quinta-feira, junho 20, 2013

Eu vi o povo na rua

Praça da Sé, 18 de junho de 2013 – 17 horas.

Eu sei que você preferia “O Povo na TV”, mas o que viu na TV é o Povo na Rua. A TV, um dos principais tentáculos de um monstro chamado mídia, sempre pronto a defender os interesses do sistema, sejam eles quais forem, o sistema e os interesses, desde que o sistema garanta os interesses de uma minoria acostumada aos desmandos de um poder sem freio, “que não tem decência e nunca terá, que não tem vergonha e nunca terá...”
Foi este monstro mídia que eu vi hoje se refazendo de suas posições e opiniões anteriores, conseguindo ver a legimitidade de um movimento de um povo indignado e a gritante infiltração de meia dúzia de baderneiros a serviço de uma vontade secreta e excusa de desqualificar e desligitimar o movimento. Mesmo com a violência com que tentaram invadir o prédio da Prefeitura e com que atearam fogo ao carro de uma emissora de TV que cobria os acontecimentos, a mídia conseguiu ver que era uma minoria, que aquilo não era o e nem do movimento e, o que é melhor, conseguiu dizer isto. Todo mundo fez a lição de casa, a mídia, a polícia, os governantes, quando por lição de casa entende-se de não ficar repetindo a cantilena de que aquilo tudo todos esses dias era só capricho de uma juventude baderneira e sem limites.
Pois bem. Por volta das 17 horas o povo ia chegando de todos os lados, como gotas dentro de um copo que era a praça e a praça ficou cheia e o copo transbordou de gotas gente e tudo aquilo foi lindo de se ver, além de muito emocionante. Havia gente sentada na escadaria da igreja, gente preparando seus cartazes, gente encontrando gente, gente esperando gente, gente ligando para gente, recebendo telefonema de gente, era gente por tudo quanto é lado, porque era um movimento de gente, não de partidos ou coisa que valha, gente descontente com o aumento de vinte centavos na passagem do transporte público e que reivindica o cancelamento de tal aumento e a adoção do passe livre. É isto que querem. É apenas isto, por ora, que movimentou em tantas cidades as pessoas tantas em torno de uma só ideia.
A calmaria reinou o tempo todo. Gritava-se palavra de ordem. Uns pintavam o rosto, uns envergavam máscaras e outros mascaravam-se com suas roupas. Particularmente não gosto e nem gostei dos mascarados. Não é preciso esconder o rosto para se fazer uma manifestação pacífica. O povo começou a caminhar, um grupo descendo a XV de Novembro e pegando a General Carneiro e rumando até a sede da Prefeitura. Outro grupo seguiu subindo a Augusta em direção à Paulista, onde já havia bastante gente, enquanto um grupo estava lá pelos lados da Marginal Tietê e na Raposo Tavares. A coisa só ficou feia ali na Prefeitura, mas tudo que ocorreu depois eu vi pela TV, essa agora que anda elogiando os manifestantes e criticando os infiltrados. Tomara que não seja tarde demais.
Cansado e com fome, fui à casa de uma amiga, onde dividimos um delicioso marmitex e onde acompanhamos o desenrolar dos acontecimentos pela TV. Quando saí de lá, queria tomar o metrô na estação São Bento, mas não consegui passar ali pela prefeitura, pois os ânimos estavam acirrados. E as pessoas que vi ali, muitas delas usavam máscaras e se ocupavam de pixar as paredes dos edifícios. Voltei para o metro Anhangabaú, onde tive que esperar bastante para conseguir entrar no trem. Dois garotos de bicicleta jogavam na rua os sacos de lixo que estavam na calçada, para atrapalhar o trânsito, numa ação já sem nenhum sentido com o movimento, pois a gente toda já tinha seguido.

A presidente, mais o ex-presidente, vieram a São Paulo para conversar com o prefeito e o governador. Olhando tudo daqui, parece que podemos ter a certeza que nenhum deles sabe lidar com a situação, administrar crises. Os políticos brasileiros andam mal acostumados pela impunidade e pela falta de crítica que vem da opinião pública. E nunca estarão preparados para mudanças. Não atinam um discurso conciliatório com propostas e negociações que impeçam o povo de precisar ir para as ruas, correr o risco de ser confundidos com baderneiros mercenários contratados vá saber lá por quem. Em toda fala que vi, vi os políticos dando satisfação ao microfone na sua frente, ao monstro mídia, repetindo uma receita que vem funcionando. Não vi nenhum deles, em suas falas, dirigindo-se realmente a este povo como deviam. Na época das eleições sim, era um tal de meu povo para lá, meu povo para cá. Aliás, na época das eleições todos eles dizendo que iam fazer um milhão de coisas para esse povo e esse povo esperando, esperando, esperando e se cansando de esperar. Todos eles são bem maquiados e ficam tão bonitos no horário eleitoral e falam sobre tudo e sabem tudo e resolvem tudo. Basta serem empossados e já não sabemos quem são.
Eu estive lá e vi. Pensei que não ia viver para ver o povo acordar, largar em casa sua tv e seu computador, sua preguiça e seu comodismo e sair às ruas para dizer que está cansado das coisas como elas estão e que vão lutar para mudar.
Eu estive lá e vi o povo na rua que é do povo, um povo pronto para construir um mundo melhor para o povo. E se precisar, estarei lá de novo.

