A tristeza é uma casa vazia, um silêncio profundo de uma noite mal dormida, ou passada entre tantos sonhos desencontrados e pensamentos confusos ao despertar. É ter que olhar para si mesmo e dar nome aos seus demônios, ou rezar para um anjo que não aparece e nem vela o teu sono. É encarar as mentiras das verdades da vida, da existência de um deus pai no qual todas as virtudes cumulam-se de modo absoluto, da vida como uma coisa simples e boa, da felicidade como meta tangível para qualquer reles ser humano que andeja sobre a terra e do amor que cura todos os males, aproxima as pessoas e nos torna aptos para a compreensão dos itens anteriores, deus, a vida e a felicidade.
A tristeza é um corpo inerte, uma mente ociosa e uma vontade obsoleta. Corpo inerte que vive como que morto, mente ociosa porque fixada numa única razão para tudo e vontade obsoleta porque não renova o querer, quer sempre a mesma coisa, como se mais nada existisse no mundo.
A tristeza é uma doença da alma, incurável por um tempo indeterminado, contagiosa e de difícil tratamento. Tem como sintomas falta de ânimo, desesperança, dificuldades severas de sorrir, sair de casa, ver gente.
A tristeza não é poética, ainda que nos arranque sempre um certo lirismo. Ainda que nasça quase sempre de um sentimento tão belo, o amor, a tristeza é a escuridão, o fenecimento, a morbidez, o consumo rápido e desnecessário de energias vitais. É filha do desespero, mãe da angústia e irmã da melancolia.
Deve ter sua razão de ser numa idéia de castigo. É punição divina, seja pelo roubo do fogo, perpetrado por Prometeu ou a queda do paraíso, quando Adão e Eva provaram do fruto proibido. Trazemos então essa propensão à tristeza, sentimento por tudo o que nos falta.
A tristeza denota a falta de algo. Falta de algo que queremos ser ou ter. Falta de algo que não conseguimos compreender. E vai ser sempre falta de algo que nos dê prazer. Em todos os sentidos. Se a felicidade de fato não existir, é plausível pelo menos ela ser confundida com o prazer.
Não sei que relação deve haver entre a tristeza e a solidão, porque não é necessária. Pessoas há solitárias, mas que não são tristes, do mesmo modo que pessoas há tristes, mas não solitárias. A tristeza é essa marca pessoal de um sentimento individual, cada um tem a sua, embora possa ser por um mesmo motivo.
Todo esse tratado acerca da tristeza é simplesmente para me declarar triste. É esse o sentimento por que ora sou assolado. Não é mais simplesmente coisa passageira, mas coisa que se instalou aos poucos e, quando dei por mim, estava ali sólida e incrustada no peito. Quando dei por mim, eu já era irremediavelmente triste. Por aquelas questões todas já nomeadas aqui. E por muito mais, triste por muito mais tempo do que eu possa imaginar, talvez triste desde sempre.
Haveria de me perguntar se é por causa das coisas que não fiz. Ou das coisas que fiz de um modo que nunca quis. Mas não é essa explicação mais acertada. Minha tristeza é por causa do não querer. Seria um belo jogo de palavras dizer que eu nunca quis o que fiz e nunca fiz o que quis. Mas não é assim tão simples. A questão é que eu nunca quis querer nada. E quando quis, nunca soube o que era.
Acontece que não adianta querer explicar a tristeza, como se dissecando-a ela pudesse ser combatida. Esse sentimento e seus similares não funcionam assim. Eu sei apenas que estou triste.
Estou triste um pouco por causa de tudo, dos aniversários que trazem seus acontecimentos de volta, da mulher da minha vida que demora a aparecer, por causa dos filhos que não vejo todo dia e da minha cachorra que levaram de mim, sendo que esta não pode pedir para me ver, por mais que queira, não pode! Então tristeza é só isso, não poder nem ver o cachorro? Acho que é isso e mais um pouco. Quando eu tinha cachorro, tinha muito mais coisas. As coisas todas que perdi sem saber por que e que não tenho certeza se terei de volta.
Estou triste porque a solidão passou a zombar da farra que eu fazia outrora de estar com as pessoas e viver com elas. E fica a me incitar a falar com as paredes, a cantar no banheiro, a filosofar com as árvores do parque e as plantas de casa, a ouvir as histórias dos insetos, a contemplar a dança da chuva nas folhas lá fora e o vento orquestrando outras danças de galhos. E me pergunta o que vou fazer desses desenhos tantos e de todos os poemas, aquelas palavras postas no papel sabe-se lá por que e para que, uma vez que era tão bom que permanecessem pensamentos apenas. Porque toda dor que tem nome cria corpo e dá nome a outras dores que criam corpo. E não tarda demônios entrarem nesses corpos, cada qual com seu nome e sua dor, seu castigo tão peculiar.
