quinta-feira, junho 05, 2008

Noite de chuva, sonhos e trovões

Está bem! Eu minto. Não aos outros, mas a mim mesmo. Tudo por causa da teimosia, sou teimoso até comigo mesmo.
Acabei de jantar ovos com bacon, mais umas doses de pinga que eram suas, sei que tenho outra garrafa igual e cheia, que será também minha, se demorar para vir tomar posse dela. Eu prometo e descumpro. Eu minto.
Esse blog não está fechado para balanço (nem nunca estará), muito menos eu. Estamos todos abertos para balanço. Saldos e rescaldos, tanto faz, parece que sei tudo o que sobra sempre, essas coisas repetitivas.
Led Zeppelin no DVD, um livro sobre a Terra e o Universo, da National Geographic, um gato que pensa que páginas virando são brinquedo, eu com os últimos posts impressos, pensando de onde é que se tira tanta besteira. Os romantismos fora de moda, pensando em estar apaixonado por você. Seria tudo de bom, a melhor coisa que poderia acontecer (não fosse esse maldito tempo verbal), mas dei para desconfiar em tudo o que há e pode haver de melhor...
A guitarra de Jimmy Page, a voz de Robert Plant, mas o que me agita é a bateria de John Bonhan, o mais feio deles, portanto o único que tem como obrigação ser talentoso, muito talentoso, o mesmo que se dá com John Paul Jones (não que os outros não sejam talentosos, mas são bonitos.). E neste exato instante começa Stairway to Heaven e eu posso saber nesse momento que The Songs Remains the Same... meus sonhos que não se vendem na feira, minhas esperanças de sobra que, por sobrarem, são sempre jogadas fora.
Agora há pouco cerveja com os amigos, eu, o Coringa, o que se encaixa em qualquer baralho, unanimidade local, nacional, internacional, quando só o que eu queria é um presente barato no dia dos namorados...”Dear lady can you hear the wind blow...” e tudo isso me dá uma inadvertida saudade de você. Você que não está aqui agora, que não vai poder estar sempre que eu queira ou precise, você que tem suas estradas e seus sonhos, suas ilusões que serão no final das contas tão diferentes dos meus ao mesmo tempo que tão parecidos...

It’s late! O que foi feito dele? alguém sabe? Dizem que foi visto por aí, a barba e o cabelo compridos, uma mochila às costas, dois ou três livros na mão, a expressão de quem andou muito mas ainda não se cansou. A mesma expressão estranha no olhar, como o de quem quer ver. Dizem que se deixou de vez levar pelo chamado das estradas, pelas distâncias tantas ainda não percorridas, deixou-se enlevar pelo canto de todas as distâncias, pelo sussurrar do desconhecido. Dizem simplesmente que saiu por aí. Tomou direção norte, ou quem sabe qual? Falou em Bolívia ou Peru, falou num mar chamado Mediterrâneo, em não morrer antes de vê-lo, antes de nele molhar os pés, falou em navios, balões, um trem na Sibéria, o Delta do Okavango, falou de aventuras contra o pouco que oferece o protocolar dia-a-dia, essa mediocridade do passar das horas, falou em uma revolta contra o tempo e a hora de ditar-lhe as regras em vez de submeter-se a elas. Meu tempo é meu! Eu sou o Senhor do Tempo! Foi o que ouviram dizer que disse.
Dizem que enlouqueceu... mas há quem ache que antes é que era louco, e que agora assumiu todo o risco provável da lucidez. Outros contam que morreu, mas dizem que abandonou a morte para a busca incansável de um pouco de vida. Estava morto antes, agora é que resolveu viver. Tudo nele mudou, mas os olhos são os mesmos: só que mais enigmáticos e desafiadores... na verdade, nunca o olharam de verdade nos olhos.
Não lamenta o que deixou, anseia pelo que vai encontrar. Nunca teve nada, porque sempre quis tudo.
Anda a conversar com gente simples que nada conheceu além do rio de sua própria aldeia, que não sabem que língua falavam no tempo de Adão, que não consideram melhor um certo Aristóteles do que alguém com quem se divide um dedo de prosa ou umas tragadas de fumo de corda, umas duas ou três doses de pinga.
Mas insistem em afirmar que ficou louco. Dizem que ouviram dizer que segue rumo ao horizonte para pegar um pôr-do-sol com a mão. E que a vida pode lhe tirar tudo, menos essa vontade de seguir em frente.
Dizem ainda que é um atormentado. Dizem que falou com Deus, outros dizem que esqueceu de Deus. Dizem que é atormentado por causa da tristeza e da solidão, que se desencantou com o amor, com a idéia de felicidade. Mas contam que ele sempre diz que felicidade é não precisar de nada e que amar é não pedir nada em troca. Que melhor do que precisar de pouco é precisar de nada. Diz isso e um monte de outras tolices. É um louco! É o que dizem.
Dizem que ouve vozes. Que ouviu a voz do vento, o silêncio das madrugadas, o clamor de coisas novas nunca antes experimentadas. E saiu por aí.
Dizem que escreve os pedaços dessa história e os pendura nos troncos das árvores, coloca entre as pedras do caminho, deixa nos bancos das praças e das igrejas, põe nas caixas do correio nas casas onde viu alguém sorrir, ou alguém triste demais, onde viu alguém chorar sozinho, sem um ombro para confortar. Ou simplesmente lança esses papéis no ar em dias de grandes ventanias. Crê que não somos a história toda, mas somente pedaços dela. Pedaços tão pequenos que precisam gritar para existir.
Para alguns está certo. Para outros é um infeliz. Para uns tantos é apenas um espelho a refletir o que sentimos quando esquecemos de sentir: saudade.
Saudade no medo de toda liberdade ser só uma estrada, a vida uma mera escolha e tudo mais um sonho. Saudade de cada dia que faz um amanhã.
É tarde. Dorme sob a luz da lua, sua senhora soberana. Sonha com a vida que há ali no fim da rua, no fim da dor, no fim de todas as coisas. E sabe que tudo só pode ser se for para ser no fim de todas as coisas...

De repente acordo com o estrondo imenso de um trovão, são três horas da manhã. Chove muito lá fora. Essas palavras presas na garganta serpentearam pelo pensamento. A noite é mais solitária quando fria e chuvosa. Nisso tudo sinto saudade de você. E me sinto mais sozinho do que sou de fato. E mais triste. O sol trará um calor chamado realidade. E, com ele, essa estrada que não escolhi. E vontade de transformar todos os sonhos em verdade.

Um comentário:

Anônimo disse...

Dizem que o gato espera na janela e conforta os amigos que também sentem a falta dele.