quinta-feira, fevereiro 17, 2011

Considerações Extemporâneas

CONSIDERAÇÕES EXTEMPORÂNEAS

(Se tem mais o que fazer, vai fazer

porque o texto vai ser muito longo...)


I - Preliminares

Mil e vinte textos. É muita coisa. Considerando que neste espaço há mais de dois milhões e meio de textos, mesmo assim, para um autor só é muita coisa. Voltei à escrita desde janeiro de 2005, o que dá seis anos e 170 textos por anos, mais ou menos 14 por mês. Isso é como escrever um dia sim e outro não. Um texto a cada dois dias é de fato muita prolixidade.

Eu cantaria a cidade, sua cor cinza, seu ar taciturno, sua gente indo e vindo, suas belezas e seus contrastes. Mas a poesia me arrasta para outra prosa e me arranca outros versos mais desatentos, os mais desapegados de mim, como se eu não fizessse nada, só estivesse aqui a servir de intermediário entre a inspiração e a composição.

Eu cantaria a estrada, mudar de paisagens. Outros rostos, outras cidades, as árvores pelo caminho, o por do sol ao longo da caminhada, os céus azuis e as nuvens propondo charadas em suas formas. As montanhas azuis ao longe, o verde, uma cachoeira a cantarolar bem ao lado de onde se passa, a fumaça que sai de um fogão a lenha de uma casa qualquer. Mas a poesia me traz de volta com seu ímpeto e me dita as palavras mais dissonantes entre o que se capta pelo olhar e o que se derrama na letra fria.

Eu cantaria essa razão suficiente para quebrar o silêncio, o motivo de toda essa inquietação, essas indagações todas, esse encanto diante dos mistérios, esse pasmar diante do ainda não conhecido e explorado, essa saudação respeitosa ao infinito, essa adoração a tudo o que ainda nem existe de belo. Mas a poesia me arranca do voo e me atira na terra, me faz murmurar entre trevas e andar sobre as pedras.

Eu cantaria a vida e os mistérios dela, todas as canções dos sonhos e suas cores, os sorrisos e o êxtase diante do romper de cada aurora a me invadir a retina, as brisas da tarde e o suspirar de cada anoitecer. Mas a poesia me cala e me obriga a olhar para dentro, me abre este abismo dentro do ser, me coloca diante do espelho, dita o próximo passo e insinua a próxima palavra. E me faz falar sempre de amor. Amor, do amor, meu amor, este único que tenho. E me faz nunca esquecer.

Daí que os versos são tristes e cinza. Daí que as palavras estão sempre em torno dessas tristezas, adornando essa solidão, ensaiando o grito contido. A palavra me obriga a viver. E viver é sentir tudo o que sinto.

Certo é, como me inspirou Cortázar, que entre viver e escrever não faço nenhuma distinção. O que vai na alma deito em palavras, o que dói dentro soa fora como dor que deve ser.

E me pergunto tanto como é que podia ser diferente. Sobre o que mais a poesia teria que dizer. Há os rascunhos de dois contos, umas três crônicas e há até mesmo algumas elucubrações filosófica para ser escritas, mas dormem no papel, porque o lirismo rebelde e sem freio não quer dizer outra coisa.

Escrevo quase que por osmose. O pensamento vira palavra, a palavra vira verso e o verso vira poema. E o poema vira tudo de cabeça para baixo e torno a dizer mais uma vez o que tanto já disse de tantas formas. E o poema não espera, tem pressa em dizer e quer dizer tudo. E diz sem paciência, mesmo sem ter tempo para dizer. Não para nem para descansar ou para pensar, pensou já é.

Então a poesia se faz prolífera e prolixa. Diz tudo outra vez buscando sempre uma outra forma de dizer. Repete, corta, acrescenta, lembra, esquece, negligencia e dá importância ao tudo e ao nada, dá importância só para o dizer.

Há cem poemas que grito pelo amor que perdi, e vou gritar ainda muito mais. Há muito mais de cem poemas que só quero dizer que quero amar, essa mulher e não outra, dessa forma ou melhor, nunca menor ou pior. Só nesse amor é que qualquer poesia em mim vai se realizar. E ponto final.


II – Penetração

Mas estou aqui e é aqui que escrevo. Aqui despejo tudo o que penso e sinto todos os instantes de meus dias. É assim mesmo. Como se não houvesse mais o que fazer ou como se eu não soubesse fazer outra coisa. Como se eu não pudesse mais viver se não fizesse isso.

Aqui é um lugar aprazível, confortável mesmo. Mas ao mesmo tempo estranho e engraçado. Aqui é o lugar onde sou acusado de ser poeta.

Aqui é o lugar em que achamos que somos e podemos ser poetas. E, diga-se, nunca foi tão fácil escrever, ou melhor dizendo, postar seus escritos à vontade, como se eles fossem assim tão importantes para o resto insensível da humanidade. Dessa facilidade, garantida pela impessoalidade do mundo virtual, advém o sentimento de que podemos tudo. Somos deuses solitários de nossos universos apartados, extremamente separados pela arrogância do arvorar-se divinos. E somos humanos, demasiado humanos. E padecemos, hoje, de agorafobia. O outro é apenas o que se interpõe entre o que somos e o outro que criamos em nossas mal fundamentadas expectativas.

O meio em que nos comunicamos não dá margem para a crítica, ainda que construtiva e bem intencionada. O meio em que produzimos nossos maravilhosos textos está povoado de gente despreparada para o convívio intelectual (ou poético-literário), que está aqui para satisfazer alguma necessidade excusa ou resolver no local menos apropriado as carências que não foram resolvidas no real.

