sábado, junho 14, 2008

Ah, esse amor...

Eu amo e amo este amor e não outro. Amo uma mulher com este amor e não outra com outro porque sei assim que este amor é este. Ah, este amor que me faz tonto desperdiçar meu tempo a ocupar-me deste amor e não de outro. Amasse outra com outro amor não sei se seria ainda este amor. Ah, esse amor que ocupa os pensamentos com essas questões e não outras. Ah, esse amor...

Este amor que não escrevo mais em árvores, na areia da praia, e nem em papéis que espalharia na bagunça de tantos papéis, só para perderem-se mesmo, os papéis e o amor, este amor, e a idéia dele, a certeza dele, o medo de ele não ser o que não é num futuro que não sei se vem, ou ter sido o que foi num passado nem tão remoto assim do qual não esqueço. Este amor que me consome os dias, espalha-se em cada minuto do viver, aparece em cada poema que ainda ouso escrever, este amor que não me quer crer, que se afasta de mim. Ah, esse amor...

Este amor é feito de proximidades e distâncias, de lembranças e de saudade, de brincar de faz de conta, de pequenas alegrias passageiras e de grandes tristezas duradouras, de momentos de solidão tão inevitáveis, este amor é feito de um medo de ser uma dessas coisas lindas que nunca existirão. Ah, esse amor...

Este amor é feito de confundir-me por inteiro, até não saber o que sinto e como sinto, faz-me confundir delícia com delírio, um gesto de carinho por todo carinho que não se tem em momentos de insustentável carência. Esta carência e este amor. Ah, esse amor...

Este amor me ludibria, me põe indeciso entre amar quem está próximo ou esperar quem está distante, me põe contra todas as paredes, me deixa na beira de sempre mais um abismo, este amor me causa cisma, me obriga a enamorar-me da lua, a suspirar por mais uma estrela que antes não tinha visto, me torna melancólico a ponto de passear sozinho à noite, a espelhar lágrimas em poças d’água, este amor me faz perambular por aí recitando em pensamentos poemas que esquecerei de escrever, talvez os mais bonitos, como seria este que escrevo, se não tivesse esquecido todo o resto, toda a sua forma, toda a sua cor, toda a sua beleza, toda sua delicadeza. Este amor me consome. Ah, esse amor...

A cada momento eu sei e tudo que sei é deste amor. Este amor que eu temo virar um dia aquele amor, aquele do qual se fala quando não é mais este, este aqui que sobre o qual um dia ainda direi que era tudo o que eu tinha antes de virar aquele. Ah, aquele amor...

quinta-feira, junho 05, 2008

Noite de chuva, sonhos e trovões

Está bem! Eu minto. Não aos outros, mas a mim mesmo. Tudo por causa da teimosia, sou teimoso até comigo mesmo.
Acabei de jantar ovos com bacon, mais umas doses de pinga que eram suas, sei que tenho outra garrafa igual e cheia, que será também minha, se demorar para vir tomar posse dela. Eu prometo e descumpro. Eu minto.
Esse blog não está fechado para balanço (nem nunca estará), muito menos eu. Estamos todos abertos para balanço. Saldos e rescaldos, tanto faz, parece que sei tudo o que sobra sempre, essas coisas repetitivas.
Led Zeppelin no DVD, um livro sobre a Terra e o Universo, da National Geographic, um gato que pensa que páginas virando são brinquedo, eu com os últimos posts impressos, pensando de onde é que se tira tanta besteira. Os romantismos fora de moda, pensando em estar apaixonado por você. Seria tudo de bom, a melhor coisa que poderia acontecer (não fosse esse maldito tempo verbal), mas dei para desconfiar em tudo o que há e pode haver de melhor...
A guitarra de Jimmy Page, a voz de Robert Plant, mas o que me agita é a bateria de John Bonhan, o mais feio deles, portanto o único que tem como obrigação ser talentoso, muito talentoso, o mesmo que se dá com John Paul Jones (não que os outros não sejam talentosos, mas são bonitos.). E neste exato instante começa Stairway to Heaven e eu posso saber nesse momento que The Songs Remains the Same... meus sonhos que não se vendem na feira, minhas esperanças de sobra que, por sobrarem, são sempre jogadas fora.
Agora há pouco cerveja com os amigos, eu, o Coringa, o que se encaixa em qualquer baralho, unanimidade local, nacional, internacional, quando só o que eu queria é um presente barato no dia dos namorados...”Dear lady can you hear the wind blow...” e tudo isso me dá uma inadvertida saudade de você. Você que não está aqui agora, que não vai poder estar sempre que eu queira ou precise, você que tem suas estradas e seus sonhos, suas ilusões que serão no final das contas tão diferentes dos meus ao mesmo tempo que tão parecidos...

