terça-feira, dezembro 07, 2010

Rescaldo II

Alguns meses a cultivar a idiotice do que parece uma ideia fixa. O dilema de esquecer ou não quem se ama se estende até o cansaço definitivo. Até sentir-se mal com o descaso parecer até ofensa, ou de propósito, ou coisa que se leva, mesmo sem querer, para o lado pessoal. A coisa deve ser comigo. Só pode ser comigo.

Ridículo ficar imaginando que o telefone vai tocar. Ou que ao ligar o computador vai ter um email. Uma carta, isso é o pior. Esperar uma carta. Uma mensagem no celular.

E já imaginei coisa ainda pior, que a encontraria me esperando a porta, ou mesmo dentro do apartamento. Ou ainda sentada num banco do parque a minha espera, para conversar, dar notícias. Espantosamente ridículo. E digo que imaginar isso é o pior porque tenho a plena certeza de que isso nunca vai mesmo acontecer.

Não preciso adivinhar as coisas, esse esforço é inútil, as palavras estão ditas, os recados estão dados, as decisões tomadas. “Segue teu caminho” e “Eu não quero amar você”. Que mais quero ainda ouvir ou saber? Que mais ainda penso em fazer?

As férias começam com a promessa das horas de todos os dias a correrem vazias e eu chego ao extremo de pensar na heresia de que seria melhor eu estar trabalhando, andando estrada afora, quanto mais longe e cansativo melhor. Tanto melhor que fosse como foi dias atrás, semana atrás de semana, que nem deu para pensar em mim mesmo e nessas coisas todas.

O que tortura é parar aqui e ter tempo para mim mesmo este nada que sempre sobra depois dos equívocos de parte a parte, cuja culpa sempre tenho a sensação de ser somente minha ou de ter que carregar sozinho.

A ilusão é um tormento, promete coisas que a realidade nunca vai proporcionar.

Tenho o péssimo costume de respeitar a decisão dos outros, mesmo quando não foi claramente dita e mesmo em prejuízo do meu próprio bem estar. E fico de mãos atadas, pois sei que qualquer iniciativa minha vai ser vista como invasão. Ou como insistência em que de mim não se quer mais.

Saio dos desenlaces sempre com nada, sempre à deriva, sempre com um enorme sentimento de culpa e com a sensação de que não resta mesmo nada a fazer. Então não faço, mesmo que queira muito e saiba o que poderia ou deveria fazer, em respeito a quem não quer mais, eu me calo e me entrego a essa autocomiseração de me fazer triste e solitário, certo de que o amor sorri para mim como que de brincadeira.

Assim vou me entregando até me acostumar com essa espécie de solidão imputada pelas circunstâncias. Elimino minha vontade, desfaço-me facilmente dos desejos.

Vou aceitando a máxima por mim mesmo inventada que melhor do que precisar de pouco é precisar de nada.

Nada eu tenho, nada eu quero, nada eu penso, nada mais a dizer...

terça-feira, novembro 30, 2010

Rescaldo I

Acordei assim, meio com um ar blazé, ou o vulgo cara de entojo para comigo mesmo diante do espelho. Assomado de um desacorçôo que não sei de onde vem. Quer dizer, sei, mas não sei como. Um entojo, uma má vontade de administrar as coisas, certas coisas, com o passar do tempo, esperando o tempo passar para ver se tudo melhora por decurso de prazo.

É aí que eu penso nessa merda toda de ficar racionalizando o irracional do que nem é tão concreto assim, puramente abstrato. Complicado? Pois é. É assim que é.

Não gosto destes períodos de sai ano e entra ano. Nada demais isso, nenhum trauma, nenhuma lembrança ruim. Nada disso. Não gosto simplesmente do espírito de alienação que toma conta de todos, como se passar de trinta e um de dezembro de um ano que morre para o primeiro de janeiro de outro ano que nasce fosse a solução para tudo o que não resolvemos nos trezentos e sessenta e cinco dias precedentes. Se me pego fazendo isso, fico puto comigo mesmo.

Ora, talvez esteja tentando fazer um balanço, e isso também é típico dessas épocas. Depois do balanço uma lista de propósitos com um leve disfarce de planejamento do futuro, porque o futuro vai ser melhor.

Quer saber? Foda-se o futuro e o presente. E o passado que morra também se quiser, porque dele já peguei o que precisava e só o que precisava.

Mas tá! Fico pensando no que passou, o que fiz esses dias todos e esses anos. Sinto um cheiro de repetição no ar, vindo de uma acomodação absurda. A vida tem sido muito confortável, previsível, protocolar.

Escrevi demais e abusei demais da poesia, até sangrar os piores dos melhores versos e vice versa, os melhores dos piores versos.

Se olhar tudo que escrevi, uns trinta, cinqüenta poemas atrás, talvez mais, foi essa choradeira com as palavras por um amor que se realizava e ia tão bem, mas depois descambou para o infortúnio de nem as súplicas das palavras adiantarem de nada. Daí eu me sentir mendigando a atenção de quem parece não querer me ver nem pintado, não saber de mim e nem dar o ar da graça, para um “oi, como vai?”.

Assim eu entendo o entojo. Sou eu mesmo cansado de mim mesmo. Tudo isso nem é diferente de qualquer coisa que seja que eu já não tenha feito ou pela qual não tenha passado. Tudo de novo, de novo do mesmo jeito.

