segunda-feira, outubro 31, 2005

For you Lady


Eu só queria que não existisse hora de ir embora. Nós temos alguma coisa chamada eternidade, demais para a nossa vã compreensão da realidade, então por isso a dividimos em pedaços bem menores, começando por medir o tempo que o nosso planeta leva para dar uma volta em torno do próprio eixo, a duração das estações do ano, esse intervalo entre uma noite e um dia chamamos dia e 364 e uns quebradinhos chamamos ano, um número em dias que nosso planeta leva para dar uma volta completa em torno do sol, essa reles estrela de quinta grandeza, centro do nosso sistema. Mas medimos o tempo, tornando efêmera a eternidade que não cabe em nosso pensamento.
Um show que não rolou, um encontro inusitado bem a cara dos protagonistas do mesmo, pizza, vodka, cerveja, pinga, papo sendo posto em dia, talvez não tão atrasado assim, mas agora antecipando coisas futuras, moradia, graduação, ano que vem, próximas férias. E tudo o que senti intensamente foi a saudade da próxima vez. Há uma mulher no mundo, melhor amiga que tenho, que me faz sentir saudade da próxima vez. Há uma mulher que amei (que talvez também tenha me amado) que não consegui que fosse minha amiga, não sendo também seu amigo, os melhores, de preferência. Há uma mulher que já é para todo sempre minha melhor amiga e me pergunto agora o que haverá na outra ponta. Se eu estivesse melhor, juro que pensaria nisso. Mas vou tocar a vida no compasso do desespero, que é o que tenho. Alienando a crueza da realidade, essência com a qual nunca lidei direito, confesso. Não pensando no vir a ser, esse devir ameaçador que sempre me pega de surpresa.
É dessa mulher melhor amiga que falo neste post, como se nunca quisesse esgotar o que dela tenho a dizer. Sempre haverá algo mais por descobrir ou entender. Não me causa nunca estranheza o bem que me faz a presença dela, quando sinto poder esquecer da vida falando da vida mesma, essa cheia de coisas risíveis e dramáticas, esse caminho repleto de atalhos. Por falta de metáforas apropriadas, tomo a liberdade de dizer que amo você mesmo não sabendo o que há na outra ponta. Acho que temos tempo, mesmo com a hora de ir embora que chega mais rápido do que se deseja. O tempo absoluto às vezes se torna relativo. E não temos tempo, do mesmo modo pelo mesmo motivo. O Amanhã é incógnito.
Falar de coisas e de pessoas, não entender um nem outro. Falar do que se viveu e viveria de novo, aprender sempre as mesmas lições de um jeito diferente.
Tântalo. Quero dizer as verdades sem ter que explicá-las. Os deuses não ligam para os mortais, por vezes zombam deles. Os deuses não entendem os descaminhos, a solidão, a vontade de ficar no chão, de chorar ou gritar, a dor do fogo que arde sem se ver. Os deuses não entendem nada de tudo aquilo que criaram e manipulam a seu bel prazer. Venha para perto de seu sonho, um quarto de século de vida é quase nada, nunca abandone o sorriso e essa inocência plasmadora de coisas belas, mesmo naqueles momentos em que inocência nenhuma faz sentido. Para que servem os amores platônicos a não ser para serem platônicos? Eu demorei bastante tempo para entender o que você dizia, mas sempre acreditei em tudo o que ouvia.
Só que acho que os personagens da sua vida são figurantes de seu drama, esse sim digno de nota, de se pensar nele ou assistir. Drama não com o sentido pejorativo. Drama com sentido de dar à sua realidade o devido peso, cor e sabor.
Eu sabia o que ia dizer quando comecei a escrever isso, mas depois me perdi. Eu gosto de me perder para sentir o gosto da sensação de me encontrar.
Falamos da amizade que se pretende eterna ou das eternidades que se querem amigas.
E a solidão e tristeza que nos deixaram por uns momentos, talvez estivessem num certo parque trepando em árvores em jogos pueris ou mesmo entregues a meras lembranças da infância. Ou talvez entenderam que precisávamos estar sós, tendo apenas o tempo como substrato.
E agora que eu cheguei até aqui nisso que escrevo, percebi que queria dizer coisas tantas que vão ficar muito aquém de definir tudo, mesmo porque tudo isso não é para se definir e muito bem fazemos já de senti-las do jeito que são.
Por vezes me irrito profundamente com seus personagens que não empunham nenhuma espada ou que têm uma luta sem sentido em estranhas batalhas.
Não seu mais o que dizer, minha Lady. Agradecer ou declarar-me profundamente emocionado, por que você conhece o nome de meus medos e de minhas dores, e é íntima de minha tristeza e solidão. Porque você é a única que entende o que foi dito no que não se escreveu.. amiga de meu silêncio. Companheira de batalhas cruentas. Eu parei meu trabalho para escrever isso. Devia ter parado a vida para ouvir o que disse aqui.
Prestar atenção no silêncio, cúmplice das coisas que não precisam ser ditas.
Uma lua numa praia deserta, calma e quieta, os pensamentos como marca dos pés na areia.
Diante do mar imenso imerso na imensidão do céu.
Uma gaivota vai voar no infinito.
Plenamente livre.

