Acordei assim, meio com um ar blazé, ou o vulgo cara de entojo para comigo mesmo diante do espelho. Assomado de um desacorçôo que não sei de onde vem. Quer dizer, sei, mas não sei como. Um entojo, uma má vontade de administrar as coisas, certas coisas, com o passar do tempo, esperando o tempo passar para ver se tudo melhora por decurso de prazo.
É aí que eu penso nessa merda toda de ficar racionalizando o irracional do que nem é tão concreto assim, puramente abstrato. Complicado? Pois é. É assim que é.
Não gosto destes períodos de sai ano e entra ano. Nada demais isso, nenhum trauma, nenhuma lembrança ruim. Nada disso. Não gosto simplesmente do espírito de alienação que toma conta de todos, como se passar de trinta e um de dezembro de um ano que morre para o primeiro de janeiro de outro ano que nasce fosse a solução para tudo o que não resolvemos nos trezentos e sessenta e cinco dias precedentes. Se me pego fazendo isso, fico puto comigo mesmo.
Ora, talvez esteja tentando fazer um balanço, e isso também é típico dessas épocas. Depois do balanço uma lista de propósitos com um leve disfarce de planejamento do futuro, porque o futuro vai ser melhor.
Quer saber? Foda-se o futuro e o presente. E o passado que morra também se quiser, porque dele já peguei o que precisava e só o que precisava.
Mas tá! Fico pensando no que passou, o que fiz esses dias todos e esses anos. Sinto um cheiro de repetição no ar, vindo de uma acomodação absurda. A vida tem sido muito confortável, previsível, protocolar.
Escrevi demais e abusei demais da poesia, até sangrar os piores dos melhores versos e vice versa, os melhores dos piores versos.
Se olhar tudo que escrevi, uns trinta, cinqüenta poemas atrás, talvez mais, foi essa choradeira com as palavras por um amor que se realizava e ia tão bem, mas depois descambou para o infortúnio de nem as súplicas das palavras adiantarem de nada. Daí eu me sentir mendigando a atenção de quem parece não querer me ver nem pintado, não saber de mim e nem dar o ar da graça, para um “oi, como vai?”.
Assim eu entendo o entojo. Sou eu mesmo cansado de mim mesmo. Tudo isso nem é diferente de qualquer coisa que seja que eu já não tenha feito ou pela qual não tenha passado. Tudo de novo, de novo do mesmo jeito.
Eu não desisto das coisas tão facilmente. Não sou tolo o suficiente para desistir. Mas deixo as coisas desistirem de mim. São as coisas que perdem o significado e eu, insistente, que demoro a perceber. Ainda agora nem imagino o significado que as coisas tem.
Eu amo ainda. O mesmo amor, só que carregado dos equívocos de parte a parte, de todos os ônus que parecem pesar tanto sobre mim. Amor e equívocos, assim se vai fazendo da vida essa aventura desinteressante.
O que eu quero então? Emoção! Quero diante de mim e de meu olhar um olhar que aceite os desafios por piores que eles possam parecer. Mas não tenho mais o poder de fazer esse amor dizer e significar a outro o que diz e significa para mim.
Então aceito o silêncio. E aprendo a aceitar mais. E aprendo um silêncio insustentável, que pouco depois vai ser muito difícil de quebrar. Depois de tudo não vou ser mais eu mesmo, serei eu acrescido dos equívocos dos quais a vida se faz mais rica e do que se aprende mais do que com os acertos.
E, diga-se de passagem, o que eu aprendo, nunca esqueço.