quarta-feira, outubro 12, 2005

Put a candle in the window


Lan house, gripe, nenhum puto no bolso, Creedence no fone de ouvido, uma solidão renitente a rondar-me os passos e a imensa escuridão lá fora. Eu ia falar da vida, com a certeza de que amanhã acordarei e mais uma vez estarei vivo. É sempre assim. Acordo e estou vivo. Não sou vivo, estou vivo. Deve ser assim também com a felicidade. Posso dizer que muitas vezes estou feliz, mas posso por acaso dizer sou feliz?
Long as I can see the light!
Algo que não esquentou esfria e algo que nunca foi outra coisa senão o próprio frio nunca esquenta. Não tenho uma máscara nova para a tristeza que se avizinha, e bem que ela merecia uma roupa bem nova, roupa de gala, já que é visita constante.
E sobre a solidão já nem falo de tanto que ela fala comigo. Uma árvore na janela, paredes brancas de um apartamento de um quarto, uma prancheta com quarenta desenhos nascendo no ritmo imperceptível das flores e lembro do título de um poema meu: mais nada.
Tudo a ver com o momento. Olho em volta e mais nada. Olho para o passado e mais nada. Olho para o futuro e mais nada. Silêncios em tristes madrugadas, lembranças insuportáveis de todas as fotos que não trouxe, só para não esquecer o rosto de quem ficou. E as lembranças são insuportáveis porque quando me entrego a elas sou como um fantasma a rondar uma casa em ruínas, rememorando os tempos de glória. Então rondo a ruína dos momentos passados e sou nada além de um fantasma que não se libertou da ilusão de estar vivo.
Há agora um medo que não sei qual é e isso não é bom. Garganta seca de antes da batalha, cheiro de sangue, um tremor na espinha a manter-me alerta. E um torpor que adivinha a dor e a quer anular. Inutilmente, pois a dor já é a essência e é o que nos mantém de pé e com a espada empunhada, a espera da morte, a angústia de quem vive. Mas temo então o medo que não conheço, sobre o qual não posso pensar e nem falar.
Quixotesca saga de estar a procura do inverossímil de todos os sonhos perdidos na própria inverossimilhança da realidade. A certeza, a mesma certeza de que acordarei amanhã cedo e estarei vivo, mais nada.
E em volta o ecoar zombeteiro de todas as palavras que não disse, por pura e simples falta de crédito. Ou de tempo. E o que diria? Te amo! Tenho medo! Vou embora! Quero tudo de novo! O que diria? Quero ser feliz mesmo que a felicidade não exista. Significa que quero me enganar com algo que seja bom. E quero o amor, mesmo que ele não exista também. Significa jogar fora tudo o que tenho em troca do que não posso ter.
Talvez uma tola esperança de ter de volta as madrugadas, onde meus passos me trarão de volta de onde nunca me levaram. E meus pensamentos vagarão eternamente buscando perguntas novas para as mesmas velhas respostas. O inverso do que sou é o lado certo do lado que não é o errado quando estou no lado certo do que não sou. Parmênides morto por Platão: o não-ser nega um predicado ao sujeito: eu não sou feliz.
Quixotesca farsa que forjo a todo instante para esquecer que acordei e estou vivo. Para não me lembrar de que a felicidade não passa de um daqueles sonhos impossíveis de se realizar, porque a felicidade não pertence a esse plano da realidade, ela é como o tempo, não é substância nem substrato, muito menos essência ou estado. A felicidade é uma impressão. Enganadora impressão dos sentidos.
Tive a impressão de que fui feliz. Em algum momento dos muitos que já vivi, tive a impressão de que vivi e fui feliz. Tive a ilusão da vida, da felicidade, tudo temperado no caldeirão enferrujado do amor.
Mas chega de metáforas. Ou não! Talvez procuremos a maior das metáforas, a idéia de deus governando o universo. Não a encontraremos, mas nessa busca sempre descobriremos novos caminhos para novas buscas. Não precisamos de deus, precisamos de metáforas. Precisamos de ilusões renovadoras.
Amanhã vou acordar e estarei vivo. Vou carregar por aí essa ilusão, que é a parte que me cabe dessas migalhas que me são jogadas pela eternidade.
As palavras estão sempre por perto e minha relação com elas é de cumplicidade. Elas fingem revelar o que procuro com esmero esconder. E esse pacto não é violado. Nunca.
As palavras me dão o que eu quero.
Só isso e mais nada.

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