domingo, abril 20, 2008

Ser menos

O tempo vai passando sem nos dizer nada. E a gente vai aprendendo a ficar quieto, simplesmente isso, quieto com relação a tudo em volta. Isso significa ser mais resignado com o passar do tempo, mais paciente, mais condescendente, mais compreensivo com as merdas que tudo mundo faz em volta e que sempre espirra em você. A gente vai cada vez mais aceitando os fatos da vida porque ou perdeu alguns sonhos ou os sonhos que ainda acalenta não têm mais o mesmo valor, o mesmo peso, o mesmo tesão. A gente vai sendo cada vez mais o que não se quer ser, porque não se sabe o que quer. A gente vai sendo mais... e eu quero agora ser MENOS!
O grande silêncio alimentado anos a fio se rompe, como que de repente. A gente se torna menos quieto. Depois de uma olhada no espelho, deixar de velar armas e usar as armas, vestir a armadura, empunhar a espada e partir para a guerra. Ninguém vai me dar o que eu não tomar, mesmo que seja um direito meu. Tudo bem. Preparemos a guerra. Nunca fui mesmo de levar desaforos para casa, de aturar a choradeira de adultos que se fazem crianças por quase tudo ou às vezes tanto por nada: por medo, medo da solidão, do dia que vem sem trazer um futuro, medo de não ser amado, e principalmente o grande medo de não conseguir mais se esconder atrás de uma mesma máscara, aquela que cansa e não engana mais ninguém.
Então tá! Olha aí o que eu acho de tudo. Saí de meu olhar no espelho não sem medo, mas conhecendo melhor meus medos antigos e aprendendo a conhecer os medos novos. Eu também estou sozinho e não sei se vai acontecer de alguém me amar para o resto da vida. Além disso, que não é pouco, dinheiro não é meu forte, sexo se vende na esquina só para quem se atreve a comprar e felicidade, bem, essa palavra não faz parte de minha busca. Já disse: sobre fecilidade duas coisas, não sou feliz, não sou infeliz.
Só que agora acabou aquela quietude compreensiva com relação a tudo o que me cheira um probleminha tão pequeno ser tão grande para quem gosta de sofrer e só isso.
Sofro, mas não gosto. Calo sobre essas coisas, como calei até agora, mas não consigo mais.
Venham para o campo de batalha, hipócritas, com suas muletas, eu tenho duas pernas e estou armado.
Não vim a esse mundo para agradar a ninguém.

quarta-feira, abril 16, 2008

Feliz Tudo

Como é que você disse mesmo? Tentar disfarçar que não me importo com fato de que hoje é meu aniversário. Acho que significa que se importa. Essas são as dificuldades das frases indiretas, parecer negar o que se está afirmando.
De todo modo, tenho a dizer em primeiro lugar que você deve dar um jeito nessa sua vida, afinal você não tem mais vinte e seis anos.
Continuo não sabendo o que gosto em você, de tanto de coisas que há que gosto. Talvez mais fácil dizer uma ou duas coisas que não gosto, duas: quando você desaparece e quando teima comigo.
Bom, mas disfarcemos que é seu aniversário, não pensemos e nem falemos nisso. Falemos então de outras coisas, falemos de você, de quão maravilhosa é, coisas assim que se faz só no dia no nosso aniversário. Tentar falar de algo tão bom que seja inesquecível. É difícil. Arrisco dizer que quando estou triste, penso nela e tudo muda. Se estou com ela então, para um passeio nas ruas da cidade, uma sopa em algum lugar, um cinema ou uma ótima conversa, aí nem sei o que é tristeza. Gosto de tudo nela há muito tempo. E sempre me sinto na obrigação de fazer esses posts-depoimentos, como se fosse o aniversário dela.
Gosto de suas brincadeiras e histórias, seu modo de ver as coisas e falar sobre as coisas, sua relação sui generis com as pessoas, seu modo de estar no mundo com o ar mais desencanado da vida, como se tudo não fosse nada, como se tudo fosse um enorme parque de diversões, as coisas e o mundo, esses brinquedos grandes em que a gente sempre vai, chamado cinema, faculdade, av Paulista ou Augusta, esses prédios sempre nos escondendo a lua cheia.
Mais o que mais gosto mesmo é de fazer parte da vida dela. É legal que ela não seja aquela colega da faculdade, aquela mina que eu conheci quando cursei filosofia. Tirei a sorte grande de conhecê-la. E agradeço as rampas por isso.
Podia falar muito mais, só que eu também não tenho mais vinte e sete anos, nem quarenta e cinco. Aprendi a fazer segredo de algumas coisas boas da vida, para serem um pouco só minhas, ainda que divida com muita gente.Feliz aniversário? Coisa nenhuma. Feliz tudo, até mesmo no dia do seu aniversário. E eu, como presente, fico devendo um post melhor.

