Súplica
Já
que trouxeste este silêncio com sua escuridão, dize-me onde deixaste a angústia
dele. Preciso de um pouco dessa dor para me sentir vivo, a dor desse amor que
me mantém cativo. Que só eu é que vivo enfeitando de lembranças a saudade de
todos os momentos. E sou eu que afugento toda hora o bicho dos esquecimentos,
aquele que me come os mais belos pensamentos e faz mofar a imaginação como
coisa velha e estragada. Só eu é que fico fazendo a arrumação e limpeza desse
vazio que ficou para quando voltares encontrar tudo no devido lugar. Tudo do
jeito que deixaste com tudo que deixaste, os anéis e os colares, as roupas e os
sapatos, os discos e os livros, as toalhas e os sabonetes, a cama pronta e a
mesa posta e no ar aquele incenso de que tanto gostas e a música perfeita para
embalar aquele outro silêncio que gostamos tanto de fazer.
Mas
não te lembras...
Já
que escolheste a distância para ser tudo o que pode haver entre nós, eu te
ofereço o infinito e a eternidade para que possas fugir despercebida ou
desesperada disso tudo e mais nada. Só não prometo não estar em toda parte o
tempo todo, porque espalhei na imensidão todas as vontades de minhas vontades e
minha única necessidade é sentir que vives mesmo que distante ou perdida no
tempo, mesmo que como parte deste meu mais resistente pensamento, ainda que
como uma tola ilusão minha, ficção de amor verdadeiro ou utopia de um
sentimento derradeiro. E eu ainda escrevo em todos os meus cadernos o teu nome,
como se isso me matasse a sede e a fome, como se isso fosse aquela coisa que
não sabemos se tem nome, amor, como se o amor fosse tão mais importante do que
pode ser importante viver, como se o amor fosse renascer sempre dessas cinzas
dos restos de vida incendiada, à qual entregamos nossas almas entediadas que
quando se lembram desse amor não querem mais nada.
Mas
não te lembras...
Já
que vieste no último dia em que respiro, que meu olhar derradeiro se espalha
por tudo o que ainda não viu, no dia em que já ouço todas as melodias de um
tempo que ainda nem vivi, já que vieste no dia em que minha vida se vai, eu só
te peço que me deixes com tudo do pouco que fomos, para que eu não parta vazio
de ter sido ou de ter vivido. Que me deixes ao menos com a ilusão de que te perco
para a morte e não para a vida.
Mas
não sabias que era o último dia em que respiro, que era meu olhar derradeiro e
que eu esvoaçava nas melodias de um sem tempo, que minha vida se ia e nem
ouviste que eu te pedia para me deixares com um pouco deste tudo que fomos, que
eu partia vazio de ter sido e pleno do que não quis sem ter percebido que
vivido esses meus dias em ilusão de vida e amor que a única verdade que havia
era a morte e sua espera à minha espreita, taciturna, solene e triste. E nem
sabias de todos os cadernos que levam teu nome escrito e uma história de amor
que só ocorreu em meus sonhos e nunca, mas nunca mesmo, vai se tornar
realidade. Não sabias das cinzas dos restos de vida incendiada e nem de nossas
almas entediadas que não queriam mais nada a não ser lembrar-se desse amor.
Desse amor de que devias te lembrar.
Mas
não te lembras...