É triste tudo isso se parecer com um deserto. Dias e dias sem comer e sem beber e só areia por todo lado, silêncio e calor, nenhuma brisa, nenhuma sombra. Impressão de que se morre no próximo instante. Triste isso se parecer com uma cela de prisão, solitária, fria e escura, inexpugnável. Não saber se é dia ou noite, manhã ou tarde, se chove ou faz sol, se passa um trem ao longe ou apita um barco que se aproxima do cais. Não saber se é janeiro ou dezembro, verão ou inverno.
Esquecer de súbito o cheiro das flores e suas cores, não sentir a terra sob os pés, ou a grama roçar-lhe os passos. Não se recordar mais do ultimo regaço, ou mãos que tocam e os abraços, não ter molhados os lábios de um último beijo perdido no tempo. O próprio pensamento ser a única coisa que se ouve. Ou a respiração, enquanto respira. Dormir um sono sem sonhos, acordar sem ter descansado, não ter prazer de existir.
É triste isso se parecer com a realidade e sua verdade inescapável, nua e crua. Com os passos que nunca mais vou dar na rua, com olhares inúteis que nunca mais vislumbrarão a luz da lua.
É triste isso parecer que vem de dentro para fora, não o contrário, vem de dentro do peito, de onde não se pode de jeito algum extirpar. Triste não haver nada que acalme o descompasso do coração, essa ânsia, essa agonia, essa vontade de ter asas na beira do abismo.
É triste isso doer tanto de uma dor que remédio nenhum cura ou ao menos mitiga. Triste ser como uma doença, um vício, uma mania. É triste sendo uma dor demorar tanto em ser tão ruim, que nada faz aprender, da qual não se pode esquecer, nem se livrar, porque se pára de doer, há de doer na lembrança de que doeu.
É triste não poder falar disso com ninguém, partilhar, dividir o fardo para carregar. Triste isso ser um segredo íntimo, um sentimento aparentemente ínfimo. Triste isso ser como a solidão na hora da morte. Tão triste isso ser intenso e profundo como um soneto de Camões.
Triste isso ser tudo que é. Triste isso ser amor.