quarta-feira, março 06, 2013

Essa prosa vai longe IV


Luz e Escuridão

Eu vi brilhar bem longe essa luz, mas não consigo sair dessa escuridão. E ouvi soar melodias angelicais de um canto celestial, mas estou encerrado neste meu inferno. Eternos não são os momentos, mas a saudade que me ocorre ter sempre deles.
Tenho vivido só de imaginar e a imaginação é este castigo eterno. Porque se imagina o que não existe ou o que não se tem. Vivo este castigo de imaginar teu sorriso, o som de tua voz, teu olhar como razão de eu existir, o bom entre nós, alguma felicidade talvez, que talvez seja felicidade e seja de verdade.
Tenho vivido de sonhar aquele sonho recorrente, quando não mais do que de repente apareces na minha frente e nada é diferente de tudo como foi, diferente de agora que tudo é diferente de tudo como teria sido.
Tenho vivido de esperar que o pesadelo acabe e este abismo desabe, mas não é a mim que cabe desejar o impensável nem pensar o indesejável. Talvez apenas sonhar com o inimaginável. E no meio de tudo isto esta minha tristeza inviolável e eu certo de que pensar nela toda hora é incontrolável.
Inacreditável este universo sublime que a vontade do amor construiu em meus sonhos, destruído pelo poder do silêncio e pela magia da escuridão que se apoderam de tudo.
Tenho vivido de contar os dias com suas horas intermináveis de um tempo implacável, cujo único ofício é passar, levando aos poucos cada pedaço de coisa quebrada que somos.
Eu vi teu rosto na janela, ouvi teus passos na escada, mas nada teu pode mais chegar à masmorra em que me encerraram. Nada teu pode ser maculado pela ansiosa vontade de apenas um olhar meu. Nada teu é feito para eu imaginar em meus sonhos ou desejar em meus tantos devaneios. Nada teu me pertence mais, nada teu me é próximo, nada teu é como se fosse meu. Não mais...
E temos que seguir em frente, mesmo que isso seja para ser na angústia da dor imensa do desencontro. Porque nada teu me alcança. Porque nada meu se move ao acaso e nem por acaso é sustentado por uma tola e vã esperança.
Desespero é o sentimento que fica, sentimento extremo e pequeno, último sentimento que me cabe, que me sabe, que me invade, que me resta. Desespero é o único sentimento que ainda presta.
Sei ao fim de tudo que sou dado a estranhamentos e tenho por mania estranhar tudo o que não seja estranho, por ser estranho que pareça normal. E o que de fato for estranho vai me parecer estranho parecer-se tanto com o que seja normal. Porque de fato é estranho tudo parecer normal, uma vez que o normal é que tudo seja estranho. Círculo perigoso: nada é normal... Nada em mim pode ser assim tão normal; isto seria muito estranho.
Talvez eu só quisesse permanecer no escuro desta masmorra e ser esquecido. Talvez eu só quisesse nunca ter nascido. Tendo nascido só queria não ter vivido. Tendo vivido só queria não ter aprendido. Mas aprendi e tendo aprendido só queria que não tivessem morrido todos os meninos em mim que brincam em quintais fantasmagóricos. Inexistentes...
Porque tudo é tristeza. E porque minha tristeza é feita deste silêncio e desse vazio estranhamente repleto do que não fui e pleno do que não serei, entregue a mais completa escuridão. E tudo isto vem muito bem disfarçado neste olhar dissimulado que brilha e nisto que tem de teimoso este sorriso que permanece como máscara a me ocultar o verdadeiro rosto que chora.
Quando me quiseres, me pensa. E quando me pensares esquece. Quando me esqueceres dispensa o remorso hipócrita que porventura terias ao pensar que perdes mais do que mereces. Pois não perdes nada em me perder, a não ser o tempo que perdes em pensar.

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