It’s late! O que foi feito dele? alguém sabe? Dizem que foi visto por aí, a barba e o cabelo compridos, uma mochila às costas, dois ou três livros na mão, a expressão de quem andou muito mas ainda não se cansou. A mesma expressão estranha no olhar, como o de quem quer ver. Dizem que se deixou de vez levar pelo chamado das estradas, pelas distâncias tantas ainda não percorridas, deixou-se enlevar pelo canto de todas as distâncias, pelo sussurrar do desconhecido. Dizem simplesmente que saiu por aí. Tomou direção norte, ou quem sabe qual? Falou em Bolívia ou Peru, falou num mar chamado Mediterrâneo, em não morrer antes de vê-lo, antes de nele molhar os pés, falou em navios, balões, um trem na Sibéria, o Delta do Okavango, falou de aventuras contra o pouco que oferece o protocolar dia-a-dia, essa mediocridade do passar das horas, falou em uma revolta contra o tempo e a hora de ditar-lhe as regras em vez de submeter-se a elas. Meu tempo é meu! Eu sou o Senhor do Tempo! Foi o que ouviram dizer que disse.
Dizem que enlouqueceu... mas há quem ache que antes é que era louco, e que agora assumiu todo o risco provável da lucidez. Outros contam que morreu, mas dizem que abandonou a morte para a busca incansável de um pouco de vida. Estava morto antes, agora é que resolveu viver. Tudo nele mudou, mas os olhos são os mesmos: só que mais enigmáticos e desafiadores... na verdade, nunca o olharam de verdade nos olhos.
Não lamenta o que deixou, anseia pelo que vai encontrar. Nunca teve nada, porque sempre quis tudo.
Anda a conversar com gente simples que nada conheceu além do rio de sua própria aldeia, que não sabem que língua falavam no tempo de Adão, que não consideram melhor um certo Aristóteles do que alguém com quem se divide um dedo de prosa ou umas tragadas de fumo de corda, umas duas ou três doses de pinga.
Mas insistem em afirmar que ficou louco. Dizem que ouviram dizer que segue rumo ao horizonte para pegar um pôr-do-sol com a mão. E que a vida pode lhe tirar tudo, menos essa vontade de seguir em frente.
Dizem ainda que é um atormentado. Dizem que falou com Deus, outros dizem que esqueceu de Deus. Dizem que é atormentado por causa da tristeza e da solidão, que se desencantou com o amor, com a idéia de felicidade. Mas contam que ele sempre diz que felicidade é não precisar de nada e que amar é não pedir nada em troca. Que melhor do que precisar de pouco é precisar de nada. Diz isso e um monte de outras tolices. É um louco! É o que dizem.
Dizem que ouve vozes. Que ouviu a voz do vento, o silêncio das madrugadas, o clamor de coisas novas nunca antes experimentadas. E saiu por aí.
Dizem que escreve os pedaços dessa história e os pendura nos troncos das árvores, coloca entre as pedras do caminho, deixa nos bancos das praças e das igrejas, põe nas caixas do correio nas casas onde viu alguém sorrir, ou alguém triste demais, onde viu alguém chorar sozinho, sem um ombro para confortar. Ou simplesmente lança esses papéis no ar em dias de grandes ventanias. Crê que não somos a história toda, mas somente pedaços dela. Pedaços tão pequenos que precisam gritar para existir.
Para alguns está certo. Para outros é um infeliz. Para uns tantos é apenas um espelho a refletir o que sentimos quando esquecemos de sentir: saudade.
Saudade no medo de toda liberdade ser só uma estrada, a vida uma mera escolha e tudo mais um sonho. Saudade de cada dia que faz um amanhã.
É tarde. Dorme sob a luz da lua, sua senhora soberana. Sonha com a vida que há ali no fim da rua, no fim da dor, no fim de todas as coisas. E sabe que tudo só pode ser se for para ser no fim de todas as coisas...

