segunda-feira, novembro 12, 2007

Não me quer sair o poema

Poema que não me quer sair poema, prosa que se insinua e me põe a andar na rua quando estou aqui dentro, preso, aqui dentro, com tudo preso aqui dentro de mim que ninguém ouve ou sabe, pouco importa dizer, ser ouvido e sabido, que o que dói não é o silêncio, mas sim o desperdício de palavras soltas ao vento. Que me custam o preço do sangue que jorra emoção pura, indescritível e indizível, que eu tento mesmo assim dizer, mesmo sem saber por quê. Ninguém para ouvir.
Não é estar só o que me mata aos poucos, mas é estar triste e não ter recurso para transpor essa tristeza sempre presente, estar triste e esquecer que há alegrias por toda parte, porque a parte que me cabe não mais me toca e de longe nada mais me provoca. E o que evoca esse vazio além de ser só o vazio é esvaziar-me tanto de tanta coisa que nem tenho. Eu me mantenho calmo e atento, eu tento ter tanto dessa força que não tenho, que me pensam ter exatamente quando mais preciso e não tenho. Ninguém para saber.
E você nem sequer me devora essa palavras, faminta e voraz como eu queria, não se alimenta do que sei que sei sentir. E me vomita as suas e procuro em seus despojos alguma coisa do pouco de tanta coisa que pode ser minha. E não encontro nada na digestão de meus pensamentos mal digeridos em sua consciência. Há esse grito, ainda esse sufoco, esse estar um tanto louco e mais um pouco do que consciente de que é tênue a fronteira entre a loucura e a lucidez. Talvez uma ou outra, agora, uma ou outra ainda ontem, uma ou outra quem sabe amanhã, quem sabe por muito tempo ainda, quem sabe para sempre. Ninguém para entender.
E ter que me pintar de todas as cores para não me verem incolor, me valer de todos os sabores para não me terem insípido, me adornar de cheiros para não estar inodoro. Todas essas máscaras, essas pequenas farsas, esse desconversar sempre oportuno, ter que disfarçar o medo e a angústia, esconder essa lágrima e a outra, a anterior e a próxima, a imprevisível e a incontrolável. Revestir-me da mais bela e forte armadura, a esconder-me um eu dourado por dentro e férreo por fora. Eu esse mistério insolúvel, essa trama desfeita mal costurada, essa história inacabada, sempre por se fazer, sabe-se lá o que fazer. Eu um outro que não esse, esse que podem ver a esconder o que sou. Ninguém para perceber.
Mais uma madrugada e meus fantasmas, companhia mais certa da mais certa solidão, meus pensamentos e lembranças, isentos de qualquer esperança ou de qualquer outra coisa tão tola que nos embala o viver, todo instante tão igual a provar-me que dura muito o que não queremos e que é tão efêmero tudo de que precisamos. O tempo é esse temível monstro, protagonista de todos os pesadelos, receptáculo de todos os medos, de toda a angústia, depósito de todas as minhas horas vazias, o tempo que desperdiço, o tempo que me devora, e me torna nada de nada de nada. Essa sensação de estar preso, isolado, náufrago em cada segundo que passa incessante nessa ilha que não se visita, que não se conhece a localização. Meu cadáver que sempre vem dar na praia. Ninguém para resgatar.
Todas essas janelas e cada um de nós sem asas, ou esquecidos da capacidade de voar, com medo das alturas, tanto chão para rastejar, tanto por indagar, o mundo das coisas e o mundo dos significados das coisas, as perguntas sem respostas e as respostas sem perguntas, o medo de saber, os conceitos e os preconceitos, nossa mediocridade humana, nossa pretensão de centro, de riqueza, de domínio, nossa pretensão de razão e motivo de alguma criação, enfim, nossa pretensão de que a verdade seja algo que bate com nossas representações, ou nossas quimeras, nossas divagações, nossas mais tolas ilusões. Tanto mistério lá fora, muito mais mistério aqui dentro. Ninguém capaz de desvendar.
E agora essa vontade de ter ficado calado, não ter revelado tanto do que se sente, tão à toa, e impunemente, e assim tão inutilmente. Ao meu redor só olhares estupefatos, e atônitos ouvidos de quem não pode e nem quer entender nada, de quem teme aquele olhar para dentro de si mesmo, essa apatia da vida e esse medo da morte, fazendo-nos aceitar mentiras que nós próprios todo dia construímos com tanto desvelo, e com tanto empenho. Melhor que essa melancolia, muito melhor mesmo, é todo o silêncio possível. Sabemos tudo de nós mesmos e esquecemos, não queremos saber, lembrar, pensar. E ninguém mais para nos revelar.

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