As palavras são bálsamo, alento, conforto e compreensão. As palavras curam os males que somente são por ela bem definidos. As palavras são bençãos, são materialização de exprimir o que é mesmo inexprimível. São a razão de nos percebermos conscientemente. As palavras são respostas para nossa inquietação diante do absolutamente desconhecido. As palavras são adagas, setas envenenadas. Matam, destroem, desviam, corrompem, causam transtornos e inquietações, nos carregam o sono e a vontade de viver. As palavras são perguntas de nossa inquietação diante do absolutamente desconhecido. Começam no pensamento, que é toda palavra não proferida, ainda. Mas que uma vez pensada já existe para ser lançada, contida, ou escondida. Calada para sempre. A palavra é a negação do silêncio, que é o signo sob o qual se criou todo o universo. A energia é silenciosa. Silenciosa é a escuridão. E o vazio é repleto de silêncio. As palavras são essa minha maior maldição. Tudo o que eu digo não é diferente de tudo o que não fui capaz de dizer. Tudo o que calo é matéria formadora de outros pensamentos. Acontece que o que calo vira esquecimento. E quando vira de novo pensamento, não me lembro de ter esquecido. Eu hoje queria apenas ter esquecimento. Só isso e coisa nenhuma mais. Esquecimento de que as palavras me trazem a presciência do vir a ser, esse porvir que me trará sempre um novo dia, um outro amanhecer. E terei rastejado pela madrugada, buscando todas as palavras não proferidas, as esquecidas, palavras que se perderam para sempre no tempo. Uma lição sobre palavras requer ouvir o silêncio. Que é de onde todas elas nascem, invariavelmente, inevitavelmente. Eu conheço todas as minhas palavras. Agora busco exatamente aquelas que nunca proferi e as que esqueci. Todas elas são capazes de dar uma tênue noção do que trago dentro de mim e que não pode mais ser contido. Esse grito na escuridão e no vazio de mais uma madrugada. Onde a mente é o útero de toda e qualquer palavra. E o pensamento é somente o primeiro grito que somente eu ouço e decido se passo adiante, para você ouvir também. E eu diria tudo, se pudesse. Eu derramaria tudo, se quisesse. E saberia tudo, se fosse possível. Mas você não ouviria provavelmente. Teria que aprender a lição sobre o silêncio. E depois sobre a palavra, que é o que esconde minha verdade. Porque uma lição sobre palavras requer muita audição. Ouvir sobretudo a si mesmo, que é quando mais somos capazes de mentir. Ouvir seus próprios medos e hesitações. Ouvir o que nunca seria capaz de dizer. Eis aí a maior lição sobre palavras. Saber o que se diz, sempre. E conhecer o que não é capaz de dizer. Mais do que sempre. |
quarta-feira, dezembro 14, 2005
Uma lição sobre palavras
terça-feira, dezembro 06, 2005
Uma lição sobre silêncio
Três amigos, duas pizzas, duas horas da madrugada. Um bom papo, música boa, uma amizade inestimável. Momentos que não se jogam fora. Seis poemas a quatro mãos, arrancados da criatividade repentina, não forçada, espontânea, como se fosse nada falar sobre tudo e escrever sobre os sentimentos.
Uma lição sobre o silêncio requer uma janela e uma madrugada começando. Ouvir o mar que não há. Ouvir o próprio ouvido ouvindo a completa falta de qualquer som que aniquila o pensamento, qualquer pensamento, e que é o suficiente para colocar em estado de torpor, de observação suprema e intensa, observação da própria existência quando e como está existindo nesse instante: silêncio. Ou precisa de cores. Silêncio como cores, os olhos no branco do papel roçado pela ponta do lápis ou acariciado pela suavidade do pincel. A cor tem silêncio porque fala por si própria. Ela é a desnecessidade do uso de palavras.
Por que não somos quem queremos ser? Estamos sempre em busca de si mesmo como se estivéssemos distantes de tudo o que é próximo. Nossas próprias respostas sobre perguntas que sempre nos fazemos sobre algo em nós.