De repente acordo com o estrondo imenso de um trovão, são três horas da manhã. Chove muito lá fora. Essas palavras presas na garganta serpentearam pelo pensamento. A noite é mais solitária quando fria e chuvosa. Nisso tudo sinto saudade de você. E me sinto mais sozinho do que sou de fato. E mais triste. O sol trará um calor chamado realidade. E, com ele, essa estrada que não escolhi. E vontade de transformar todos os sonhos em verdade.

terça-feira, junho 03, 2008

Pedido de desculpas

O que acontece de verdade é que acho que não estou a fim de escrever. Há dias que nada do que escrevo é algo de que goste, nem prosa, nem poesia, nem muito menos essas coisas aqui. A procura de um verso ou de uma frase que seja, que incendeie a mente de inspiração, tudo que resulta é esse silêncio, essa frieza, esse vazio. Ou talvez dizer algo sobre essa incapacidade de dizer:

Uma noite fria e vazia, andar em silêncio sem ter alguém do lado, uma garoa leve a fazer espelhos de luz na calçada, os pensamentos arredios procurando disfarçar toda a tristeza. Caminhar como quem flutua na cadência da própria respiração. A solidão de passos que não sabem aonde vão. Diante de uma cena com uma paisagem assim, o que se tem para dizer ou é muito pouco ou é quase nada.

Mas tudo é fruto dessa tristeza que dura, que anda a envenenar-me por dentro, bem aos poucos. Mata tudo que tenho e tudo que quero e mata até o que não tenho. E o que ainda poderia vir a ter.
Melhor fechar tudo para um balanço até segunda ordem. A começar por este blog. E a terminar por mim mesmo.

Romantismo fora de moda

Acho que estou apaixonado por você, não sei. Perdi o jeito, talvez por causa do romantismo fora de moda ou o fato de pessoas românticas nunca se entenderem de fato. E vejo tristemente que não sou mais capaz de entender os mesmos sinais, os mesmos que entendia tanto antes. Fico procurando o menor indício de correspondências em sinais que ao fim das contas não consigo decifrar mais. Então prefiro calar. E fica assim uma coisa esquisita de se carregar consigo, um pensamento constante, uma idéia fixa, uma vontade de dizer junto com o medo de não ser.
Mas que sinais seriam esses? Tudo fica dúbio... a gente se ilude com uma palavra, um gesto, um jeito de olhar, ou com tudo o que sente bem aqui dentro, que devia conhecer bem, mas não, isso aqui dentro é que desconhece a gente. Sinais que seriam fáceis de entender, bastando o discernimento e a coragem de perceber esse se sentir bem ao lado justamente daquela pessoa, e sentir-se bem de uma maneira bem peculiar. É pensar nela o dia todo, memorizar coisas ditas, as cenas desse filme que tende sabe-se lá para que final.
E não dizer nada, não falar nem da própria suspeita. Deixar como está, porque a paixão torna-se amor e tudo isso pode estragar a amizade. Mas amizade é tão pouco de tudo que se queria, mas já está muito bom. Fica-se com o que já se tem para não perder o que se quer.
Aí ocorre de entrar o frio, de anoitecer todo dia e o silêncio apoderar-se de tudo. Para complicar, uma garoa fina escorre lentamente do céu nublado, do qual não se dá para ver nem que lua tem no céu. E acontece de eu não dormir, o que é pior, como as pessoas normais normalmente fazem. Então é um querer estar onde não se está, fazer outra coisa que não este nada, sentir de novo mais uma vez um tremendo querer estar junto, uma paz e tranqüilidade que não se encontra noutros momentos da vida, sentir sempre como se fosse a última vez que se sentiu, como se não fosse sentir nunca mais.
E depois, sonhar com isso e tentar em vão entender os enigmas desses sonhos, justamente para quem não tem mais paciência para ficar decifrando enigmas. Eu acho que amo você. Não sei. Mas acho também melhor calar. E acho melhor mesmo não saber. E me iludir uma vez mais por achar que esse amor pode ficar muito bem aqui comigo e já é o bastante. Não precisa estar com você. Esse amor só precisa saber que você existe e fazer segredo de si mesmo, para não correr nenhum risco. E existir o quanto for possível. Porque eu amo você, de um amor assim feito de silêncio.
No fundo, acho que meu tempo para essas coisas já passou. O que eu quero, e sei bem isso, é sentir coisas que senti há muito tempo atrás. Porque ninguém me avisou que a gente cresce e também muda. Eu acho que o jeito de se apaixonar, a capacidade de amar, isso tudo também mudou. E não está dando certo para ninguém eu continuar sendo o mesmo.

