quinta-feira, novembro 27, 2008

Santos

Mercado Municipal de Santos em eu sexagésimo aniversário. E nós ali atendendo os possíveis novos mutuários, no mezanino, fazendo inscrições. Misto de trabalho e prazer, de dever e lazer, pena que a vida toda não seja sempre assim, tudo na vida não ser assim.
Nos boxes do mercado, que passou por uma reforma, algumas oficinas com crianças, arte, ballet, karatê, capoeira. De repente, tenho a impressão qaue tenho uma tremenda saudade de trabalhar com crianças. Fiquei olhando aquilo e percebi que é algo que nunca deveria ter deixado de fazer. Eu até trabalharia mesmo que não fosse em troca daqueles míseros papéis coloridos. Para dizer a verdade, eu gostaria de trabalhar com a criança de qualquer idade, dos oito aos oitenta anos, com a criança que cada um de nós não poderia de jeito nenhum deixar morrer. Prontas para conhecer o mundo, sempre, as crianças são muito atentas e curiosas, interessam-se por tudo, querem saber de tudo e fazer duzentas mil coisas ao mesmo tempo. E o que é melhor, as crianças usam e abusam do sorriso.
O cheiro do mar, ó mar salgado, quanto do teu sal... a brisa na praia, pessoas dispostas como que sempre de férias. 
O Porto, imensos navios de carga, gigantescos armazéns, milhares de containers, a gente sabe que existem essas coisas grandes, mas ainda se impressiona quando as vê. Como as crianças.
Eu descubro de súbito, como me ocorre, que não sirvo para ficar um tempo só no mesmo lugar. Num mesmo lugar sou sempre o mesmo e cada vez mais velho. Andando de lá para cá e de cá para lá, parece que tudo se renova, que sou sempre outro.
Movimento e mudança. A vida quando acha de estar parada, escolhe sempre a pior cena, o capítulo mais difícil e o final mais triste.
No meio da alegria, morreu de felicidade. Queria que dissessem isso de mim um dia.


quarta-feira, novembro 19, 2008

Quem diabos quer saber quem sou?

Que este amor não me cegue nem me siga
Hilda Hilst

Que este amor não me cegue nem me siga.
E de mim mesma nunca se aperceba.
Que me exclua de estar sendo perseguida
E do tormento
De só por ele me saber estar sendo.
Que o olhar não se perca nas tulipas
Pois formas tão perfeitas de beleza
Vêm do fulgor das trevas.
E o meu Senhor habita o rutilante escuro
De um suposto de heras em alto muro.

Que este amor só me faça descontente
E farta de fadigas. E de fragilidades tantas
Eu me faça pequena. E diminuta e tenra
Como só soem ser aranhas e formigas.

Que este amor só me veja de partida.

Às voltas com minha salada preferida: dialética com poética, sem retórica. Tudo começou esta tarde, quando fuçava minha gaveta no trabalho e encontrei o poema acima. Difícil não se ver nele, difícil não ver nele muita gente. E não é assim tão difícil perceber uma certa síntese de tudo que se quis falar sobre o tema. Mesmo as boas literaturas, às vezes, perdem para os poemas, arrisco dizer.
Eu tenho um celular que encurta a distância com as pessoas. Gosto de mensagens, abuso delas demais, uso-as muitas vezes como uma conversa e, sem perceber, não consigo parar. Eu tento não perturbar ninguém com mensagens (não juro!), mas não consigo resistir.
Morte e saudade... seria isso o que mais assusta? Então comecemos pelo mais difícil, a saudade, já que a morte é o limite, é o que nos define. Os deuses são imortais porque não existem. E nós morreremos porque existimos.
Muita coisa no trabalho esta semana, este mês, este final de ano. Viagens, aquela coisa de sair daqui e ir ali, bem longe, e voltar aqui. E eu padeço de saudades antecipadas que ninguém entende. Já lidei bem com isso antes, quando viajava até mais do que hoje. Colocava tudo numa gaveta etiquetada com o nome comprido de “sentimentos pendentes para se experimentar depois de... depois!". E tocava o barco, mais o da empresa do que o meu, não desfazia a mala e nem abria janelas nos quartos de hotéis. Levava algumas manias a passeio.
Uma vez por dia precisava ouvir uma voz familiar ao telefone...”chegou bem? Aqui está tudo bem! As crianças vão bem! Então tá, deixa eu ir agora! Comprei um carro com os dólares...!
Agora não lido bem com isso de partir. Uma parte minha quer ir (sempre) e outra quer ficar. Juntando as duas não dá certo, porque as duas juntas nunca querem nada.
Reza a lenda que não se morre de saudade. Não se morre disso. Não. Disso não se morre...
Saudade daqueles emails: isto é passado. Saudade de ser escritor: isto é futuro. Saudade de ser outra coisa: isto é presente. Ser outra coisa...
Viagens. Férias adiadas para o ano que vem. Muito trabalho, um pouco de dinheiro, decidi comprar um lap-top. Ser outra coisa...

Quem sou eu?

Aquele que passava por ali (podia ser qualquer outro, mas era eu): entra pra turma, precisamos de um enfeite naquele canto da mesa, um figurante para nossas aventuras, segura o copo como quem está brindando, sorria, diga umas coisas engraçadas. Agora dá licença que vamos fazer uma foto!

Aquele que foi dormir pai, marido, chefe de família, cunhado, genro, tio... e acordou entre assustado e perdido um apartamento, dia três de março de dois mil e cinco, um projeto de filósofo, um poeta a fortiori, mais por necessidade do que por talento, eu e vinte caixa de livros, minha velha poltrona preta, meus discos e meu aparelho de som, os móveis tirados de uma garagem, “ele deve estar bem, só pode estar bem, claro que está bem, ele não reclama, é forte, sensato, teimoso, tranqüilo...

Um menino aprisionado no corpo deste senhor entrado em anos, que perdeu seus brinquedos pelo caminho, uma das jóias mais preciosas do orfanato.

Um sujeito incrivelmente espetacular com dois ouvidos a ouvir “conversar” gente que tem duas ou três bocas...

O cara do piano... não o que toca. O que afina? Não! O cara que carrega o piano.

... mais uma foto, vem um pouquinho mais para trás... da câmera.

Esse monte de rascunho, eu diria estudos, como os artistas, ou esboços, mas isto seria muito.

Um cara culto, de muita leitura, que domina vários assuntos, um verdadeiro intelectual, muito inteligente, tão inteligente que já não é mais capaz de ser imbecil o suficiente para ganhar dinheiro.

Quem sou eu? Pode parecer uma pergunta destinada a auferir elogios. Mas não. Necessidade de saber o seu lugar na fila das migalhas (Exagero! Exagero?), ou saber como posso ser visto por quem me olha de fora, ou de longe, já que de perto ninguém é normal, saber como podem me analisar de modo a balancear adjetivos e substantivos.

Quem sou eu? Quem diabos quer saber?