quinta-feira, setembro 27, 2007

Logan e um soneto

Um soneto ronda-me desde ontem. Poesia, esses pequenos triunfos e significativos fracassos. Esses traços de palavras, esboços e rascunhos da imaginação. Falar que a distância de quem se ama torna o próprio amor distante, essa aventura errante que vai desvanecendo, muito aos poucos, um tanto de nada a cada instante. Até que se esqueça dele os nomes e as cores, os sabores e os toques, os retoques e os recalques, os tiques, as mais boas lembranças que vêm e vão na mente como cenas de um filme muito antigo que se precisa ver de novo, do qual já se esqueceu o enredo. Lembrança tola de que esse filme era bom. Só isso e mais nada.
Como explicar que o que sobra é apenas vazio? Algo que falta em algum lugar, algo que ali estava e não está mais. E dizer que há que se cansar de sentir aqueles velhos desesperos de outrora. Essa tolice de andar na rua como se me faltasse um braço ou uma perna, um olho no meio da cara, como se eu não tivesse bem no meio dela o nariz. Sim, eu tenho tudo, então é andar na rua como se tivesse escrito em minha testa que estou sozinho.
Se pudéssemos escolher por quem nos apaixonarmos... eu escolheria me apaixonar por você. Mas a idéia não é minha, é sua. Que fique com os frutos do encanto, caso haja fada madrinha ou qualquer coisa que o valha.
É assim que sempre escolho contemplar os mistérios desses instantes todos, desse enredo sem propósito. Escolhi de tudo o que podia o pior: a paciência e a contemplação, o compasso de espera, talvez a resignação (para meu desespero), escolhi a aceitação de estar sempre à sombra da luz, atrás das cortinas, nos bastidores do espetáculo da vida, espetáculo tão cheio de rostos sorridentes e bocas que se beijam, de mãos dadas em passeios que não darei, cheio do conforto do abraço sempre na hora certa, um colo onde reclinar a cabeça, a companhia de alguém que lhe quebre o silêncio e que se aquiete com devoção para compartilhar até com o seu silêncio. Esse espetáculo eu posso imaginar e até escrever, posso assistir de um lugar privilegiado. Só não posso participar dele.
Eu vou olhar a caixa de correspondência ainda por muito tempo. E cada vez que não tiver uma carta vou poder me dar por feliz, por ter a certeza de que alguém lá tão distante vai estar feliz, sem o peso e a abrangência insuportável de meu amor tão complicado. Vai significar que o que eu queria sem muito querer aconteceu, ela estar definitivamente livre de mim e esse meu jeito tão implacável de amar. Como eu fico? Quem disse que há tempo e arcabouço para constituir nisso tudo algo que beire à preocupação? Aliviado? Tranqüilo? Sereno? Contemplativo mais uma vez diante do inevitável! E isso é só. Não sei como fico, eu só sei ficar.
Sinto que me abandonam os velhos sonhos. E não sei o que sonhar a partir de agora. Não creio em tédio e nem em ócio produtivo. Eu sou quem assombra o demônio do meio dia, minha acedia é um silêncio profundo tão bem cultivado. E quero mais silêncio, muito mais silêncio do que posso fazer. Por dentro e por fora.
Não vamos dar nomes a essas coisas. Os nomes são nomes e as coisas são as coisas, que se encontram por acaso, um mero acaso, n’algum pensamento. Solidão, tristeza, melancolia, medo, amor e suas necessidades. São coisas que precisam de outros nomes ou nomes que precisam referir-se a outras coisas. Nada mais que isso.O nome dele é Logan. Achado na rua já me vem com duas protetoras hospitaleiras e uma madrinha, por ele arranhada nas costas, numa tentativa de fugir de seu destino. Minha casa, onde não me fará companhia e nem eu a ele. Haveremos de compartilhar nossa solidão e nosso silêncio. E vamos sempre nos encontrar como no primeiro encontro, quase que por acaso. Logan, o negócio é o seguinte: todo o espaço desse apartamento é meu enquanto seu. Assim está tudo muito bem dividido. Bem vindo. Que sejamos companheiros de batalha como numa fábula maravilhosa. Só uma fábula.
Depois termino de escrever o soneto. E falo mais do Logan, quando ele tiver vindo para casa.

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