Eu não desisto das coisas tão facilmente. Não sou tolo o suficiente para desistir. Mas deixo as coisas desistirem de mim. São as coisas que perdem o significado e eu, insistente, que demoro a perceber. Ainda agora nem imagino o significado que as coisas tem.

Eu amo ainda. O mesmo amor, só que carregado dos equívocos de parte a parte, de todos os ônus que parecem pesar tanto sobre mim. Amor e equívocos, assim se vai fazendo da vida essa aventura desinteressante.

O que eu quero então? Emoção! Quero diante de mim e de meu olhar um olhar que aceite os desafios por piores que eles possam parecer. Mas não tenho mais o poder de fazer esse amor dizer e significar a outro o que diz e significa para mim.

Então aceito o silêncio. E aprendo a aceitar mais. E aprendo um silêncio insustentável, que pouco depois vai ser muito difícil de quebrar. Depois de tudo não vou ser mais eu mesmo, serei eu acrescido dos equívocos dos quais a vida se faz mais rica e do que se aprende mais do que com os acertos.

E, diga-se de passagem, o que eu aprendo, nunca esqueço.

sexta-feira, abril 16, 2010

16/04/2010 - 00:21

Agora parece que estamos os dois lá naquele “fim de todas as coisas”. Parece que se passou um século, dois. Parece que há atrás de nós toda uma era. E o que se foi não volta mais. Triste, não? Triste não.

Um inventário de todos os momentos, dos melhores momentos, seria um tanto inútil, para não dizer sem sentido. Porque paira no ar a impressão de que todos os momentos não foram mais do que simples ensaios para a vivência do presente, única parte do tempo em que nos reconhecemos incompletos tanto para o passado quanto para o futuro. E o que fomos ou fizemos ou não, no passado, faremos ou seremos ou não, no futuro. Mas o que dizer sobre o que somos? Não dizemos nada, queremos ser sempre aquele que fomos ou aquele que seremos e nunca o que somos realmente.

Isso tudo para falar de história, da nossa história. Olhar para os tão conhecidos e já vividos momentos e rir deles com gosto. Ou para falar do que há por vir, que queremos tanto prever e não somos capazes.

E eu me sinto cada vez mais incapaz de dizer qualquer coisa que valha sobre qualquer coisa que importe. Carrego na vida todas as boas lembranças da vida, no entanto não isentas de suas emendas e remendos, ou um parafuso faltando, uma peça solta aqui ou ali, alguma coisa sobrando em alguma parte ou faltando em outra.

Tivemos amigos (ou ainda temos?) e eles parecem que não nos tem. Mudamos imperceptivelmente e eles nada mudaram, são os mesmos e nós somos os mesmos numa versão mais aprimorada, aprendendo com erros e acertos, rindo das desgraças e mesmo lamentando pequenas alegrias paradoxalmente.

O tempo nos leva adiante, sempre. Crescemos, envelhecemos, perdemos coisas pelo caminho e não encontramos nunca mais o que nem sabíamos que procurávamos tanto. Mas amadurecemos aquelas coisas exatas as quais não se vende nem se empresta, muito menos se aluga, amadurecemos aquelas coisas que compartilhamos sempre.

Queria dizer mais, sempre. Ter em mãos uma fórmula ou uma receita. Mas essa coisa de felicidade e satisfação não cabe em lugares pequenos, motivo pelo qual temos de nos fazer grandes para as poucas coisas grandes da vida ou para as muitas coisas pequenas que realmente importam.

Eu posso me gabar de dizer diante de muita coisa que eu sabia que muita coisa seria assim mesmo. Não adivinhei e nem sei ao certo se pressenti. O saber muitas vezes não se explica com palavras, mas sim com uma certa dose de silêncio.

Deveria dizer, se pudesse, então, aquieta sua alma e sinta o cheiro e o sabor desse silêncio interior. Se acha que foi fundo consigo mesma, vá mais fundo ainda para ver o que é bom.

Na verdade, acho essa vida medíocre demais para demasiada preocupação, e curta para tantos planos. Acho o mundo ridiculamente plausível demais para ser pensado em demasia. Aliás, acho que pensamos demais, somos por demais “intelectuais” que não percebem que basta um buraco na terra e um pouco de água para cultivar uma porção considerável de beleza.

Abdico de ser este ser que pensa para ser este ser que sente que pensa. Porque não creio em absolutamente nada que me cheire a mofo, não creio em nada que vá um pouco mais além do que imaginamos poder descrever em nossos intelectuais devaneios. Nosso discurso que constrói um mundo possível e uma realidade plausível destrói desastrosamente a beleza de as coisas serem exatamente o que são.

Por que este discurso para você? Eu não sei, sou o cara que não sabe. Sou o cara que sente, embora muitas vezes nem saiba o que sente.

Talvez para dizer a você para trocar o olhar ou o espelho, ou talvez os dois a um só tempo. Para dizer que leio ainda suas coisas paradas no tempo, aquele tempo que já foi. Para dizer que as águias já vieram nos resgatar no fim de todas as coisas e que talvez tenhamos um absurdo receio de viver cada recomeço, sem as coisas todas que nos atrapalham continuar caminhando. Ou voar com a devida e insustentável leveza.

Sejamos leves, então. E sejamos os mesmos, que já deu certo e vai dar mesmo. Mas sejamos rápidos, que o tempo desconhece nossa paciência e capacidade de esperar.

Porque daqui a dez anos, vou estar velho demais para dizer as coisas e você velha demais para ouvir.