sexta-feira, outubro 28, 2005

Realidade


Acho que agora tudo o que eu precisava é escrever um e-mail para uma certa melhor amiga, conseguindo dizer tanta coisa em meio ao que não se disse, e tendo em sua leitura e em sua resposta, todas aquelas coisas sobre as quais nem se pensou. Ou talvez esvaziar uma certa garrafa de vodka, esvaziando as ampulhetas do tempo que temos em mais uma madrugada, cada vez mais necessária do que sempre foi, cada vez mais urgente.
Há madrugadas em que não se pode estar sozinho. E numa caminhada de uns quarenta minutos, ontem à noite, senti passar toda uma vida em revista, refazendo alguns caminhos do passado. E a gente sempre olha para o que não fez, o que não se conseguiu. E eu olho tanto tempo decorrido e não tenho a mínima noção do que consegui, do que fiz que tenha sido bom e gratificante. O passado passou em branco ou eu rasguei a lembrança dos momentos. E estou preso nele e sua chave perdeu-se.
E eu queria que você que agora me lê me mandasse calar a boca e parasse com esse teatro de autopiedade e fosse viver a vida, tocá-la do jeito como ela é, exatamente do jeito como é, não de outro modo. Pois que reclamar é meu jeito preferido de não precisar fazer nada. Reclamar é como me escondo melhor do fato de que eu simplesmente tenho medo de a vida ser uma coisa complicada, isso tudo no meio de toda a complicação que de fato a vida traz.
Aqui morre a poesia. Ou pelo menos aqui ela não faz nenhum sentido. Aqui morre a esperança, a vontade de tocar em frente. Aqui morre uma pessoa que nem nasceu.
Tenho um indefinível sentimento de estranheza diante da vida. Estar vivo, viver cada um desses muitos dias, o amanhã por vir, tudo isso me causa um indisfarçável sentimento de estranheza.
Não é que eu deseje a morte, mas a impressão de que ela virá e irá sobrar uma garrafa de champanhe que não se abriu, ou de vinho, uma palavra que não se disse, um gesto não manifestado, algo por fazer que não fiz por ficar emaranhado nas teias de meu próprio medo. A morte virá e não verei o Mediterrâneo nem o delta do Okavango. Não verei as pirâmides de Gizé. Não verei o que possa chamar felicidade, algo em que nunca de verdade cri muito mesmo. A morte virá e sobrará os livros desarrumados na estante, e não lidos, os romances não escritos, as poesias que não se derramaram. A terra toda em que não pus os olhos permanecerá como testemunha da mais absoluta mediocridade.
E parece que estou mesmo assim, padecendo dessa presciência, dessa certeza antecipada da impossibilidade do amanhã. É como se meus dias tivessem se dissipado no tempo e eu a vagar sem memória em terras estranhas custe a dar conta de que sou nada mais do que um fantasma.
Eu não consigo ser real, ter a perplexidade da descoberta da realidade prática. Para mim tudo o que não é sonho ou invenção ou é pouco ou não é interessante. A realidade não faz parte de mim na mesma medida em que eu nela não existo. Eu existo num mundo imaginário que fui criando aos poucos, e ele só tem forma no meu pensamento. Ninguém sabe desse mundo, ninguém nele entrou. E às vezes eu o chamo floresta, esse lugar imenso e tenebroso de onde ninguém nunca saiu. Assim, tudo o que sobra é confusão. É esse não saber quem somos na solidão. Porque sozinhos não conseguimos nos ver. Nos vemos nos outros sempre. Somos o que os outros querem ver que somos. Infalivelmente.

