quinta-feira, abril 28, 2011

Prosa do Absurdo


DECADÊNCIA

É a ideia de início, apogeu e declínio
A decadência do que ousei chamar poesia
Essa necessidade constante de dizer, dizer e dizer
Como se fosse importante, útil ou necessário
Empreendi uma mesma viagem por mesmas estradas
A paisagem ali parada, a mesma, e eu sem achar graça
Estava em outra cidade, as montanhas com o céu atrás
Muito verde e muita árvore, rios e represas, nuvens
E eu desdenhava essa beleza como se a desconhecesse
Deplorava qualquer emoção de sentir fazendo parte
De repente é que me vejo cansado das pessoas
Com suas ideias de deus e de vida e seu medo da morte
Com seu desdém para com tudo que é real e importante
Com seu descaso para tudo quanto é sentimento mesmo
O amor e o desamor, a paixão, o desejo, um sonho que seja
E de repente a proximidade das pessoas me afronta
E me aflige, aborrece, causa asco de dar pena
De relance surge um lampejo: elas estão certas
Eu é que sempre andei a estar de todo errado
Qual seja! Que seja assim, não sei, nem quero saber
Experimentei uma imensa sensação de grande vazio
E quis apagar meus pensamentos todos e as palavras
Quis calar-me de vez e achei que era falta de inspiração
E é, eu sei que é, essa vontade entranhada de algo novo
Deu medo olhar tudo em volta e não ser capaz de sentir
Deu medo não sentir mais nada como sempre sentia
Deu medo de ser uma irreversível transformação
Tive a nítida sensação de uma irremediável solidão
Assustei-me com a impressão clara e indubitável
De essa tristeza deixar de ser acidente e tornar-se essência
De tornar o alheio silêncio um silencio bem maior e só meu
Mas mesmo assim teimo em fazer pouco caso de tudo
Sem medo da morte de tudo, mesmo dos sonhos fáceis
Não temi amanhã acordar e não ser capaz de escrever mais
De ter ocorrido de uma tal poesia ter me abandonado de vez
Na falta de vontade de um querer ainda ter alguma vontade
De talvez ter abandonado a ideia de sanidade infundada
Para me afundar numa insanidade bem fundamentada
Aquela que me diz que é melhor não querer nada
E aceitar a decadência vir aos poucos me tirar tudo

quinta-feira, fevereiro 17, 2011

Considerações Extemporâneas

CONSIDERAÇÕES EXTEMPORÂNEAS

(Se tem mais o que fazer, vai fazer

porque o texto vai ser muito longo...)


I - Preliminares

Mil e vinte textos. É muita coisa. Considerando que neste espaço há mais de dois milhões e meio de textos, mesmo assim, para um autor só é muita coisa. Voltei à escrita desde janeiro de 2005, o que dá seis anos e 170 textos por anos, mais ou menos 14 por mês. Isso é como escrever um dia sim e outro não. Um texto a cada dois dias é de fato muita prolixidade.

Eu cantaria a cidade, sua cor cinza, seu ar taciturno, sua gente indo e vindo, suas belezas e seus contrastes. Mas a poesia me arrasta para outra prosa e me arranca outros versos mais desatentos, os mais desapegados de mim, como se eu não fizessse nada, só estivesse aqui a servir de intermediário entre a inspiração e a composição.

Eu cantaria a estrada, mudar de paisagens. Outros rostos, outras cidades, as árvores pelo caminho, o por do sol ao longo da caminhada, os céus azuis e as nuvens propondo charadas em suas formas. As montanhas azuis ao longe, o verde, uma cachoeira a cantarolar bem ao lado de onde se passa, a fumaça que sai de um fogão a lenha de uma casa qualquer. Mas a poesia me traz de volta com seu ímpeto e me dita as palavras mais dissonantes entre o que se capta pelo olhar e o que se derrama na letra fria.

Eu cantaria essa razão suficiente para quebrar o silêncio, o motivo de toda essa inquietação, essas indagações todas, esse encanto diante dos mistérios, esse pasmar diante do ainda não conhecido e explorado, essa saudação respeitosa ao infinito, essa adoração a tudo o que ainda nem existe de belo. Mas a poesia me arranca do voo e me atira na terra, me faz murmurar entre trevas e andar sobre as pedras.