Acontece que a vida é real e a realidade é para ser vivenciada. O mundo não espera parado a gente amarrar os sapatos, o tempo corre, sempre com sua seta apontando para o que vem. A vida não espera a gente aprender e ensina a cada momento a todos sem distinção, os atentos e os distraídos.

Sim. Eu acho que todo mundo tem o direito de escrever-dizer o que quiser a liberdade garantida para isso. Sim. Eu acho que todo mundo pode se expressar segundo suas capacidades e possibilidades, segundo suas crenças e convicções, segundo suas ilusões e anseios. Creio mesmo que todo mundo precisa sair do silêncio na hora de sair e soltar seu grito.

Só não aceito transformarem aquilo que nos é tão caro em no mínimo estrume para o futuro.

“Diga-me o que lê e te direi o que és capaz de produzir. Se fisicamente somos o que comemos, intelectualmente somos o que lemos.” Tirei essa frase de um livro que estou lendo e ela soou como uma bofetada.

Em Retratos da Leitura no Brasil vi que a nossa média de leitura é de 4,9 livros por ano, sendo que há países em que essa média é de 10 livros por ano. Isso sem falar nos títulos que são lidos. Mas isso são estatísticas e considerações sobre elas que poderei explorar em outro texto, depois de terminada a minha pesquisa. Gasta-se mais tempo vendo televisão do que lendo livros, isso sem esquecer que a programação que nos empurram pode ser classificada como puro lixo. Nem é preciso citar exemplos.

Não há, de minha parte, intenção alguma de elitizar o conhecimento, o acesso a ele ou o modo como o obtemos. Tenho imenso prazer em ver que as pessoas estão lendo nos ônibus e nos trens e que a internet tenha possibilitado o ingresso de tantos à capacidade democática de expressão. E possibilitando maior facilidade na obtenção de informação ou mesmo de formação, se é que há esta. Preocupa-me apenas a qualidade do que comemos, porque a quantidade e variedade temos de monte.

Triste povo que não tem uma boa escola, que não é apenas o lugar onde adquirimos conhecimento, mas sim onde temos a oportundidade de compartilhar tanto o conhecimento obtido quanto a convivência com o outro que também exerce a mesma oportunidade.

Sou apenas um entre tantos. A poesia que tento aqui escrever está em permanente construção e reconstrução. Estou aqui simplesmente para dividir meus textos com quem se dispõe a ler. E leio tanta gente, mais do que se pode imaginar. Estou aqui somente para compartilhar, com quem possa chamar de meu igual, essa inquietação lírica sobre o que nem somos capazes ainda de definir. Estou aqui para dizer e digo.

Foi num dia qualquer de minha vida que me demorei a digerir um pedaço de verso de Álvaro de Campos em “A Hora Absurda” que me soou estranhamente encantador: “...e a hora é de assombros e toda ela escombros dela.” E nunca mais deixei de ficar encantado.


III – Orgasmo

Mesmo que eu goste de verdade de muitos deles, sei que mil e vinte textos é muita coisa para se escrever impunemente. E nem todos vão ser tão bons assim, alguns até muito ruins. E tenho até alguns que me são verdadeiramente caros que muita gente não leu. Estão lá atrás no tempo em que empilhei todas estas páginas. “Brinca a Vida”, “Errando Poesia”, “Agora Fico Só” e a tentativa de conto “Revelação” são alguns deles.

Estou sempre ensaiando descansar essa escrivaninha e descansar dela. Talvez descansar os outros de minhas palavras. E ler mais a literatura que me falta, assim como a poesia e a filosofia. Conversar com aqueles que trilharam o caminho bem antes e que trilharam muito bem. E revisar e repassar esses meus tantos textos. Aprender a ler e aprender a escrever é minha maior meta. O que é necessário e indispensável.

Não porque o que a gente vai escrever a partir disso seja algo mais bonito para mostrar para os outros, ou galgar os degraus de uma certa fama, granjear elogios e cultivar vaidades. Mas porque tenho que dizer o que vai lá de insistente dessa coisa que chamamos poesia.

Agora só falo desse amor. Um amor que vou querer para todo o sempre e sei que vou querer. E sei mais, que nunca vou deixar de querer. Porque foi minha poesia mal ajambrada e derramada sem nenhum cuidado que me chamou a atenção para essa forma de amar e me disse que isso sim é que amor. Nem que ele seja só meu, que só eu o sinta, já terá valido a pena tê-lo sentido, porque depois disso eu me construí dois dedinhos melhor, eu me tornei melhor do que posso ser, tudo isso só por causa desse amor.

Amor o que nos falta. Amor fundamentado e consentido, amor sentido como tudo o que não entendemos, mas que não é por isso que vamos deixar de querer. Porque se não sei o que é, pelo menos sei também o que não é.

Não que eu não tenha tido outros amores na vida, ou outras experiências de amor. Amores tão grandes quanto este, tão bons e até melhores. Mas é que este Amor aconteceu num momento da vida em que eu achava que nunca mais ia ter. Quando eu não acreditava mais que podia acontecer.

É isso tudo que não quero que me peçam um dia para jogar fora ou esquecer.

É disso que tenta falar a minha vã poesia. E nunca vai se cansar de dizer.

E mesmo que um dia eu não diga mais, vai ser este Amor que ainda me fará querer tanto escrever. Que ninguém leia, ou lendo não se importe. Pois isso ainda é pouco motivo para eu deixar de dizer.

Postado no Recanto das Letras:

http://recantodasletras.uol.com.br/prosapoetica/2796788