Pretérito imperfeito

O gosto de presunto e queijo do misto-quente, o cheiro da “Dama da Noite”. O amarelo alaranjado do sol que se põe no fim da rua. O acorde específico de certas músicas, letras, vozes de melodias românticas. O vento no rosto, a chuva no cabelo. A pele da moça de mais aquela dança, sentir no meu corpo algo como se fosse a alma dela. Beijo com gosto de boca, perder todos esses poucos sentidos, não respirar, não pensar, parar o tempo exatamente na contemplação daquele raio de sol que entra no fim da tarde, uma mentira de uma certa eternidade, as ilusões sobre a vida, os desejos inúteis sobre o tempo não passar nunca. Saudade da infância, vontade de nunca ter saído da adolescência. E agora voltar a tudo aquilo só se for com a imaginação e os sonhos. Impressão de que se deixou lá muita coisa.
Meu pai andava de bicicleta, meu irmão dançava ao som de funk, minhas irmãs cantavam as músicas do radio, minha mãe contava histórias de nascimentos, dava um motivo de a gente estar no mundo. Em casa sempre tinha cães e gatos, teve até pombos, todo mundo tocava violão.
E eu trago tudo isso como um tesouro muito bem protegido.
O que há hoje é os olhos estarem cansados e os olhares perdidos na imensidão, o peso no ar da incerteza de se ter vivido.
Há hoje somente a saudade.
Ninguém sabia o que o outro pensava, mas só o que dizia. E o que devia ser feito, primeiro a gente sentia. E a gente ria dos tombos de bicicleta, dos “foras” das namoradas, só se entristecia de verdade quando acabava o assunto. A gente tinha assunto, vivia o assunto, a gente era o assunto. A gente criava e o assunto nunca acabava. A gente sentava na calçada, brincava de noite na rua, namorava no portão, fazia baile todo sábado, se via todo dia.
Meu pai sentava na ponta da mesa e era Natal. Suas histórias eram piadas, suas piadas eram histórias. Na sua carteira a foto de uma mulatinha bonita que era a minha mãe. Toda semana tinha carne moída e purê de batata. E minha mãe fazia doces. E todo dia café com pão, quase sempre tinha bolo. Todo domingo tinha frango e macarrão.
Um tempo em que havia quintais. Tinha festa junina e quermesse, futebol na rua, tinha os amigos que eram amigos dos amigos, tinha alegria de viver.
Tudo isso eu trouxe à mente com o cheiro da Dama da Noite. Seu cheiro dá uma saudade tamanha daquelas noites.
E hoje, tão longe daquilo tudo, sinto que aprendo cada vez mais, ao passar dos anos, a odiar esse pretérito imperfeito.

Senso comum do homem comum

Há de ser exatamente hoje sentir que algo muito importante aos poucos morre em mim.
O Homem Comum, cheio de rancor e ressentimento, mata o poeta, mata o homem que em mim pensa, mata o que faz arte. Assim, a poesia jaz em algum calabouço do ser, as cores esvaem-se na escuridão e pensamentos perdem-se em indescritíveis labirintos. E é isso a morte.
O Homem Comum não me perdoa as ousadias, os vôos tresloucados, os devaneios, e essa vontade de muito mais.
Ele me queria com os pés no chão e a cara enfiada num buraco. Queria ser, desse modo, senhor de todos os meus medos e guia de todos os meus passos. Sopraria em minha boca suas próprias palavras, poria diante de mim qualquer coisa que não fosse uma visão minha, enganaria meus desejos e iludiria minhas convicções. O Homem Comum não suporta a traição. Ele é dono de todos os relógios, não admite quem quer que seja não viver a mercê do tempo. E, no mais, ele odeia segredos. Porque em algum segredo pode morar a verdade de uma pessoa.
Poesia... por que tanto silêncio dentro de mim? Tristeza, onde nasceste para eu lutar contra ti desde o início? Aonde ir perder-me? Onde pousar do inútil vôo? Onde um porto? Aonde chegar indo a lugar nenhum? Onde o fim do fim de tudo o que vejo em meus espelhos? Não há luz no vazio e nem vozes no silêncio. Essa escuridão é a certeza de mais nenhuma aurora. Essa hora se demora a doer tão forte, tudo o que há são esquecimentos...

(That’s enough! I don’t wanna to lose this feeling!)

Há quem imagine que é fome ficar algumas horas sem comer. Minha tristeza é como a fome de quem não come há dias. E esquece o que é a ponto de trata-la por outro nome. E a fome que me vai por dentro não é falta de alimento, mas o esquecimento do que ele é.

Por trás de copos e garrafas de bebida, a semana inteira, todos os dias, vi tanto todos os rostos conhecidos. e por trás de suas histórias a minha, tão quieta e acuada num canto, calada num silêncio que não pode nunca se quebrar sob o risco de se tornar em palavras vazias, mais vazias do que podem achar que são.
Ousaria dizer que tanta gente parece estar a um escorregão da felicidade — ou do disso mais se aproxime —, enquanto tive que descer a todos os infernos e de lá retornar, conhecer todos os abismos e desertos. Qualquer unha encravada traz uma dor maior do que a que trago no peito, dia após dia, há tanto tempo.