Post Encalhado

Do rol dos posts encalacrados, quer dizer, encalhados, que andavam rascunhados por aí, mas que não dava para postar, porque há bloqueios, não meus, mas de outrem, quanto ao uso do computador. Falando nisso, preciso urgente de um computador em casa, estou perdendo de ficar digitando o que me vem em fúria como a erupção de um vulcão e não escrevo, ou rascunho e o rascunho fica velho, como estes. E são como um murro ou um beijo que não se deu na hora certa. Passada a hora, a coragem arrefece e tanto um quanto o outro perdem muito em significado. Mas vamos lá passeando os dedos pelo teclado, quem sabe tinha lá alguma coisa boa.
Porque depois disso aconteceu muita coisa boa, que contaria aqui, não fosse o fato de algo em ficar preso naquilo que lá trás eu não disse, que tenho que expurgar agora como peso morto que se joga fora, para não ficar o dito pelo não dito no ato de dizer.

De 01/05/2008 – 01:10
Mais de uma hora da manhã e eu já devia ir dormir. Tanto trabalho amanhã por fazer, trabalho enfim que me traz o maldito pão que o diabo amassa com os pés. Mas dormir é meu maior dilema. Resisto até a hora certa de ser vencido pelo cansaço. Como se quisesse prolongar cada hora de mais um dia que passa, como se tudo isso fosse só para viver mais e intensamente essa absurda espera.
E eu espero. Espero que passem todos esses dias que faltam para chegar não sei que dia em que toda essa espera terá se revelado inútil e tola. Para eu poder finalmente poder parar de esperar. Para eu poder seguramente não esperar mais nada.
Seu silêncio pesa sobre mim como um mundo que tenho que carregar nas costas. A distância me limita. E sua ausência me define. Há um vazio que é feito de tanta coisa que é vazia. Coisas que não se disse, que não se pensou, coisas que não se sentiu. E esse vazio em mim quer sempre se fazer angústia e desespero, quer se cercar de um medo tão horrível de esse dia chegar tão igual a todos os outros. Tão igual a todos esses que tenho tido, em que estou só porque triste e triste porque só
Meus dedos temem as teclas do telefone e sua voz ao longe é só mais uma dor na certeza de que isso é amor, tanto quanto eu queria saber que é amor o que sinto tão mais perto aqui. Seja como for, é amor, e como assim o é, é fome que mata aos poucos a cada dia. E é isso e tudo o mais que poder ser traduzido numa única e inegável palavra: saudade.
Dou por mim que o sentimentalismo é uma coisa ridícula e todo e qualquer sentimento só serve para isso mesmo, para nos tornar ridículos. Dou por mim que todos parecem se ocupar de sonhos, enquanto eu me ocupo de não dormir, eu me ocupo em não desistir nunca.
Até que seja finalmente vencido pelo cansaço. E durma. E desista.
Assim sei que saio ileso na batalha do passar das horas dos dias dessa absurda espera, compondo-me de tanta coisa vazia, alimentando-me de nada recheado de nada e temperado com nada, até que chegar o dia em que a espera terá que findar e, findada a espera, eu possa me deleitar como todo o vazio de tanta coisa que juntei.
E ser vencido pelo cansaço. E desistir. E dormir.