Eu cantaria a vida e os mistérios dela, todas as canções dos sonhos e suas cores, os sorrisos e o êxtase diante do romper de cada aurora a me invadir a retina, as brisas da tarde e o suspirar de cada anoitecer. Mas a poesia me cala e me obriga a olhar para dentro, me abre este abismo dentro do ser, me coloca diante do espelho, dita o próximo passo e insinua a próxima palavra. E me faz falar sempre de amor. Amor, do amor, meu amor, este único que tenho. E me faz nunca esquecer.

Daí que os versos são tristes e cinza. Daí que as palavras estão sempre em torno dessas tristezas, adornando essa solidão, ensaiando o grito contido. A palavra me obriga a viver. E viver é sentir tudo o que sinto.

Certo é, como me inspirou Cortázar, que entre viver e escrever não faço nenhuma distinção. O que vai na alma deito em palavras, o que dói dentro soa fora como dor que deve ser.

E me pergunto tanto como é que podia ser diferente. Sobre o que mais a poesia teria que dizer. Há os rascunhos de dois contos, umas três crônicas e há até mesmo algumas elucubrações filosófica para ser escritas, mas dormem no papel, porque o lirismo rebelde e sem freio não quer dizer outra coisa.

Escrevo quase que por osmose. O pensamento vira palavra, a palavra vira verso e o verso vira poema. E o poema vira tudo de cabeça para baixo e torno a dizer mais uma vez o que tanto já disse de tantas formas. E o poema não espera, tem pressa em dizer e quer dizer tudo. E diz sem paciência, mesmo sem ter tempo para dizer. Não para nem para descansar ou para pensar, pensou já é.

Então a poesia se faz prolífera e prolixa. Diz tudo outra vez buscando sempre uma outra forma de dizer. Repete, corta, acrescenta, lembra, esquece, negligencia e dá importância ao tudo e ao nada, dá importância só para o dizer.

Há cem poemas que grito pelo amor que perdi, e vou gritar ainda muito mais. Há muito mais de cem poemas que só quero dizer que quero amar, essa mulher e não outra, dessa forma ou melhor, nunca menor ou pior. Só nesse amor é que qualquer poesia em mim vai se realizar. E ponto final.


II – Penetração

Mas estou aqui e é aqui que escrevo. Aqui despejo tudo o que penso e sinto todos os instantes de meus dias. É assim mesmo. Como se não houvesse mais o que fazer ou como se eu não soubesse fazer outra coisa. Como se eu não pudesse mais viver se não fizesse isso.

Aqui é um lugar aprazível, confortável mesmo. Mas ao mesmo tempo estranho e engraçado. Aqui é o lugar onde sou acusado de ser poeta.

Aqui é o lugar em que achamos que somos e podemos ser poetas. E, diga-se, nunca foi tão fácil escrever, ou melhor dizendo, postar seus escritos à vontade, como se eles fossem assim tão importantes para o resto insensível da humanidade. Dessa facilidade, garantida pela impessoalidade do mundo virtual, advém o sentimento de que podemos tudo. Somos deuses solitários de nossos universos apartados, extremamente separados pela arrogância do arvorar-se divinos. E somos humanos, demasiado humanos. E padecemos, hoje, de agorafobia. O outro é apenas o que se interpõe entre o que somos e o outro que criamos em nossas mal fundamentadas expectativas.

O meio em que nos comunicamos não dá margem para a crítica, ainda que construtiva e bem intencionada. O meio em que produzimos nossos maravilhosos textos está povoado de gente despreparada para o convívio intelectual (ou poético-literário), que está aqui para satisfazer alguma necessidade excusa ou resolver no local menos apropriado as carências que não foram resolvidas no real.

Acontece que a vida é real e a realidade é para ser vivenciada. O mundo não espera parado a gente amarrar os sapatos, o tempo corre, sempre com sua seta apontando para o que vem. A vida não espera a gente aprender e ensina a cada momento a todos sem distinção, os atentos e os distraídos.

Sim. Eu acho que todo mundo tem o direito de escrever-dizer o que quiser a liberdade garantida para isso. Sim. Eu acho que todo mundo pode se expressar segundo suas capacidades e possibilidades, segundo suas crenças e convicções, segundo suas ilusões e anseios. Creio mesmo que todo mundo precisa sair do silêncio na hora de sair e soltar seu grito.

Só não aceito transformarem aquilo que nos é tão caro em no mínimo estrume para o futuro.

“Diga-me o que lê e te direi o que és capaz de produzir. Se fisicamente somos o que comemos, intelectualmente somos o que lemos.” Tirei essa frase de um livro que estou lendo e ela soou como uma bofetada.

