quarta-feira, outubro 15, 2008

Ela virá...

Ela virá. Provavelmente virá. Trará seus olhos, sua boca, suas mãos e seu corpo. Trará até aqui seu corpo de curvas sinuosas e de formas generosas. Trará o irresistível toque de suas mãos. Trará toda a maciez de sua pele. O pitoresco de suas histórias e o seu jeito singelo e atirado de ver as coisas. Trará esse pouco caso de lidar com intimidade compartilhada. Não fará nenhuma pergunta, não oferecerá nenhuma resposta. Não acrescentará nenhuma reflexão sobre essa distância no tempo e no espaço e os efeitos que supostamente provoca.
Ela virá como se nunca tivesse ido. E chegará como se eu nunca tivesse ficado aqui, imerso em minhas reflexões sobre a distância no tempo e no espaço e sobre todos os efeitos que certamente provoca. Ela virá como se tivesse onisciência, como se soubesse que sou feito de incapacidades, feito de uma tola força que me obriga a uma insuportável espera. Ela virá como se o tempo tivesse em mim só o efeito de passar simplesmente e não o de me transformar.
Ela virá para as coisas que imagina que deixou no lugar. Para as mesmas coisas. E vai querer encontra-las no mesmo lugar em que deixou, e do mesmo modo, e as mesmas coisas.
Ela virá e não tocará nesse vazio. Não iluminará essa escuridão. Não trará o fogo necessário para o frio de todas as noites, as passadas e as vindouras. Não quebrará com música e poesia esse insuportável silêncio. E não me olhará nos olhos. Não prestará atenção ao mínimo sussurro que soe como um grito, não se importará com a dor que afinal é alheia, alheia a ela, a todos e a tudo.
Ela virá e não sentirá o peso de minha tristeza. Não saberá em que canto da casa escondi essa vontade de chorar. Não saberá me sentir absorto e perdido em pensamentos naquela sacada, olhando o céu por detrás dos prédios, uma lua alta e brilhante no céu. Não me verá desfazendo-me aos poucos, entregando-me à inevitabilidade disso a que chamam destino. Ela virá e não saberá em que parte da história entra, em que ato dessa ópera bufa. Terá perdido sua deixa e não será capaz de improvisar.
Entrará péla porta errada. Sairá pela janela errada. Deitará na cama errada. Tentará ainda ser amada pela pessoa errada.
Ela virá e não encontrará ninguém em casa. Virá e não mais me encontrará.
Vai estranhar um outro brilho em meus olhos. Um outro perfume que se alastra em minhas lembranças. Não vai entender meus pensamentos distantes e suspensos no tempo e no espaço, anulando de vez toda distância. Não vai entender uma outra presença que não a dela e nem um coração não se agitar não por ela. Não vai entender que meu coração quando grita não ama e quando se cala não se engana. E não saberá mais não ser o que nunca quis ser e temerá que tudo seja assim. Não saberá mais nada de mim. Se soubesse talvez não viria.
Mas a verdade é que ela virá e nada nem ninguém a impedirá de vir...
Nem me afastará dela e nem mudará a verdade da incerteza de meus sentimentos.
Nada me tirará dessa inútil e tola espera que deixo viver em mim mesmo sem querer.
Estou só no fim de todas as coisas e nada nem ninguém virá me salvar.
Até só restar ela... e mais ninguém!

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