Estou triste porque se perdeu no tempo o último beijo, a última palavra de carinho, o último momento de intimidade de olhares trocados e juras compartilhadas; estou triste porque sem paixão, sem a dor que traz amar sem se dar conta disso. Estou triste porque até mesmo as lembranças dissiparam-se tão aos poucos nesse cansaço cotidiano de estar só e nessa ilusão de não existir a tristeza. Nada há que me traga o que se foi, que refaça o que se desfez, que conserte o que quebrou, que cure tudo aquilo que dói.
Estou triste porque há o tempo ávido por nos devorar a todos. E quanto mais tempo eu tenho, menos eu sou para ter tempo. Até o dia de ser nada.
Estou triste porque encho a casa de gente e essa gente tem sempre que ir e quando vejo estou de novo com as paredes e os insetos, as árvores e as plantas, e a solidão zombeteira a me perguntar porque fiquei ali e não fui com todos, largando os desenhos e os livros, os poemas e os sonhos, o silêncio religiosamente guardado, essa força tola e inútil de não desistir de coisa nenhuma, de lembrar as datas de todos os aniversários e os fatos que elas trazem, de reviver desesperadamente o que já morreu, de querer inutilmente o que não é mais meu.
Estou triste porque ninguém me pergunta se estou feliz, ninguém me vê chorar, nem me revirar na cama com mais um sonho estranho, no qual as pessoas ainda estão vivas e eu tenho cachorro. Ninguém lembra que eu não trouxe nenhuma foto para não doer mais ainda a vida que não tinha mais, para não estranhar não ser o que nunca na realidade fui mesmo. Tudo o que eu não era ficou. E tudo o que trouxe é exatamente o que não sou. E esses dois vivem a se olhar no espelho e se estranham. Não se conhecem e não supõe um ao outro.
Estou triste porque tudo isso já fez aniversário. E nunca vai mudar nem acabar. Tudo vai ser exatamente assim, do jeito que é. Estou triste porque não há nada a fazer a respeito de nada. A não ser deixar a vida seguir seu curso, justamente por não sermos narradores oniscientes de nosso próprio drama.
Somos parte dele, do drama, e não há como saber se o drama existe por nós ou se nós é que existimos por ele.
Eu não sei quem me inventou. Nem sei o que invento ou o que já vem pronto como realidade e verdade para serem digeridas. Não sei se escreveram ou desenharam o nosso destino. Sei apenas ler ou contemplar esse destino em suas cores e formas e em seus verbos e substantivos, dois pontos, pontos de exclamação ou interrogação. Reticências e parêntesis, vírgula, ponto e vírgula e ponto final.
Eu não creio que haja uma verdade que tenhamos inventado.
Acho que há uma verdade que nos inventou.
A tristeza é um corpo inerte, uma mente ociosa e uma vontade obsoleta. Corpo inerte que vive como que morto, mente ociosa porque fixada numa única razão para tudo e vontade obsoleta porque não renova o querer, quer sempre a mesma coisa, como se mais nada existisse no mundo.
A tristeza é uma doença da alma, incurável por um tempo indeterminado, contagiosa e de difícil tratamento. Tem como sintomas falta de ânimo, desesperança, dificuldades severas de sorrir, sair de casa, ver gente.
A tristeza não é poética, ainda que nos arranque sempre um certo lirismo. Ainda que nasça quase sempre de um sentimento tão belo, o amor, a tristeza é a escuridão, o fenecimento, a morbidez, o consumo rápido e desnecessário de energias vitais. É filha do desespero, mãe da angústia e irmã da melancolia.
Deve ter sua razão de ser numa idéia de castigo. É punição divina, seja pelo roubo do fogo, perpetrado por Prometeu ou a queda do paraíso, quando Adão e Eva provaram do fruto proibido. Trazemos então essa propensão à tristeza, sentimento por tudo o que nos falta.
A tristeza denota a falta de algo. Falta de algo que queremos ser ou ter. Falta de algo que não conseguimos compreender. E vai ser sempre falta de algo que nos dê prazer. Em todos os sentidos. Se a felicidade de fato não existir, é plausível pelo menos ela ser confundida com o prazer.
Não sei que relação deve haver entre a tristeza e a solidão, porque não é necessária. Pessoas há solitárias, mas que não são tristes, do mesmo modo que pessoas há tristes, mas não solitárias. A tristeza é essa marca pessoal de um sentimento individual, cada um tem a sua, embora possa ser por um mesmo motivo.
Todo esse tratado acerca da tristeza é simplesmente para me declarar triste. É esse o sentimento por que ora sou assolado. Não é mais simplesmente coisa passageira, mas coisa que se instalou aos poucos e, quando dei por mim, estava ali sólida e incrustada no peito. Quando dei por mim, eu já era irremediavelmente triste. Por aquelas questões todas já nomeadas aqui. E por muito mais, triste por muito mais tempo do que eu possa imaginar, talvez triste desde sempre.
