terça-feira, julho 18, 2006

Maya

Sinto falta de toda uma vida. Estou preso no passado. Todos os seres humanos sonham com o futuro negando-o. Porque o futuro é contingente. Só o passado nos parece real, completo e acabado, resumido em nossas fotografias, ou em nossas parcas reminiscências. O presente é dúvida, ilusão talvez, ahimsa, a tríplice ilusão: a ilusão física, a ilusão psíquica e a ilusão psicológica. O futuro é esperança pura, somente. E nossa fé no futuro é tão pouco fundamentada, tanto quanto nossa certeza sobre existirmos.
Sinto falta dos quintais para lavar, da minha cachorra que acompanhava todo esse trabalho, das malcriações diárias de meus filhos, e de todas as suas coisas, sua vida, sua cara, sua presença, a sensação de que parte de mim está neles e neles parte de mim também está. Pode ser que seja um outro tipo de fé sem fundamento, mas não falo de certezas, mas sim falo de sentimentos. Sinto falta de acompanhado não ter companhia.
Sinto falta até de meus cds, que parte da vida foi necessária para juntar e um momento apenas para me apartar deles. Sinto falta de um mundo em que me iludi que era feliz. Sinto falta dessa e de todas as ilusões. E a realidade me ensina aos poucos e tão dolorosamente. E não há ninguém para quem eu possa contar que sofro por tão pouco. Não há ninguém que me ouça o que não sou mais capaz de calar.
Ganhei de presente da realidade algo que se pode chamar de liberdade. Mas o preço foi a solidão, como aqui nessas linhas, em que não sei quem me lê, quem diria o que, quem sentiria a mesma coisa, exatamente do mesmo jeito. Com a liberdade a solidão e com a solidão a tristeza, mas não como um sofrimento inútil e digno de pena, uma tristeza de existir olhando para as coisas certas do modo como elas devem ser olhadas.
Em minhas noites mal dormidas, o passado, o presente e o futuro se alternam, em sonhos, pessoas ainda sem rostos, como deve ser todo mundo sem todas as suas máscaras. Enigmáticos, esses sonhos não resolvem nada, complicam o que deveria ser simples, enchem de angústia cada nova pergunta sobre o tudo e o nada, sobre o vazio e o silêncio, sobre essa solidão mais existencial do que real.
O mais perto que chegamos da ilusão é a alienação, que cultivamos até pelo menos o fim da adolescência, quem não tiver a sorte de cultivar só até aí. Começamos a ser adultos quando despertamos para o real? Acho que não, porque ninguém desperta para o real tão facilmente. Mas começamos a ser adultos quando paramos de nos iludir, quando a alienação não faz mais nenhum sentido. Então começamos a saber e, o que é pior, a querer saber. O conhecimento traz o sofrimento, o conhecimento traz a relação indubitável e inevitável com a nossa subjetividade. O conhecimento só não traz respostas, paradoxalmente, traz perguntas e com elas as dúvidas.
E eu sou quem aqui? Um náufrago numa ilha perdida, distante, que atira mensagens em garrafas, para um futuro incerto. Tenho comigo somente o presente inútil e o passado, eterno e renitente. Uma realidade que se resume em si mesma, como uma esperança infundada, alguém achar umas das garrafas e saber que estou vivo. Mas resgatado, o que me aguarda não é o futuro, mas um novo presente, sempre o presente, essa ilusão de tudo ser real.
Sempre o tempo que nos intriga, ou o estar à mercê do tempo que nos devora aos poucos.
Falta-me ponto de apoio na consciência, ou o discernimento de uma mudança de estado de consciência. O tempo não existe e a ilusão deve ser superada na busca do Si-Próprio.
Resta a nós, pobres mortais, a ilusão do ser, de ser, a ulusão da realidade, do amor e da felicidade.
A ilusão de que o que digo é uma verdade.
E a ilusão de alguém crer em mim.