segunda-feira, fevereiro 25, 2013

Essa Prosa Vai Longe II

O medo e o Silêncio

Tem horas que eu não tenho vontade de música nem de filme. Não tenho vontade de poltrona ou de janela. Tem horas que eu tenho vontade de silêncio e de café, café com silêncio sem açúcar. Então eu pego papel e os cadernos, empilho uns livros para conversar, uns livros assim de gente boa de prosa e de poesia e fico ali no meio deles, entre goladas de café, inventando que sou no meio deles um como eles. E sei que o melhor de tudo não é poeta ler poeta, poeta escutar poeta, poeta falar com poeta. Tem umas horas que o melhor de tudo é poeta fazer silêncio com outro poeta e voar neste silêncio. Porque neste silêncio, num silêncio desses, vamos dizer, deve de ter água de cachoeira e céu azul, canto de passarinho e pio de coruja, assobio do vento, estalar de folha seca e até trovão. E barulho de chuva, é claro, que poeta que é poeta de verdade não pode perder de ouvir um barulho de chuva, até em dias que nem está chovendo. Barulho de chuva faz a gente cair num buraco que nos leva direto para o tempo de criança, que era quando a gente vivia de verdade a poesia, só que não sabia e ainda não escrevia.
É engraçada essa vontade de café. Café com silêncio, café com solidão, café com saudade, café com você. E tantas vezes por ora não sei até quando café sem você, café apesar de você. E se um dia eu não tiver mais nada vai ser café com o quê? Café com mais nada...
E para fazer silêncio, mas um silêncio de verdade, silêncio absurdo e absoluto, um resoluto silêncio, um silêncio impoluto, não é qualquer um que consegue, pois que tem de ser mais forte do que acredita que realmente é, ousado também, abusado até, obstinado, mais corajoso do que o mais idolatrado deus ou herói.
Porque tudo se esconde no silêncio, as alegrias, as dores, as tristezas, os amores. E os medos, que a cada um deles convém ser maior que o outro, e até o que é menor quer ser maior do que o que é maior que ele, que não quer ser menor, o que dá para perceber que até nos medos tem de haver essa confusão dos diabos, se bem que todos os medos são medos bem conhecidos nossos de como são porque sabemos que são e só nós sabemos como são esses medos, uns mais importantes e outros sem importância nenhuma, até aquele medo que nunca admito que tenho, mas tenho, que é o medo de dizer que eu te amo.
Voltemos ao silêncio, que é muito melhor. Mas nem é assim de qualquer jeito que se faz silêncio. Tem que tomar banho, trocar de roupa, botar perfume, pentear o cabelo. Acender um incenso, que fumaça não faz barulho e se for dançar pela casa tem que ser de meias com uma música muito linda, mas imaginária. E pode deixar falar o pensamento, que fala dentro do silêncio aproveitando-se do silêncio e somente no silêncio. E pode também olhar a lua, que o olhar é o fenômeno mais silencioso que existe e, portanto, é a declaração de amor mais próxima do silêncio que se conhece.

(23/02/2013 – 20:56)

Essa Prosa Vai Longe III

No fim de todas as coisas

Agora, depois de tudo terminado, fica a tortura de contemplar as ruínas. E o mais difícil na vida é carregar essas ruínas dentro de si. Aonde se vai leva essa coisa destruída dentro de si, essa coisa não reconstruída, o tudo desfeito a se impor ao nada refeito. Porque refazer demora e exige esforços descomunais. Fazer o novo é ainda mais fácil do que fazer de novo o que foi desfeito.
Penso o tempo como um grande espelho que vai se quebrando todo dia um pedaço e a gente vai ter que aprender a se ver sempre em cada caco de vidro, em cada estilhaço que parece que é o que é mesmo viver, estilhaçar-se no espelho do tempo.
Tudo o que somos não passa de escombros. E nos escombros o assombro de uma hora tão absurda, que sempre se teme chegar.
O que agora morre vivia outrora. E eu não vivi o suficiente para ver alguma coisa que pudesse renascer, para entender que nem toda fraqueza é força dissimulada. Alguma fraqueza é fraqueza mesmo. E somos todos filhos dela.
Muitas vezes não sei o que parece a vida. Uma casa onde todos morreram, uma rua deserta numa cidade desconhecida, e distante, um álbum de fotografias amarelecido de rostos idos já quase esquecidos, a triste lembrança de todos os momentos perdidos e este silêncio aterrorizador aqui dentro do peito, isto tudo perdido numa solidão tamanha que só um amor sem tamanho provoca. E se acaso invocas o meu nome no vazio de teu coração, no vazio e teu coração é que haverá de ecoar teu silêncio em meu silêncio. Este desencontro é como perder-se da vida a vida inteira, passar pelo tempo como se nunca tivesse vindo. E todo amor o tempo todo não passa de uma guerra.
E aquela guerra era pela paz. E a paz, então, pelo que seria? Não era paz. Morremos por tão pouco, quase nada. E nos ferimos e seguimos marcados com este fogo, este ferro, esta dor de tudo o que tem que doer para ser, amor ou qualquer coisa que valha, qualquer tralha que se usa por debaixo da mortalha, minha alma na fornalha e o vento violento que ainda espalha os meus sonhos de menino na fumaça deste esquecimento. E sou somente cinzas deste não pertencimento.
Amor, uma canção que nós todos esquecemos, emoção que nós todos perdemos, momentos vãos que já morreram.
Então é aqui o fim de todas as coisas? Então é assim, neste antes e neste depois, neste durante? Neste durante enquanto dura este olhar para o horizonte, quando um sol que se põe nunca mais voltará, quando a lua mais brilhante não mais virá. E a vontade do sonho não mais acontecerá. O último desejo deverá ser não desejar mais nada. E mesmo assim será ainda um desejo. Há que se ter mais nada, porque nada se carrega quando se vai além de onde não se pode ir.
E se não vou voltar, não preciso dizer adeus!
Fica com os meus cacos e devolve meus pecados, que fico também com os teus. E espalho essa vontade pelo infinito, onde sei que tudo pode ser bem mais bonito...

(25/02/2013 – 08:09)