quarta-feira, outubro 19, 2005

Empty and burning



Então eu vou fazer de conta que foi um sonho. Um sonho muito bom. E não vou cobrar nada de você. Absolutamente nada. Foi um sonho bom em meio à realidade adversa, um sonho bom dentre tantos pesadelos.
Porque você me deu muito. E qualquer coisa que tenha vindo de você já foi muito mais do que eu merecesse. Mas você foi generosa e me deu muito, mesmo que eu não merecesse.
Acho complicado mesmo. Eu me acho complicado. Agora tudo está tão mais confuso do que devia, e eu em silêncio espero o mundo acabar, espero o pesadelo acabar, o ano acabar, a dor acabar, tudo acabar como sempre acaba. E eu como sempre só espero.
Eu não faço nada para o meu próprio bem. Eu só espero e isso não me faz bem.
Eu espero a morte numa madrugada dessas qualquer, o descanso, enfim, na certeza de que não verei a última aurora. A grata satisfação de tombar no campo de batalha, que me dá a segurança de que nunca mais verei o medo no rosto do inimigo, e em seu rosto, meu próprio medo. Que, no último momento, irá por fim dissipar-se para sempre.
Agora vou voltar para aquela antiga companheira, a solidão. Quem sabe ela não esteja assim tão magoada e venha morar comigo, ajude a arrumar a bagunça no apartamento, a lavar e a passar. Quem sabe dê uns bons palpites sobre a minha vida, ou não, ache por bem me desancar de vez e dizer tudo o que nunca ninguém foi capaz de dizer. A mais absoluta verdade.
Estou cansado. Desanimado. Quem sorri do meu lado corre o risco de vida mais provável, se não arrumar uma razão bastante plausível para justificar por que está sorrindo. Aliás, nem sei mesmo o que é sorriso, algo preso no passado.
Eu que parti esse ano do zero para refazer minha vida, tinha o direito de voltar pelo menos ao mesmo zero, não abaixo dele. Estou desprovido de forças e ânimo. Acontece que estou deprimido. Nenhuma idéia do mundo é suficiente: amor, felicidade, prazer, alegria, amizade, família, satisfação, paz, tranqüilidade, segurança. Só as palavras da minha própria metafísica existência são o que agora importa. O nada querer, o nada fazer, o não pensar. Tenho saudade de um tempo em que era e podia ser alienado, saudade da infância, da juventude, saudade dessa maldição inteira chamada passado. Que é o que justamente não me deixa olhar para a frente, para as coisas novas de um porvir no qual não acredito. No qual afinal de contas não posso acreditar.
Eu não falo, simplesmente não falo o que tem que ser falado. Eu calo somente, e espero que as palavras resolvam por si mesmas os seus enredos e construam toda a história, a seu bel prazer. Eu espero que as palavras sozinhas consertem o mundo. Espero que as palavras me enganem como sempre.
Bebo demais, como de menos, sonho demais, vivo de menos, calo demais, e não vou reclamar do que me dão de graça, a dor dessa desgraça, de ter acordado hoje mais uma vez, vivo e inquietantemente ignorando meu próprio caminho, o próximo passo. E eu não sei tudo. Isso quer dizer exatamente isso, de tudo o que há para saber, eu nada sei, eu não sei.
Se eu morresse agora, quanto pouco tempo levariam para me esquecer? Talvez um amanhecer. Talvez menos.
E me cansa demasiado meu silêncio ser invadido e violado por meus próprios pensamentos. Não há vozes no meu cotidiano, nem conversas, nem histórias ou lembranças, há silêncio apenas, embalado pelo murmúrio seco e insistente dos meus próprios pensamentos.
Tudo o que eu tinha na vida acabou. Tudo o que era vida acabou. Tudo acabou. Tudo sempre acaba. Tudo só acaba. Tudo acaba. Essa perenidade de todas as coisas me angustia desesperadamente. Parece que só eu fico recolhendo os cacos da história, revisitando velhas fotos, acalentando as mesmas gastas lembranças. Eu ando pelas ruas do bairro onde morei, entro mentalmente nas casas em que vivi e, de repente, revivo tudo ilusoriamente, como se não tivesse passado, como se não tivesse acabado. Eu refaço os caminhos, mas eles não me refazem. Eu reconstruo os momentos que me destroem.
Somente eu levanto de madrugada e busco a reconstituição fiel e perfeita de certos momentos, como se fosse possível sentir tudo de novo. O sentir não se repete. A saudade que nasce não traz a satisfação daqueles momentos do modo como foram, mas somente a dor de eles não serem mais o que foram, e a angústia terrível de nunca mais poderem ser.
Não sei o que faz minha alma dentro desse corpo velho. Velho e cansado. Não sei mais do sorriso. Não sei mais da vontade de viver. Não sei mais de mim. Eu me esqueci no meio do meu próprio caminho. Esqueci os sonhos. Eu esqueci de me ver, de me querer, eu esqueci de viver. E eu não sei mais nada disso: os sonhos, eu mesmo, o querer e o viver. Eu não sei.
Eu calo a palavra mais imprescindível.
E calo no silêncio mais insuportável.
Eu olho então o vazio e a única coisa que ele contém sou eu próprio, intangível e imaterial, invisível, não nascido, intocado e inculto, plenamente desperdiçado.
E eu não vou reagir, por mais que essa dor seja insuportavelmente eterna, eu não vou reagir. Eu vou ficar esperando o silêncio e o vazio imperarem. Porque neles eu sei quem sou. Eu sei o que sou. Sou parte deles. Eu sou o silêncio e o vazio.
Eu vou me deixar imolar na hora derradeira e não vou reagir.
Porque eu também tenho que acabar no meio de tudo o que acaba.
Mas há ainda em mim vida, muita vida.
Mas há vida como numa floresta em chamas.
Quase certa de que não escapa ilesa.
Uma vida em fuga.