quarta-feira, março 06, 2013

Essa prosa vai longe V



Súplica

Já que trouxeste este silêncio com sua escuridão, dize-me onde deixaste a angústia dele. Preciso de um pouco dessa dor para me sentir vivo, a dor desse amor que me mantém cativo. Que só eu é que vivo enfeitando de lembranças a saudade de todos os momentos. E sou eu que afugento toda hora o bicho dos esquecimentos, aquele que me come os mais belos pensamentos e faz mofar a imaginação como coisa velha e estragada. Só eu é que fico fazendo a arrumação e limpeza desse vazio que ficou para quando voltares encontrar tudo no devido lugar. Tudo do jeito que deixaste com tudo que deixaste, os anéis e os colares, as roupas e os sapatos, os discos e os livros, as toalhas e os sabonetes, a cama pronta e a mesa posta e no ar aquele incenso de que tanto gostas e a música perfeita para embalar aquele outro silêncio que gostamos tanto de fazer.

Mas não te lembras...

Já que escolheste a distância para ser tudo o que pode haver entre nós, eu te ofereço o infinito e a eternidade para que possas fugir despercebida ou desesperada disso tudo e mais nada. Só não prometo não estar em toda parte o tempo todo, porque espalhei na imensidão todas as vontades de minhas vontades e minha única necessidade é sentir que vives mesmo que distante ou perdida no tempo, mesmo que como parte deste meu mais resistente pensamento, ainda que como uma tola ilusão minha, ficção de amor verdadeiro ou utopia de um sentimento derradeiro. E eu ainda escrevo em todos os meus cadernos o teu nome, como se isso me matasse a sede e a fome, como se isso fosse aquela coisa que não sabemos se tem nome, amor, como se o amor fosse tão mais importante do que pode ser importante viver, como se o amor fosse renascer sempre dessas cinzas dos restos de vida incendiada, à qual entregamos nossas almas entediadas que quando se lembram desse amor não querem mais nada.

Mas não te lembras...

Já que vieste no último dia em que respiro, que meu olhar derradeiro se espalha por tudo o que ainda não viu, no dia em que já ouço todas as melodias de um tempo que ainda nem vivi, já que vieste no dia em que minha vida se vai, eu só te peço que me deixes com tudo do pouco que fomos, para que eu não parta vazio de ter sido ou de ter vivido. Que me deixes ao menos com a ilusão de que te perco para a morte e não para a vida.
Mas não sabias que era o último dia em que respiro, que era meu olhar derradeiro e que eu esvoaçava nas melodias de um sem tempo, que minha vida se ia e nem ouviste que eu te pedia para me deixares com um pouco deste tudo que fomos, que eu partia vazio de ter sido e pleno do que não quis sem ter percebido que vivido esses meus dias em ilusão de vida e amor que a única verdade que havia era a morte e sua espera à minha espreita, taciturna, solene e triste. E nem sabias de todos os cadernos que levam teu nome escrito e uma história de amor que só ocorreu em meus sonhos e nunca, mas nunca mesmo, vai se tornar realidade. Não sabias das cinzas dos restos de vida incendiada e nem de nossas almas entediadas que não queriam mais nada a não ser lembrar-se desse amor. Desse amor de que devias te lembrar.

Mas não te lembras...

