (a imensidão mais poética e absoluta, depois do céu), tantas estrelas, e luas cheias, tanto querer saber, tanto indagar a respeito de tudo. A mente dos poetas, dos escritores, dos cientistas, dos bêbados do centro da cidade, dos mendigos nas praças ou nos bares em que tomamos nossa cerveja, tão pequenos a ponto de cabermos dentro de nosso próprio copo. O olhar aguçado das crianças, a força diante de tudo que têm os jovens, a plácida resignação e contemplação dos velhos diante da morte.

(Heavy Metal – um descuido do andamento – ma un poco scherzo)
Morri. Ora, não me venham dar um velório piegas. Eu posso merecer mais. Não digam nunca “ele foi tão bom”, porque eu não sou, bem, não era, não fui, sei lá. Pessoas muito melhores do que eu encontram-se por aí de cambulhada, facilmente. Não sei se quis ser assim tão bom, ou bonzinho. Terei saído da vida tendo passado vontade de ter dado uns bons socos e alguns pontapés ou de ter dito mais impropérios. Podem crer, há quem os mereça. Terei dito menos palavrões do que desejaria. Mas não gosto de violência.
Esqueçam os epitáfios! Escrevam-nos para a sua própria vida!
Não! Não! Não me venham com esta de relembrar os bons momentos! Tentem, então, digam meia dúzia deles, três, dois, um! Não irão lembrar nenhum. Não há bons momentos. Tirem-me da história e ela continuará a mesma. Minha companhia nunca lhes foi imprescindível e minha falta nunca foi sentida de verdade. Olhei nossos álbuns de fotografias, as fotos de nossas festas. Eu, que nunca tirei fotos, apareço em muito pouco delas. Há quem tenha aparecido mais do que eu nas fotos de meu próprio aniversário. Corram e confiram.
Quero ser enterrado junto com meus telefones, tão inúteis quanto a própria vida!
Eu gostaria de umas músicas para esse solene ultimo instante. Mas esqueçam tudo. Esqueçam os epitáfios, as músicas e os desejos. Apenas façam silêncio, uma vez em suas vidas. Homenageiem-me com o silêncio. Depois disso, podem voltar à costumeira tagarelice. Eu não vou poder ouvir mesmo.

Presto presto
Suicídio?! Coloquem diante de mim um bilhão de estúpidos que defendem (ainda que filosoficamente) essa idéia e eu mudo-lhes a “causa mortis”: homicídio qualificado.

Adágio
A propósito de tijolos e telhas, “The Wall” (Pink Floyd) em meu som parece soar tétrico. Eu vi o filme, eu sei a história. Uma criança perdeu o pai na guerra (preciso falar dessa palavra), cresceu, tornou-se roqueiro e se vinga com um álbum desse. Se não se vinga, pelo menos faz uma bela critica, ou uma necessária catarse. E isso abre precedentes vários para mais um bocado de palavras e para os seus mais variados significados.
Rancor. É ódio inveterado, oculto, profundo. Uma grande aversão não manifestada, antipatia. Ressentimento. Ira secreta, malquerer. Pelo que parece, nenhum desses sinônimos alivia o peso dessa palavra. E a qualidade de oculto e secreto faz pensar se isso pode aparecer naquele olhar no espelho.
Ressentimento. É ação ou efeito de ressentir (tornar a sentir, sentir muito – e eu diria continuar a sentir ou não evitar sentir). Mas também é melindre, suscetibilidade. E, o que é pior, recordação de uma afronta, acompanhada do desejo de vingança. É o sentimento reservado de qualquer ofensa ou lembrança “dolorosa” de uma palavra ou ato ofensivo.
Meu maior e pior pecado terá sido manter meus sentimentos reservados demais, ter deixado que algumas lembranças, mesmo por um certo tempo, fossem dolorosas. Meu pecado mais freqüente é minha tolerância à dor.
Mas não é um erro meu não falar. Eu falaria e seria bom. Há um sentimento de olhar em volta e sentir-se só. E o solitário é sempre silencioso. A questão é achar que nunca é ouvido, não querer das pessoas o que elas não podem ou não estão dispostas a me dar. Como as fotografias em festas de aniversário. Aliás, sobre a palavra “sorriso”, é aquilo que aparece somente nas fotografias. Uns muito belos e até sinceros. Mas ninguém imagina como pode ser tão muito mais belo um sorriso de verdade, ao vivo e em cores, quente.
Agora não quero mais ser ouvido, apenas aprender uma de duas coisas: calar e esquecer. Ou as duas.

Allegro ma non troppo
Vida real. Não sei o que é isso. Muito menos sei sobre os seus principais ingredientes: dinheiro, planejamento, profissão e outros mais. Alias, não sei nem o que é vida, muito menos o que é real. Essas duas palavras juntas formam, para mim, algo ainda tão impalpável e inimaginável. Materializar isso é vê-la, a vida real, como um hecantóquiro, aquele monstro mitológico de cem braços e cinqüenta cabeças, que quando você corta uma, nascem duas no lugar. Vida real, sei apenas de seus golpes e imprevistos, de suas surpresas, de sua tacanhice sem igual, de sua teimosia atroz em bater na mesma tecla, sempre.
Telefone. Retiro tudo o que disse, só nesse momento, tudo o que disse sobre ele. Toca, às vezes, a gente estando em pleno banho. Para atender tem que sair pelado, enxugando-se. Valeu a pena, era ela, para dizer que vai ligar à meia-noite. Passaram-se duas eternidades, uma para chegar à meia-noite, e outros quinze minutos depois desse horário em que ela ainda não ligou. Para passar o tempo, volto às palavras...
Espera. Palavra tão dura e palpável quanto distância. Não quero falar dela, da palavra, por ora. Ela tem sido muito polêmica ultimamente. Prefiro falar de muitas outras coisas e palavras, enquanto dura a espera. Droga! Já se passaram vinte minutos da meia-noite e ela ainda não ligou. Tenho de esperar mais um pouco e conseguir falar de outra coisa, aquilo que não é uma coisa, não é aquela coisa, não é a coisa. Intrigante a palavra “coisa”, tudo parece caber nela, nela tudo se encaixa, ou se desencaixa. Que coisa! Não estou falando coisa com coisa. Nexo causal. Nexo, nexo, nexo, complexo, amplexo, circunflexo, reflexo, convexo, mais alguma coisa terminada com essa silaba... é um telefone que não toca, a espera da espera da espera é esperar esperar ter o que esperar enquanto espera o que se espera esperando esperar o que se está esperando.
Não! Este post não é para você. Para você reservo outras palavras de nossa história, mas pode ser que aqui tenha uma ou outra, não sei, não se veja nele tanto assim, não sei o que deve ser isso de não gostar tanto de você. E nem quero saber. Duas moças lindas em casa, aliche, margherita e mussarela........
Tocou o telefone...
...acabou o post, ela acabou com o meu post. Sinto muito, o post acabou!

Em 02/09/2007 às 00:30 h.