quinta-feira, abril 09, 2009

Lá longe de mim mesmo

Eu bem que não queria ter respondido a você. Bastava me fingir de morto ou de muito ocupado, a ponto de nem ter ligado o computador. Mas não. Quando vi seu e-mail, algo fora de controle em mim ocorreu, e agiu por mim e em mim. E lá estava eu respondendo, esse estranho êxtase que é sempre a luz enganadora de uma tola esperança, esta, aliás, em que nem acredito mais.
Esse algo está sempre a tomar conta de minhas ações... quis ser gentil e delicado, não parecer grosseiro.
Não sei se amo você, não sei o que sei, nem sei o que sinto. Seria orgulho ferido... Não, esse orgulho é um monstro ferido numa floresta de descontentamento. E nesse alheamento eu me sinto triste porque só e só porque triste. Porque a alegria de quando em vez a gente sempre tem com quem compartilhar, dividir. Mas a tristeza não. Na tristeza estamos sempre sós.
Aliás, nem sempre sei a quem me refiro quando estou escrevendo a palavra "você".

O cair da noite na estrada, a lua crescente, uma catarse. Aquele tipo de busca que só pode ocorrer nesse alheamento, nesse distanciamento consentido de tudo que nem se é. Eu gostaria de encontrá-la para pedir perdão. Eu a deixei para casar com outra, e isso tudo foi tão pueril, como tinha que ser no tempo da puerilidade. Foi pueril e inconseqüente. Não queria que reatasse uma possível amizade perdida, que falasse comigo, que tentasse gostar de mim outra vez. Não pediria nada disso. Eu queria só o seu perdão. Não que eu me roa de remorsos, ou de culpa. Só a consciência de ter feito algo a alguém que esse alguém não mereceu. Não pediria perdão por aquele moço de seus vinte e três anos que, afinal, mal sabia o que queria da vida, mesmo lidando com coisas tão sérias. Pediria perdão por esse homem de hoje, que tem a consciência de que há coisas que uma vez feitas, jamais podem ser desfeitas, por coisas que quebramos pelo caminho ou perdemos, e que nunca mais poderemos consertar ou encontrar.

Não há desejo tão forte que possa materializar ou tornar possíveis os beijos que nunca mais nos demos. Não há magia para trazer-nos uma felicidade que nem sequer perdemos.

Eu quero ser escritor. Não sabia disso aos dezesseis, ou dezessete anos. Nem aos vinte e três. Sei apenas que todas as decisões que tomei anteriormente me afastaram disso que, afinal, eu nem sabia. Posso realizar isso em cinco ou dez anos (ou nunca realizar), mas devo saber se estou fazendo agora algo para isso acontecer. Nisso se encaixa todas as profissões, ou realizações, cientista, astronauta, astrônomo, médico, advogado, professor, artista. Posso tornar-me escritor aos sessenta anos e viver escrevendo mais uns vinte e produzir uma obra magnífica. Mas não estou fazendo nada agora para isso acontecer. A questão é olhar daqui para frente ou olhar de lá da frente para trás. E entender que tudo tarda quando nada se faz. Ou tudo é sempre tarde quando pouco se quer.

Não há fingimento que justifique permanecer no conforto e na comodidade que nos arranje sempre as melhores desculpas para não sermos o que queremos.

Somente essas palavras inúteis que estão sempre parecendo ser a racionalização do que não é assim tão racional. E esse é problema disto tudo que sofremos, racionalizarmos o sofrimento, a passagem por isto que temos que passar, como se isso fosse pintar de outras cores mais aceitáveis, como se transformássemos o instante real num capítulo de novela em que sabemos já antecipadamente um final feliz.
Em cada palavra e em cada página parece que tudo foi resolvido porque vivido ou vivido, logo resolvido. Mentira. Mais pura ilusão. Há muito ainda que se viver. Há que se descobrir que muitas coisas não podem e nunca serão resolvidas.

Ponto final.


06/04/2009 – 01:40 – Fernandópolis

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