Essa prosa vai longe IV


Luz e Escuridão

Eu vi brilhar bem longe essa luz, mas não consigo sair dessa escuridão. E ouvi soar melodias angelicais de um canto celestial, mas estou encerrado neste meu inferno. Eternos não são os momentos, mas a saudade que me ocorre ter sempre deles.
Tenho vivido só de imaginar e a imaginação é este castigo eterno. Porque se imagina o que não existe ou o que não se tem. Vivo este castigo de imaginar teu sorriso, o som de tua voz, teu olhar como razão de eu existir, o bom entre nós, alguma felicidade talvez, que talvez seja felicidade e seja de verdade.
Tenho vivido de sonhar aquele sonho recorrente, quando não mais do que de repente apareces na minha frente e nada é diferente de tudo como foi, diferente de agora que tudo é diferente de tudo como teria sido.
Tenho vivido de esperar que o pesadelo acabe e este abismo desabe, mas não é a mim que cabe desejar o impensável nem pensar o indesejável. Talvez apenas sonhar com o inimaginável. E no meio de tudo isto esta minha tristeza inviolável e eu certo de que pensar nela toda hora é incontrolável.
Inacreditável este universo sublime que a vontade do amor construiu em meus sonhos, destruído pelo poder do silêncio e pela magia da escuridão que se apoderam de tudo.
Tenho vivido de contar os dias com suas horas intermináveis de um tempo implacável, cujo único ofício é passar, levando aos poucos cada pedaço de coisa quebrada que somos.
Eu vi teu rosto na janela, ouvi teus passos na escada, mas nada teu pode mais chegar à masmorra em que me encerraram. Nada teu pode ser maculado pela ansiosa vontade de apenas um olhar meu. Nada teu é feito para eu imaginar em meus sonhos ou desejar em meus tantos devaneios. Nada teu me pertence mais, nada teu me é próximo, nada teu é como se fosse meu. Não mais...
E temos que seguir em frente, mesmo que isso seja para ser na angústia da dor imensa do desencontro. Porque nada teu me alcança. Porque nada meu se move ao acaso e nem por acaso é sustentado por uma tola e vã esperança.
Desespero é o sentimento que fica, sentimento extremo e pequeno, último sentimento que me cabe, que me sabe, que me invade, que me resta. Desespero é o único sentimento que ainda presta.
Sei ao fim de tudo que sou dado a estranhamentos e tenho por mania estranhar tudo o que não seja estranho, por ser estranho que pareça normal. E o que de fato for estranho vai me parecer estranho parecer-se tanto com o que seja normal. Porque de fato é estranho tudo parecer normal, uma vez que o normal é que tudo seja estranho. Círculo perigoso: nada é normal... Nada em mim pode ser assim tão normal; isto seria muito estranho.
Talvez eu só quisesse permanecer no escuro desta masmorra e ser esquecido. Talvez eu só quisesse nunca ter nascido. Tendo nascido só queria não ter vivido. Tendo vivido só queria não ter aprendido. Mas aprendi e tendo aprendido só queria que não tivessem morrido todos os meninos em mim que brincam em quintais fantasmagóricos. Inexistentes...
Porque tudo é tristeza. E porque minha tristeza é feita deste silêncio e desse vazio estranhamente repleto do que não fui e pleno do que não serei, entregue a mais completa escuridão. E tudo isto vem muito bem disfarçado neste olhar dissimulado que brilha e nisto que tem de teimoso este sorriso que permanece como máscara a me ocultar o verdadeiro rosto que chora.
Quando me quiseres, me pensa. E quando me pensares esquece. Quando me esqueceres dispensa o remorso hipócrita que porventura terias ao pensar que perdes mais do que mereces. Pois não perdes nada em me perder, a não ser o tempo que perdes em pensar.

