terça-feira, janeiro 17, 2006

Aniversários

Ainda se estende o período de comemorações do aniversário de meu desespero. Há um ano atrás só eu sei as agruras que eu passei em todas as esquinas da vida. E aniversários são aquelas datas que a gente marca no tempo marcado por nós, para serem repetitivos, as datas e o tempo, e nós com eles.
Deverei passar incólume pelo desespero que paira em meus momentos, até esquecer que tudo existiu no passado, e que aconteceu tudo o que fiz e não fiz, o que não fiz aconteceu de um modo que é não acontecer, é o que seria se não fosse o que foi. É, o tempo enrola a gente. Se eu voltasse atrás faria tudo igual, porque sou fiel à própria desgraça, fidelidade mais imbecil que essa não deve existir.
E todo dia deve ser aniversário de alguém ou de algo. Hoje é aniversário de alguém e eu daria de presente a necessidade de não ser perdoado. Quero, antes disso, ser capaz de perdoar a mim mesmo.
E eu passei um ano jogando mil lembranças fora por dia e ainda tem muita coisa guardada para jogar fora, e vai ficar entupindo minhas horas, atrapalhando meus passos dentro de casa que, afinal das contas, não me levam mesmo a lugar algum.
Eu diria somente: "Parabéns! Seja feliz apesar de tudo no mundo e apesar de tudo de mim." Mas eu só posso imaginar encontros fictícios e desculpas sem pé nem cabeça. Fui covarde, nunca mais fui ver você que chorou por mim, adoeceu, quis morrer e me esquecer. E parece que conseguiu um pouco disso tudo. Eu me entreguei a uma nova vida e nunca me perguntei se era amor o que deixava e o que eu tinha. Como agora não pergunto se é amor o que me mata aos poucos em cada letra sangrando dessa cantilena de leito de morte. Não me pergunto se é amor o que me consome devagar como uma doença entranhada na alma, sem cura nem vacina.
Ora bolas! Estou pagando por meu crime com silêncio e solidão, com o medo de a vida não ser nada além de quatro paredes vazias que me cercam. Com medo de ter como alento apenas as lembranças de tantas fotos que não trago mais comigo. Porque aquelas pessoas não existem mais, nem aquelas festas e sorrisos, nem os cachorros (de novo os cachorros!), nem aqueles sonhos e planos, aquela ilusão de que tudo estaria tão bem hoje, de tal modo que não seria preciso ter medo. Estou pagando com esse grito preso na garganta. Estou pagando com a falta de perdão.
E pago também com essa falta de paz. Agora não dá mais para ser feliz, o tempo não volta atrás e a gente não refaz o que se desfez e nem encontra o mesmo amor mais de uma vez.
Aniversários são passos dessa caminhada em direção da morte. Eu conto os mortos espalhados pelos campos onde antes havia flores. Onde estão as minhas fotos? E as flores? Onde estão as pessoas vivas com seus sorrisos entre balões coloridos? Por que me cresceram essas crianças? (de novo as crianças...). E por que afinal de contas me invadiram essas lembranças?
É que hoje é o aniversário de alguém que se foi, ou melhor dizendo, alguém que ficou no caminho, quando um acidente me tirou dos trilhos. Eu não quero seu perdão, quero que esteja bem. Não preciso de seu perdão, preciso que viva sua vida como se não tivesse topado com a minha, nunca!
Mas mesmo isso também é pedir muito. Então esquece o perdão e a súplica. Marque um encontro e não venha me ver, mas me deixe ver você de longe, que é onde sempre deixei você. Deixe-me olhar você sem que me veja. Deixe-me sofrer em paz e por mim mesmo todas as besteiras que fiz na vida. Não ceda à tentação de me salvar dessa desgraça, traçada e pintada, destinada exclusivamente para mim.
Só agora eu sei e é tarde. Não amei por causa de você. Não amei mais ninguém. Meu erro foi não perceber que perdia tudo quando me perdi de você. Eu calei em mim o que havia de mais sagrado. Agora é tarde para merecer seu perdão. Nada vai me libertar desse inferno onde estou condenado. Eu não tenho salvação.
Não sei porque voltei no tempo para pensar em você, se não tenho esse direito. Não sei porque achei que de alguma forma merecesse ser lembrado lembrando das coisas esquecidas. Acho que esqueci meus passos na fuga e nunca soube o caminho de volta.
E agora que o encontro é muito tarde.
Apenas isso: é tarde.
E o que cala tarda.

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