quinta-feira, setembro 20, 2007

Eu queria falar do Johnny Deep

A sensação que eu tenho não é lá muito simples, mas talvez uma imagem ajude, uma imagem que se tenta descrever por meio de palavras, é claro. É como se o mundo todo, como se tudo em volta tivesse ficado numa espécie de estado de suspensão, ou como aquelas cenas dos filmes em que o personagem perde os sentidos, corta-se o som, o ritmo cai para câmera lenta. Isso! A vida ficou em câmera lenta, sem som. Como nos meus sonhos, que não têm cor, rostos ou som.
Eu vou dormir numa noite e tenho tudo. Acordo no dia seguinte e não tenho nada. Algo como andar numa cidade deserta. Essa sensação de sempre ser um fantasma. Impressão de que não me vêem.
A minha tristeza tem dessas cenas. Eu fico pensando as coisas ditas, as não ditas, as coisas ainda por se dizer. Construo enredos que soam como uma ficção do que a vida poderia ter sido. Futuro do pretérito, odeio esse tempo verbal. A rotina parece ser melhor descrita no gerúndio: indo e vindo, fazendo, tentando, trabalhando, querendo, fugindo, pensando. As mesmas coisas. E nossos desejos parecem vir naquele maldito futuro do pretérito: iria, viria, faria, tentaria, trabalharia, quereria, fugiria, pensaria, seria, teria. Assim por diante.
Não conhecer o caminho e andar em círculos. Perder-se desconhecendo o endereço de onde se quer ir. O que mais parece a vida? Isso cansa. Mais que isso, esgota. Isso tira o tudo do nada que conseguimos ser.
Isso seria uma descrição do vazio? Não! A noção de vazio seria ainda pouco para descrever. Talvez seja a descrição dos limites (ou da limitação) para descrever isso. Ou seja, dá para ir até aqui, além desse ponto é um “deus nos acuda”. Vazio existencial ou existência vazia, não sei. Filosofia demais para quem na verdade se pretende um poeta ou, no mínimo, um bom contador de histórias.
Eu confesso. Não posso estar mesmo bem com tudo isso. Mas essa resignação tem como fim manter-me vivo, mais ou menos inteiro. Seria muito bom, como você mesma disse (isso mesmo, escrevo para você, amiga), que a gente pudesse escolher por quem se apaixonar. Ou talvez escolher não se apaixonar nunca. Não sei. Enquanto não inventam esse fabuloso passe de mágica, vou vivendo minha vidinha de animal em extinção: romântico e idealista. Um reles sonhador, algo tão fora de moda quanto anágua, espartilho, sei lá mais o que.
Nós só temos esta vida (não é verdade?), como diria o Kundera, e não podemos alterar nossas escolhas, os rumos traçados, evitar as conseqüências do que já foi feito. Alguma coisa à frente tem conserto sim, outras nem tanto, e outras ainda, são irrecuperáveis. Tivéssemos mais de uma vida, poderíamos escolher à vontade, sem pensar muito, pois haveria a possibilidade de mudar de opinião.
Eu teria feito... pronto! Eis aqui de volta aquele terrível tempo verbal.
Então o que vou dizer agora para você, amiga de todas as horas? Certo é que precisamos de namorados/namoradas, exercer essa nossa capacidade de ser românticos, e precisamos também de uma causa que justifique nosso idealismo. Mas você consegue imaginar o rosto do seu namorado vindouro? Eu me pego pensando nisso, como vai ser o rosto da próxima mulher que eu vou amar. Isso é uma droga, atestado de incompetência. Acho que deve haver um jeito de olhar que não estamos usando muito, um jeito de olhar todas as coisas, talvez um pouco diferente desse que usamos agora. E parece que todas as outras pessoas sabem usar.
Estou triste sim. Esse vazio que sinto aqui dentro é o pior de todos que já senti. Às vezes dá até um certo medo de tudo ser assim mesmo, e eu em minha teimosia não querer aceitar. Então o mundo está todo ajustado como bem deve ser, e o desajustado sou eu. Preciso encontrar um lugar em que possa manter meu desajuste, preciso conquistar meu lugar no hospício que me cabe e que ainda nem foi construído. Deveriam criar um museu da humanidade, e lá estaria eu, com meus companheiros, o australopiteco, o pitecantropus, o neandhertal, e outros mais.
Estou triste e essa tristeza é a mais estranha que já senti. Triste sem saber exatamente por que, sem encontrar dessa tristeza a origem e a verdadeira razão. Mas em vez de me encolher num momento de desespero, derramar algumas boas lágrimas, lamentar tudo isso com a boa e velha poesia, o que eu fiz parece que foi endurecer o coração. E isso agora me dá medo. Eu não me conheço e nem posso ser reconhecido com essa possibilidade de ter endurecido o coração.
Só me falta agora, para minha ruína, eu me tornar extremamente um pouco mais racional. Isso seria o fim.
Agora é viver no reino do absurdo, essa fábula que parece acontecer somente dentro de minha mente. Meus sentimentos, meus tão desperdiçados sentimentos. Eu penso nela evitando pensar nela. E evito pensar nela, o tempo todo evito, e estou pensando. Sério. Queria não mais pensar. Eu fico lembrando as coisas que quero esquecer e acabo esquecendo é de esquecer. O que me resta é fingir que não foram assim tão importantes. É uma lástima. Se tem uma coisa que nunca fui capaz de conseguir (e nem sei se vou ser ainda) é de mentir a mim mesmo.
Sinto falta dela e vou sentir ainda muito. Mas é uma dor com a qual afinal de contas você se acostuma, até deixar de ser dor e ser uma outra coisa, sei lá o que.
Estou cansado.
E queria falar tanto do Johnny Deep, mas não falei.
(E depois lendo seu post, percebo o quanto chato também tenho sido. Queria falar muito também de outras coisas, todas elas. Talvez de alguns sonhos não meus, de poetas e escritores, cineastas e atores, muito melhores do qualquer coisa que eu tenha sonhado. Talvez até do que qualquer um tenha.)

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