Terá sido o brilho dos olhos. Talvez a luz do sorriso. Os cabelos emoldurando toda a beleza do rosto. O jeito de olhar. Ou um certo modo de sorrir. Pode ser que seja a perfeição das mãos. A pele limpa e clara, suave, muito suave, macia aos olhos, talvez doce para o toque. A força das pernas, quem sabe? A cintura perfeita, os ombros que encaixam um lindo pescoço. Uma certa elegância nos braços? Ou a voz? Talvez a voz... a postura no andar, pode ser a postura ao estar parada? Não dá para saber, talvez tudo como um todo e uma riqueza em cada detalhe, ou a combinação de ricos detalhes em tudo como um todo. As costas nuas, se eu as visse nuas agora, como de bailarina em pose. Os pés de menina num corpo de mulher. Um corpo de mulher...
Uma menina num corpo de mulher, uma mulher com jeito de menina, a alegria de viver, o sorriso amplo sempre aberto, olhos brilhantes, jeito faceiro de me olhar, que não esqueço, um modo suave de piscar, sedutora, querendo aprender a seduzir com a inocência de quem sabe sentir mas ainda não sabe que sente o que sente.
Terá sido mesmo obra do destino que brinca com a história de nossas vidas, que nos coloca uma hora perto e outra longe, que nos aproxima de novo sem que possamos ficar próximos, que nos faz encarar um ao outro tendo que disfarçar que seria inevitável não resistir desviar o olhar. Seria obra do destino nos fazer viver em terras distantes e vagar em navios e mares distintos, para depois dar-se o encontro num mesmo porto, naquele dia frio e chuvoso, que seria tão triste se não tivesse sido tão importante.
Ou terá sido um capricho do acaso, que quando resolve caprichar não economiza nas cenas mais lindas que pode arranjar para arrancar dois seres de seus caminhos desencontrados para os colocar na mesma estrada, na mesma sala, no mesmo quarto daquela casa na mesma rua de nossas infâncias, onde ainda tínhamos o sabor de nossos quintais e o cheiro das fogueiras das festas tradicionais, na mesma rua onde nunca imagináramos onde nossos passos iriam nos levar e onde nosso caminhar iria nos trazer.
Ou ainda terá sido obra de um deus travesso a escolher quem atingir com suas setas envenenadas do mais doce veneno que existe, tão doce que quem tem não quer perder e quem não tem não vê o dia em que possa ter. Aquele veneno que quando se tem se vive e quando se perde morre-se um pouco.
Terá sido por obra de algum feitiço que venha a existir quando existe fogo nos olhos e um arder dentro do peito, quando sucumbimos com a falta de sono e fome, quando pensamos só naquilo que sabemos o que é sem precisar dizer o nome.
Terá sido por isso e por tudo talvez, talvez por nada, por simplesmente ter que ser porque assim teria sido desde todo o sempre. De tal modo que por ele é que passamos a existir, sendo que sem ele nada do que somos poderia existir e nada do que queremos faria sentido acontecer.
Terá sido por causa desse silêncio de perguntas que nunca ousamos fazer, por temer a resposta que há ou não haver a resposta, mas que uma coragem insana irrompe do peito num grito inevitável como o trovão das tempestades a bradar dos céus a tudo o que há na terra para que ouça de uma vez que eu te amo tanto e não sei o que terá sido esse amar que não me interessa saber senão sentir que é esse amar que por falta de melhor nome todos os poetas haverão de cantar e chamar pelo simples, singelo e terno nome de Amor.
21/07/2009 – 03:00