O jeito é seguir em frente, em minha briga contra o Homem Comum, contra seus convencionalismos, sua visão de mundo, seu senso comum. Não deixar que me dite conceitos prontos para tornarem-se preconceitos, não deixar que me dite moda e modismos, convicções estranhas e espúrias ideologias. Lutar contra o Homem Comum não é ser “revoltadinho”, “rebeldezinho”, ou um ser, como dizem, amargo. Lutar contra o Homem Comum é não mentir nunca a si mesmo e nem aos outros, encarar o real de frente, o que é deveras muito difícil, ter a mente aberta para com tudo quanto possa parecer facilmente aceitável. Um outro olhar para todas as coisas, dentro e fora de você. E nos espelhos, o difícil ato de estar sempre diante do espelho.

terça-feira, abril 15, 2008

Noturnas

Trailler de um post que não consegui colocar aqui ainda, um começo de poema, cabeça na estrada, asas nos pés, quilômetros de pensamentos não postados na vida, tanta inutilidade na combinação dessas letras-palavras-frases-períodos, distâncias são só distâncias.
"Longe eu me sinto longe, tão longe de tudo perto de nada, a estrada, longe e perto, tudo e nada, aqui onde tudo é tão onge, sinto você tão longe de tudo e tão perto de mim..."
Araçatuba, noroeste paulista. Uma noite insone, a descoberta de um computador com internet no hotel. Ter de esperar uma mocinha largar essa máquina, para poder usar um pouquinho, ver e-mail, ou melhor, não ver e-mail, quem está distante me joga ainda mais para longe com um silêncio injustificável. Abater-me ainda com mais esse peso da mesma trsiteza. Eu disfarço para mim mesmo com tanto esmero, mas estou esperando algo, esperando qualquer coisa. Sinto-me ridículo, todo o amor é ridículo, todo o romantismo é ridículo, ridículo, ridículo.
Faço-me forte, ergo a cabeça, sacudo os ombros, respiro fundo: eu vou saber viver sozinho, e isso é uma grande e tola mentira.
Essa volta à estrada bem que serviria para me "inspirar" outros poemas. (Agora estou no post rascunhado em tinta vermelha no papel almaço, passando a limpo). Ou bem que me serviriam essas andanças pelas estradas para fazer maravilhosas fotos para registro do que não se descreve com palavras. (Penso nela, ela entrou na minha cabeça, penso nela com agonizante insistência, não é justo, nada é justo no amor romântico). Mas não. Essa volta à estrada serve apenas para perceber-me assim tão só. Triste, mais triste do que poderia imaginar estar.
É como me sinto e odeio cada vez mais sentir, o sangue nas veias, um sufoco no peito, vontade de esmurrar o real à minha frente. É como me sinto -e esta é a minha maior crise-, desde a manhã em que me olhei no espelho e quase não me reconheci. Idiota! Disse ele. Grande idiota! Você é o maior desperdício de que já se teve notícia. A dúvida sobre o que é que pensam os que me vêem quando pensam que vêem. Danem-se todos. Este modo de estar só, de sentir-me só, tem um quê de revolta. É impossível olhar para si mesmo sem que esse olhar mude o mundo em volta, o mundo e as pessoas, sem que mude seu olhar para todos os outros.
Fingimento. A humanidade não é feita de representações nem de vontade, mas de fingimentos e apatia. Hipocrisia posta na ordem do dia nas horas mais oportunas, as pessoas são minha maior decepção e desgosto, mesmo que a contragosto eu ainda nutra alguma esperança nisso que ainda teimamos em chamar de ser humano.
Estar só: um soldado sem pátria, um caminhante sem destino, um rebelde sem causa. Uma andorinha a crer ainda em poder fazer verões. Duro saber que não se muda o mundo e as pessoas, tentar então mudar-se a si mesmo para o mundo e as pessoas. Tirar delas suas máscaras, tirar dele suas ilusões, quebrar delas as muletas, tirar dele as falsas esperanças, revelar a elas sua própria hipocrisia, abalar nele seu pretenso estado de equilíbrio alienado. As pessoas e o mundo, essas coisas desprezíveis tem que ser um fenômeno que se dá um ao lado do outro.
Brigas no trabalho, noites mal dormidas, a realidade essa solitária no presídio da vida, esse silêncio que atordoa, essa escuridão que cega, essa podridão que me consome. Raiva, agora eu sei que tenho, agora sei que sei usar. Um guerreiro no deserto brandindo sua espada contra fantasmas.
Penso nela, quero esquecer, mas penso. E se esqueço, quero pensar. Ela não. Ela torna a distância algo intransponível e o silêncio algo insuportável.
Essas melodias são minhas, só minhas, noturnas, soturnas, inoportunas.