Em Retratos da Leitura no Brasil vi que a nossa média de leitura é de 4,9 livros por ano, sendo que há países em que essa média é de 10 livros por ano. Isso sem falar nos títulos que são lidos. Mas isso são estatísticas e considerações sobre elas que poderei explorar em outro texto, depois de terminada a minha pesquisa. Gasta-se mais tempo vendo televisão do que lendo livros, isso sem esquecer que a programação que nos empurram pode ser classificada como puro lixo. Nem é preciso citar exemplos.

Não há, de minha parte, intenção alguma de elitizar o conhecimento, o acesso a ele ou o modo como o obtemos. Tenho imenso prazer em ver que as pessoas estão lendo nos ônibus e nos trens e que a internet tenha possibilitado o ingresso de tantos à capacidade democática de expressão. E possibilitando maior facilidade na obtenção de informação ou mesmo de formação, se é que há esta. Preocupa-me apenas a qualidade do que comemos, porque a quantidade e variedade temos de monte.

Triste povo que não tem uma boa escola, que não é apenas o lugar onde adquirimos conhecimento, mas sim onde temos a oportundidade de compartilhar tanto o conhecimento obtido quanto a convivência com o outro que também exerce a mesma oportunidade.

Sou apenas um entre tantos. A poesia que tento aqui escrever está em permanente construção e reconstrução. Estou aqui simplesmente para dividir meus textos com quem se dispõe a ler. E leio tanta gente, mais do que se pode imaginar. Estou aqui somente para compartilhar, com quem possa chamar de meu igual, essa inquietação lírica sobre o que nem somos capazes ainda de definir. Estou aqui para dizer e digo.

Foi num dia qualquer de minha vida que me demorei a digerir um pedaço de verso de Álvaro de Campos em “A Hora Absurda” que me soou estranhamente encantador: “...e a hora é de assombros e toda ela escombros dela.” E nunca mais deixei de ficar encantado.


III – Orgasmo

Mesmo que eu goste de verdade de muitos deles, sei que mil e vinte textos é muita coisa para se escrever impunemente. E nem todos vão ser tão bons assim, alguns até muito ruins. E tenho até alguns que me são verdadeiramente caros que muita gente não leu. Estão lá atrás no tempo em que empilhei todas estas páginas. “Brinca a Vida”, “Errando Poesia”, “Agora Fico Só” e a tentativa de conto “Revelação” são alguns deles.

Estou sempre ensaiando descansar essa escrivaninha e descansar dela. Talvez descansar os outros de minhas palavras. E ler mais a literatura que me falta, assim como a poesia e a filosofia. Conversar com aqueles que trilharam o caminho bem antes e que trilharam muito bem. E revisar e repassar esses meus tantos textos. Aprender a ler e aprender a escrever é minha maior meta. O que é necessário e indispensável.

Não porque o que a gente vai escrever a partir disso seja algo mais bonito para mostrar para os outros, ou galgar os degraus de uma certa fama, granjear elogios e cultivar vaidades. Mas porque tenho que dizer o que vai lá de insistente dessa coisa que chamamos poesia.

Agora só falo desse amor. Um amor que vou querer para todo o sempre e sei que vou querer. E sei mais, que nunca vou deixar de querer. Porque foi minha poesia mal ajambrada e derramada sem nenhum cuidado que me chamou a atenção para essa forma de amar e me disse que isso sim é que amor. Nem que ele seja só meu, que só eu o sinta, já terá valido a pena tê-lo sentido, porque depois disso eu me construí dois dedinhos melhor, eu me tornei melhor do que posso ser, tudo isso só por causa desse amor.

Amor o que nos falta. Amor fundamentado e consentido, amor sentido como tudo o que não entendemos, mas que não é por isso que vamos deixar de querer. Porque se não sei o que é, pelo menos sei também o que não é.

Não que eu não tenha tido outros amores na vida, ou outras experiências de amor. Amores tão grandes quanto este, tão bons e até melhores. Mas é que este Amor aconteceu num momento da vida em que eu achava que nunca mais ia ter. Quando eu não acreditava mais que podia acontecer.

É isso tudo que não quero que me peçam um dia para jogar fora ou esquecer.

É disso que tenta falar a minha vã poesia. E nunca vai se cansar de dizer.

E mesmo que um dia eu não diga mais, vai ser este Amor que ainda me fará querer tanto escrever. Que ninguém leia, ou lendo não se importe. Pois isso ainda é pouco motivo para eu deixar de dizer.

Postado no Recanto das Letras:

http://recantodasletras.uol.com.br/prosapoetica/2796788