segunda-feira, janeiro 16, 2006

Dioniso não Apolo

Baco, bacante, bacanal, bacana! A festa nos liberta de nossos fantasmas mas nos aprisiona em outras máscaras. Baco, deus do êxtase e do entusiasmo. Eu sou Tântalo, às vezes Pandora, Prometeu, Perséfone. Eu sou Orfeu que desce ao inferno para buscar a amada. O inferno me engole, eu olho para trás e ela vira uma estátua. Morre duas vezes para eu viver sozinho mil outras vidas, nenhuma delas querida ou escolhida, todas ao sabor do tempo passando e devorando minhas lembranças para sempre.
Eu sóbrio seguro o próprio corpo que voaria por uma janela, mas nela deixa voar apenas umas tantas lágrimas, numa sacada que ninguém vê, numa madrugada que não me contém. Eu voltei ao passado onde havia infância, um cachorro vivo, esperança ou ilusão, eu voltei para o sonho não realizado estando na não realização dele, meu presente futuro daquele momento tão desejado por uns momentos. Que não volta mais, nunca mais.
Eu me vi só diante da janela e todos entretidos com o esquecer que existimos e eu existindo penosamente, muito contra a vontade, querendo o silêncio de uma madrugada distante.
Outro dia e outro copo, outra mesa e outro corpo de mulher lambido pelos meus olhos. Estamos sós, mas distantes, eu te levaria em casa, te daria um banho de água e outro de língua. Preciso disso para saber mais que a amizade, no que você precisa precisaria eu de você tantas vezes quanto necessário para aplacar a fome e a sede, a vontade animal de não pensar nunca mais. Eu preciso na sua solidão acabar com a minha, o quanto antes, antes de o tempo acabar com a solidão e a vida mesma, com o que meus olhos podem ver e tocar minhas mãos.
Eu não sei dizer eu te amo! Não posso dizer eu te quero. Mas eu olho em volta e não sei ao certo se quero o que amo, ou não sei se amo, se quero, se sei que não sei.
Voltem para seus lugares! Essa janela é minha e nela projeto algo além do olhar no infinito. Vá um para o banheiro onde estava, outros dois voltem para o quarto, e vá embora quem já tinha que ir e nem venha quem não devia ter vindo. Essa festa não está dentro de mim, fora dela sou espectador de meu próprio desespero. Quantos homens me beijariam e no entanto nenhuma mulher que me toque a alma para que eu sinta a calma de me iludir outra vez. Minta para mim dizendo que me ama, não quero sua verdade que me exclui, nem sua vontade que não me supõe.
Eu sofro e você não vê que nenhuma festa vai mudar o sofrimento que carrego tão dedicadamente. Ninguém supõe que eu falaria o nome de meus trezentos milhões de demônios e mesmo assim eles permaneceriam ao meu lado. Mas nenhum anjo me guarda. Eu sucumbi na catedral em ruínas desde a última guerra santa.
Me dá um pouco do prazer que a si mesmo recusa, um pouco do que não tem para que eu não tenha um pouco do que atira fora. Venha sentar-se ao meu lado nessa noite terrível, o silêncio da madrugada teima em gritar meu nome e se eu não tiver alguém que me abrace serei levado para o início da saga do tempo, onde nem começamos ou terminamos, onde simplesmente acabamos.
Eu amo você. Sem êxtase e entusiasmo. Eu amo você no passar dessas horas nefastas e vazias, no desespero de meus dias. Eu amo você no silêncio da madrugada, nas lágrimas desperdiçadas na janela. Eu amo você com medo de amar. Sem saber mais amar. Eu amo você porque não sei mais o que fazer.
Eu amo você porque não aprendi a odiar.
E talvez nunca aprenda.

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