De 02/05/2008 – 00:47
Agora que já é tão tarde, não sei onde foram parar meus pensamentos, aqueles que eu tinha bem aqui perto ainda agora, que eu tanto acalentava mas que voaram pela janela e devem habitar agora a distante terra do esquecimento.
Se me aguçam os sentidos, ouço clamores que vêm daqui de dentro, que saem desse silêncio que tenho que fazer. Tic-tac é a música do tempo que passa a devorar-me, enquanto o que sei e tenho de tudo é só essa demora para tudo ficar um pouco, só um pouco, melhor.
Essa solidão só não é mais verdadeira por causa do desfile de pessoas que por aqui faço passar, pensando nelas e esquecendo de mim, importando-me com elas como que para esquecer de mim. Sempre esquecendo.
As outras pessoas são tudo o que devem ser. são tristes e mesquinhas, egoístas, egocêntricas, medrosas, desatentas e desatenciosas, incompreensíveis e insuportáveis. Mas o que importa mesmo nisso tudo é que elas são as “outras pessoas”. E, nisso, eu sou para as outras pessoas a outra pessoa. Sou outro. Que se dane, pois, esse e qualquer dilema ontológico e que cada um leve a passear sua crise existencial aonde quiser. A minha, um pouco conhecida e um tanto domesticada, levo sempre a andar entre as árvores do parque, dou-lhe bastante estrada para conhecer as distâncias, vou leva-la para a beira do rio, farei com que contemple horizontes, crepúsculos e luares. Porque ela é só minha e não divido com ninguém.
E ensaio uma certa devoção a uma certa misantropia. E se não consigo adora-la é por pura teimosia. Sempre acho que as outras pessoas se não estão a debochar de mim estão a me desafiar provocativamente. Eu bem que posso aceitar a contenda e no próximo baile de espelhos trocar-lhes as máscaras ou tira-las de vez. A verdade é uma caixa vazia em que vamos amontoando nossas mentiras.
O que me cansa é tanta conversa fiada que faz o tempo passar e nos consumir ainda mais. E também essa fuga que sempre travestida de busca, esse auto-aniquilamento fazendo as vezes de vida. O que me cansa é todo mundo depositar seu lixo em minha porta, suas excrescências em meus ouvidos. O que de fato me esgota é esse “AI-AI-AI-NHÉM-NHEM-NHEM” ad aeternum das outras pessoas que sempre esquecem de perceber que sou também uma pessoa.

De 20/05/2005 – 01:05
Mis uma rodada de cerveja! Vamos conversar. Abaixe o volume da música ou desligue o som, a TV, desliguem esse olhar viciado sobre as mesmas coisas. Vamos conversar. Afinal, a linguagem foi o maior investimento humano em evolução para ser desperdiçada assim tão à toa. Não me mostrem fotos, vamos aos fatos, vamos confiar na precariedade da memória, que sabe sempre guardar o que realmente importa.
Abandonemos os subterfúgios da convivência, deixemos de lado a covardia da conveniência, vamos nos encontrar porque gostamos uns dos outros, ficar satisfeitos porque já se tem um amigo, alguém com quem goste de estar, alguém em quem não se deixa de pensar.
Se não é para ser assim, deixem-me seguir rumo aos meus abismos, não se preocupem com o fundo do poço (que afinal é meu). E, sobretudo não alterem em nada a pintura de minha vida, não aliviem o peso de minha solidão, não interfiram com as causas e consequências dos momentos contingentes de minha realidade. Não provoquem sem motivo minha tristeza, ela sabe me atormentar sozinha, sem a ajuda de ninguém. Minha solidão e tristeza vão bem. Obrigado!
Não me venham em casa com nada na bagagem, não me apareçam de mãos vazias. Tragam sempre um sorriso, uma palavra nova e bela, uma história tocante e bela, sobre um sonho ou uma esperança, tragam-me nem que for a ilusão de uma quimera. Tragam-me carinho e consideração. O resto todo eu tenho. E tenho de graça, muito mais a dar do que imaginam. Não pensem que me agradam trazendo um anel de ouro para o meu tesouro de pedras. Dispenso suas pérolas, sou um colecionador de conchas que apanhei na areia de cada praia que meus pés pisaram para olhar o por-do-sol.
Chega de conversa! Vamos conversar de verdade. Falar de outras coisas que não as mesmas, que nossos problemas já fazem aniversários. Vamos fazer outras coisas, vamos ser outra coisa. Querer alguma coisa, querer buscar mais do que fugir. Não há lugar no mundo onde possamos esconder nossa tanta miséria.
A natureza fez me assim, parecer versado em vicissitudes humanas. E fez isso parecer menos um dom do que uma maldição.
Entrem em minha casa como quem entra num templo. Tirem os sapatos, as amarras, as roupas, deixem porta afora seus medos e preconceitos, seus dogmas, suas verdades infalíveis, sua visão carcomida de um mundo convencional. Abandonem tudo em prol do silêncio e deixem a escuridão apoderar-se de tudo.
Então nasçamos de novo, a cada instante, a cada morte a que somos submetidos em todo o momento que passa, nasçamos bem a tempo de não morrermos à toa.
E não se enganem. Tudo aqui é sagrado. E tudo ter um ar de profano. Tudo aqui é mundano. Aqui é meu mundo e eu sou só humano.
(Deixem-me ser rabugento quando quiser...)