quarta-feira, outubro 12, 2005

Put a candle in the window


Lan house, gripe, nenhum puto no bolso, Creedence no fone de ouvido, uma solidão renitente a rondar-me os passos e a imensa escuridão lá fora. Eu ia falar da vida, com a certeza de que amanhã acordarei e mais uma vez estarei vivo. É sempre assim. Acordo e estou vivo. Não sou vivo, estou vivo. Deve ser assim também com a felicidade. Posso dizer que muitas vezes estou feliz, mas posso por acaso dizer sou feliz?
Long as I can see the light!
Algo que não esquentou esfria e algo que nunca foi outra coisa senão o próprio frio nunca esquenta. Não tenho uma máscara nova para a tristeza que se avizinha, e bem que ela merecia uma roupa bem nova, roupa de gala, já que é visita constante.
E sobre a solidão já nem falo de tanto que ela fala comigo. Uma árvore na janela, paredes brancas de um apartamento de um quarto, uma prancheta com quarenta desenhos nascendo no ritmo imperceptível das flores e lembro do título de um poema meu: mais nada.
Tudo a ver com o momento. Olho em volta e mais nada. Olho para o passado e mais nada. Olho para o futuro e mais nada. Silêncios em tristes madrugadas, lembranças insuportáveis de todas as fotos que não trouxe, só para não esquecer o rosto de quem ficou. E as lembranças são insuportáveis porque quando me entrego a elas sou como um fantasma a rondar uma casa em ruínas, rememorando os tempos de glória. Então rondo a ruína dos momentos passados e sou nada além de um fantasma que não se libertou da ilusão de estar vivo.
Há agora um medo que não sei qual é e isso não é bom. Garganta seca de antes da batalha, cheiro de sangue, um tremor na espinha a manter-me alerta. E um torpor que adivinha a dor e a quer anular. Inutilmente, pois a dor já é a essência e é o que nos mantém de pé e com a espada empunhada, a espera da morte, a angústia de quem vive. Mas temo então o medo que não conheço, sobre o qual não posso pensar e nem falar.
Quixotesca saga de estar a procura do inverossímil de todos os sonhos perdidos na própria inverossimilhança da realidade. A certeza, a mesma certeza de que acordarei amanhã cedo e estarei vivo, mais nada.
E em volta o ecoar zombeteiro de todas as palavras que não disse, por pura e simples falta de crédito. Ou de tempo. E o que diria? Te amo! Tenho medo! Vou embora! Quero tudo de novo! O que diria? Quero ser feliz mesmo que a felicidade não exista. Significa que quero me enganar com algo que seja bom. E quero o amor, mesmo que ele não exista também. Significa jogar fora tudo o que tenho em troca do que não posso ter.
Talvez uma tola esperança de ter de volta as madrugadas, onde meus passos me trarão de volta de onde nunca me levaram. E meus pensamentos vagarão eternamente buscando perguntas novas para as mesmas velhas respostas. O inverso do que sou é o lado certo do lado que não é o errado quando estou no lado certo do que não sou. Parmênides morto por Platão: o não-ser nega um predicado ao sujeito: eu não sou feliz.
Quixotesca farsa que forjo a todo instante para esquecer que acordei e estou vivo. Para não me lembrar de que a felicidade não passa de um daqueles sonhos impossíveis de se realizar, porque a felicidade não pertence a esse plano da realidade, ela é como o tempo, não é substância nem substrato, muito menos essência ou estado. A felicidade é uma impressão. Enganadora impressão dos sentidos.
Tive a impressão de que fui feliz. Em algum momento dos muitos que já vivi, tive a impressão de que vivi e fui feliz. Tive a ilusão da vida, da felicidade, tudo temperado no caldeirão enferrujado do amor.
Mas chega de metáforas. Ou não! Talvez procuremos a maior das metáforas, a idéia de deus governando o universo. Não a encontraremos, mas nessa busca sempre descobriremos novos caminhos para novas buscas. Não precisamos de deus, precisamos de metáforas. Precisamos de ilusões renovadoras.
Amanhã vou acordar e estarei vivo. Vou carregar por aí essa ilusão, que é a parte que me cabe dessas migalhas que me são jogadas pela eternidade.
As palavras estão sempre por perto e minha relação com elas é de cumplicidade. Elas fingem revelar o que procuro com esmero esconder. E esse pacto não é violado. Nunca.
As palavras me dão o que eu quero.
Só isso e mais nada.