Haveria de me perguntar se é por causa das coisas que não fiz. Ou das coisas que fiz de um modo que nunca quis. Mas não é essa explicação mais acertada. Minha tristeza é por causa do não querer. Seria um belo jogo de palavras dizer que eu nunca quis o que fiz e nunca fiz o que quis. Mas não é assim tão simples. A questão é que eu nunca quis querer nada. E quando quis, nunca soube o que era.
Acontece que não adianta querer explicar a tristeza, como se dissecando-a ela pudesse ser combatida. Esse sentimento e seus similares não funcionam assim. Eu sei apenas que estou triste.
Estou triste um pouco por causa de tudo, dos aniversários que trazem seus acontecimentos de volta, da mulher da minha vida que demora a aparecer, por causa dos filhos que não vejo todo dia e da minha cachorra que levaram de mim, sendo que esta não pode pedir para me ver, por mais que queira, não pode! Então tristeza é só isso, não poder nem ver o cachorro? Acho que é isso e mais um pouco. Quando eu tinha cachorro, tinha muito mais coisas. As coisas todas que perdi sem saber por que e que não tenho certeza se terei de volta.
Estou triste porque a solidão passou a zombar da farra que eu fazia outrora de estar com as pessoas e viver com elas. E fica a me incitar a falar com as paredes, a cantar no banheiro, a filosofar com as árvores do parque e as plantas de casa, a ouvir as histórias dos insetos, a contemplar a dança da chuva nas folhas lá fora e o vento orquestrando outras danças de galhos. E me pergunta o que vou fazer desses desenhos tantos e de todos os poemas, aquelas palavras postas no papel sabe-se lá por que e para que, uma vez que era tão bom que permanecessem pensamentos apenas. Porque toda dor que tem nome cria corpo e dá nome a outras dores que criam corpo. E não tarda demônios entrarem nesses corpos, cada qual com seu nome e sua dor, seu castigo tão peculiar.
Estou triste porque se perdeu no tempo o último beijo, a última palavra de carinho, o último momento de intimidade de olhares trocados e juras compartilhadas; estou triste porque sem paixão, sem a dor que traz amar sem se dar conta disso. Estou triste porque até mesmo as lembranças dissiparam-se tão aos poucos nesse cansaço cotidiano de estar só e nessa ilusão de não existir a tristeza. Nada há que me traga o que se foi, que refaça o que se desfez, que conserte o que quebrou, que cure tudo aquilo que dói.
Estou triste porque há o tempo ávido por nos devorar a todos. E quanto mais tempo eu tenho, menos eu sou para ter tempo. Até o dia de ser nada.
Estou triste porque encho a casa de gente e essa gente tem sempre que ir e quando vejo estou de novo com as paredes e os insetos, as árvores e as plantas, e a solidão zombeteira a me perguntar porque fiquei ali e não fui com todos, largando os desenhos e os livros, os poemas e os sonhos, o silêncio religiosamente guardado, essa força tola e inútil de não desistir de coisa nenhuma, de lembrar as datas de todos os aniversários e os fatos que elas trazem, de reviver desesperadamente o que já morreu, de querer inutilmente o que não é mais meu.
Estou triste porque ninguém me pergunta se estou feliz, ninguém me vê chorar, nem me revirar na cama com mais um sonho estranho, no qual as pessoas ainda estão vivas e eu tenho cachorro. Ninguém lembra que eu não trouxe nenhuma foto para não doer mais ainda a vida que não tinha mais, para não estranhar não ser o que nunca na realidade fui mesmo. Tudo o que eu não era ficou. E tudo o que trouxe é exatamente o que não sou. E esses dois vivem a se olhar no espelho e se estranham. Não se conhecem e não supõe um ao outro.
Estou triste porque tudo isso já fez aniversário. E nunca vai mudar nem acabar. Tudo vai ser exatamente assim, do jeito que é. Estou triste porque não há nada a fazer a respeito de nada. A não ser deixar a vida seguir seu curso, justamente por não sermos narradores oniscientes de nosso próprio drama.
Somos parte dele, do drama, e não há como saber se o drama existe por nós ou se nós é que existimos por ele.
Eu não sei quem me inventou. Nem sei o que invento ou o que já vem pronto como realidade e verdade para serem digeridas. Não sei se escreveram ou desenharam o nosso destino. Sei apenas ler ou contemplar esse destino em suas cores e formas e em seus verbos e substantivos, dois pontos, pontos de exclamação ou interrogação. Reticências e parêntesis, vírgula, ponto e vírgula e ponto final.
Eu não creio que haja uma verdade que tenhamos inventado.
Acho que há uma verdade que nos inventou.
Por isso toda essa inverossimilitude.
Triste inverossimilitude.