quarta-feira, dezembro 14, 2005

Uma lição sobre palavras

As palavras são bálsamo, alento, conforto e compreensão. As palavras curam os males que somente são por ela bem definidos. As palavras são bençãos, são materialização de exprimir o que é mesmo inexprimível. São a razão de nos percebermos conscientemente. As palavras são respostas para nossa inquietação diante do absolutamente desconhecido.
As palavras são adagas, setas envenenadas. Matam, destroem, desviam, corrompem, causam transtornos e inquietações, nos carregam o sono e a vontade de viver. As palavras são perguntas de nossa inquietação diante do absolutamente desconhecido.
Começam no pensamento, que é toda palavra não proferida, ainda. Mas que uma vez pensada já existe para ser lançada, contida, ou escondida. Calada para sempre.
A palavra é a negação do silêncio, que é o signo sob o qual se criou todo o universo. A energia é silenciosa. Silenciosa é a escuridão. E o vazio é repleto de silêncio.
As palavras são essa minha maior maldição. Tudo o que eu digo não é diferente de tudo o que não fui capaz de dizer. Tudo o que calo é matéria formadora de outros pensamentos. Acontece que o que calo vira esquecimento. E quando vira de novo pensamento, não me lembro de ter esquecido.
Eu hoje queria apenas ter esquecimento. Só isso e coisa nenhuma mais. Esquecimento de que as palavras me trazem a presciência do vir a ser, esse porvir que me trará sempre um novo dia, um outro amanhecer. E terei rastejado pela madrugada, buscando todas as palavras não proferidas, as esquecidas, palavras que se perderam para sempre no tempo.
Uma lição sobre palavras requer ouvir o silêncio. Que é de onde todas elas nascem, invariavelmente, inevitavelmente.
Eu conheço todas as minhas palavras. Agora busco exatamente aquelas que nunca proferi e as que esqueci. Todas elas são capazes de dar uma tênue noção do que trago dentro de mim e que não pode mais ser contido.
Esse grito na escuridão e no vazio de mais uma madrugada. Onde a mente é o útero de toda e qualquer palavra. E o pensamento é somente o primeiro grito que somente eu ouço e decido se passo adiante, para você ouvir também.
E eu diria tudo, se pudesse. Eu derramaria tudo, se quisesse. E saberia tudo, se fosse possível.
Mas você não ouviria provavelmente. Teria que aprender a lição sobre o silêncio.
E depois sobre a palavra, que é o que esconde minha verdade.
Porque uma lição sobre palavras requer muita audição. Ouvir sobretudo a si mesmo, que é quando mais somos capazes de mentir. Ouvir seus próprios medos e hesitações. Ouvir o que nunca seria capaz de dizer. Eis aí a maior lição sobre palavras.
Saber o que se diz, sempre. E conhecer o que não é capaz de dizer. Mais do que sempre.

Um comentário:

Anônimo disse...

Posts em complemento, duas ilusões?

Porque eu tenho a impressão que o silêncio nunca é plenamente alcançado, ainda mais na mente ou no pensamento. Pra mim, o silêncio existe pela busca, na busca e somente na busca.

Porque eu tenho a impressão que as palavras não são tudo, há, ao meu ver, uma certa superfaturação das palavras. Toque, música, cheiro não são palavras, e podemos nos entregar, ainda que por curtos períodos completamente à estas e à tantas outras sensações que não precisam e nunca chegarão a ser palavras porque são mais que isso.

Mas, mesmo assim, acho que concordo com tudo o que disse, ainda que de uma outra forma...

"Não te dizer o que eu penso, já é pensar em dizer" (Los Hermanos)