Eu confesso que não sei mais me apaixonar no exato instante em que me confesso apaixonado por tudo e por todos. Apaixonado por uma idéia estranha, uma possibilidade remota, uma pessoa que não posso ter, ou uma pessoa que não sei se me quer. Não há a mínima possibilidade de entender o próximo passo, aonde nos leva e de onde nos tira. O medo finca-nos no chão e dá a ilusão de que criar raízes é o melhor a ser feito.
As paredes brancas e vazias do apartamento servem para refletir o branco e vazio de meus pensamentos. Não há como pendurar quadros escolhidos em nossos desejos, uma paisagem, um sorriso, um céu azul e um mar, um beijo, um olhar iluminado.
Estou apegado terrivelmente à lembrança recente de carinhos não declarados, mas apenas extravasados de maneira tão espontânea e plácida, serena como se fosse natural, naturalmente me enchendo a cabeça de perguntas que eu nunca mais queria fazer.
Uma lição sobre silêncio requer não fazer perguntas quando os olhares forem capazes de dizer tudo e quando for possível saber mais sobre o que não se disse do que sobre o que se disse. Incrivelmente saber mais sobre o que não se disse.
Então estou condenado a me apaixonar pela distância entreposta entre mim e tudo o que eu queira. Pela distância entre mim e seu belo sorriso, seu olhar atento, seu semblante interessado em cada palavra que falo. Ou sobre a displicência com que nos abandonamos, quase que sem perceber, ligados um no outro, pelas mãos, pelos braços ou pelos olhos. Às vezes pela palavra, pela saudade inconfessa, pela ansiedade de mais um dia chegar e fazer tudo de novo, espontaneamente. Naturalmente. Sem medo e sem perguntas, sem compromissos mas sem distâncias, com a proximidade de uma doce intimidade, escondida na discrição de uma bela e profunda amizade.
Estou só e as folhas da árvore de minha janela caíram. Devem voltar na próxima estação. Não sei mais o que deve voltar na próxima estação. As folhas seguramente voltarão. O que mais não sei. Recostado em minha poltrona vi o vento provocar um balé nas folhas das árvores em frente. Hipnotizado adormeci e sonhei com o vento. Sonhei com o que vi, estranho! Era como se o sonho quisesse saber o que vejo quando estou acordado, ou o que penso quando não estou sonhando. Há alguém que me sonha os sonhos ou serei eu mesmo. Metafísicas que não resolvem a inquietação de estar vivo indiferentemente, estando dormindo ou acordado.
E vou amontoando coisas que se referem a mim, nas estantes e nos armários, vou guardando tudo o que não sou eu mas que é parte de mim, um pedaço ínfimo que se junta a milhões de outros ínfimos pedaços e não me faz por inteiro. Vai sempre faltar alguma coisa que eu não sei onde coloquei. E que nem sei ao menos procurar. Não sei mais procurar o que falta.
Uma lição sobre silêncio requer uma tal disposição de espírito muito difícil de se explicar. É como um sair do corpo, é como estar morto vivendo o que não se vê, nem se ouve e nem se percebe. É sentir tudo num outro estado. Uma estrada ilusória a passar por nós, os passos que ficam para trás, aquilo que passou e não volta mais, o que se desfez e não se refaz, o que acontece e nunca mais deixa de existir, mas que se perde como pegadas na areia apagadas pelas ondas do mar.
Passei incólume pelo aniversário de meu desespero. Tudo graças a duas amigas na madrugada. Poemas a quatro mãos, companhia, empatia, emoção indescritível, momentos insubstituíveis. E poder me ver refletido em olhos amigos. E fazer parte de histórias que nos contém sem que nos darmos conta de que a escrevemos a cada momento, com a vida mesma, com a emoção, com a dor de estar vivo, com a incerteza de estar buscando uma felicidade na qual se acredita.
E uma lição sobre silêncio requer recolhimento. Suficiente para olhar para dentro de si mesmo, todos os seus próprios espelhos. E desconhecer tudo o que vê. Tirar então todas as máscaras, pouco a pouco e, no vislumbre do próprio rosto, ver que somos exatamente isso que sempre vimos no vir-a-ser.
E manter o silêncio como uma virtude. Como uma devoção.
Ter no silêncio a única forma de oração.
Ser em silêncio sua própria superação.
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