segunda-feira, fevereiro 25, 2013

Essa Prosa Vai Longe II

O medo e o Silêncio

Tem horas que eu não tenho vontade de música nem de filme. Não tenho vontade de poltrona ou de janela. Tem horas que eu tenho vontade de silêncio e de café, café com silêncio sem açúcar. Então eu pego papel e os cadernos, empilho uns livros para conversar, uns livros assim de gente boa de prosa e de poesia e fico ali no meio deles, entre goladas de café, inventando que sou no meio deles um como eles. E sei que o melhor de tudo não é poeta ler poeta, poeta escutar poeta, poeta falar com poeta. Tem umas horas que o melhor de tudo é poeta fazer silêncio com outro poeta e voar neste silêncio. Porque neste silêncio, num silêncio desses, vamos dizer, deve de ter água de cachoeira e céu azul, canto de passarinho e pio de coruja, assobio do vento, estalar de folha seca e até trovão. E barulho de chuva, é claro, que poeta que é poeta de verdade não pode perder de ouvir um barulho de chuva, até em dias que nem está chovendo. Barulho de chuva faz a gente cair num buraco que nos leva direto para o tempo de criança, que era quando a gente vivia de verdade a poesia, só que não sabia e ainda não escrevia.
É engraçada essa vontade de café. Café com silêncio, café com solidão, café com saudade, café com você. E tantas vezes por ora não sei até quando café sem você, café apesar de você. E se um dia eu não tiver mais nada vai ser café com o quê? Café com mais nada...
E para fazer silêncio, mas um silêncio de verdade, silêncio absurdo e absoluto, um resoluto silêncio, um silêncio impoluto, não é qualquer um que consegue, pois que tem de ser mais forte do que acredita que realmente é, ousado também, abusado até, obstinado, mais corajoso do que o mais idolatrado deus ou herói.
Porque tudo se esconde no silêncio, as alegrias, as dores, as tristezas, os amores. E os medos, que a cada um deles convém ser maior que o outro, e até o que é menor quer ser maior do que o que é maior que ele, que não quer ser menor, o que dá para perceber que até nos medos tem de haver essa confusão dos diabos, se bem que todos os medos são medos bem conhecidos nossos de como são porque sabemos que são e só nós sabemos como são esses medos, uns mais importantes e outros sem importância nenhuma, até aquele medo que nunca admito que tenho, mas tenho, que é o medo de dizer que eu te amo.
Voltemos ao silêncio, que é muito melhor. Mas nem é assim de qualquer jeito que se faz silêncio. Tem que tomar banho, trocar de roupa, botar perfume, pentear o cabelo. Acender um incenso, que fumaça não faz barulho e se for dançar pela casa tem que ser de meias com uma música muito linda, mas imaginária. E pode deixar falar o pensamento, que fala dentro do silêncio aproveitando-se do silêncio e somente no silêncio. E pode também olhar a lua, que o olhar é o fenômeno mais silencioso que existe e, portanto, é a declaração de amor mais próxima do silêncio que se conhece.

(23/02/2013 – 20:56)

Essa Prosa Vai Longe III

No fim de todas as coisas

Agora, depois de tudo terminado, fica a tortura de contemplar as ruínas. E o mais difícil na vida é carregar essas ruínas dentro de si. Aonde se vai leva essa coisa destruída dentro de si, essa coisa não reconstruída, o tudo desfeito a se impor ao nada refeito. Porque refazer demora e exige esforços descomunais. Fazer o novo é ainda mais fácil do que fazer de novo o que foi desfeito.
Penso o tempo como um grande espelho que vai se quebrando todo dia um pedaço e a gente vai ter que aprender a se ver sempre em cada caco de vidro, em cada estilhaço que parece que é o que é mesmo viver, estilhaçar-se no espelho do tempo.
Tudo o que somos não passa de escombros. E nos escombros o assombro de uma hora tão absurda, que sempre se teme chegar.
O que agora morre vivia outrora. E eu não vivi o suficiente para ver alguma coisa que pudesse renascer, para entender que nem toda fraqueza é força dissimulada. Alguma fraqueza é fraqueza mesmo. E somos todos filhos dela.
Muitas vezes não sei o que parece a vida. Uma casa onde todos morreram, uma rua deserta numa cidade desconhecida, e distante, um álbum de fotografias amarelecido de rostos idos já quase esquecidos, a triste lembrança de todos os momentos perdidos e este silêncio aterrorizador aqui dentro do peito, isto tudo perdido numa solidão tamanha que só um amor sem tamanho provoca. E se acaso invocas o meu nome no vazio de teu coração, no vazio e teu coração é que haverá de ecoar teu silêncio em meu silêncio. Este desencontro é como perder-se da vida a vida inteira, passar pelo tempo como se nunca tivesse vindo. E todo amor o tempo todo não passa de uma guerra.
E aquela guerra era pela paz. E a paz, então, pelo que seria? Não era paz. Morremos por tão pouco, quase nada. E nos ferimos e seguimos marcados com este fogo, este ferro, esta dor de tudo o que tem que doer para ser, amor ou qualquer coisa que valha, qualquer tralha que se usa por debaixo da mortalha, minha alma na fornalha e o vento violento que ainda espalha os meus sonhos de menino na fumaça deste esquecimento. E sou somente cinzas deste não pertencimento.
Amor, uma canção que nós todos esquecemos, emoção que nós todos perdemos, momentos vãos que já morreram.
Então é aqui o fim de todas as coisas? Então é assim, neste antes e neste depois, neste durante? Neste durante enquanto dura este olhar para o horizonte, quando um sol que se põe nunca mais voltará, quando a lua mais brilhante não mais virá. E a vontade do sonho não mais acontecerá. O último desejo deverá ser não desejar mais nada. E mesmo assim será ainda um desejo. Há que se ter mais nada, porque nada se carrega quando se vai além de onde não se pode ir.
E se não vou voltar, não preciso dizer adeus!
Fica com os meus cacos e devolve meus pecados, que fico também com os teus. E espalho essa vontade pelo infinito, onde sei que tudo pode ser bem mais bonito...

(25/02/2013 – 08:09)