Meu espírito se acalma só na calada da noite, reino das trevas, império do silêncio. E se deleita à beira do abismo na iminência do vôo impossível, mas inevitável. Todas as pessoas dormindo estão como mortas e todas as pessoas mortas como que despertando vêm me contar suas estranhas histórias. Lembranças e desesperos, angústias e reminiscências ao som de violinos na noite. Às vezes saxofones. E pianos.
Às vezes escuridão e pensamentos vazios, soltos no ar como fumaça sempre a esvanecer como os segundos imponderáveis da vida passando, aos poucos e bem devagar, que não pára e nem volta, simplesmente avança em direção ao nada do abismo profundo. O abismo. Sempre o abismo. Materialização da imagem do desconhecido, do oculto e do não revelado da realidade do universo, ou por nós gerada ou que a todos nós gera a cada instante.
Às vezes alguma lembrança me traz uma música que me traz a lembrança de algum momento fixo no tempo. E não sei se me transporto, nessas horas noturnas perdido em silêncio nunca sei mesmo onde estou, que dia é, quem sou.
Há somente distâncias entre as imagens perceptíveis desse mundo lá fora, distâncias impenetráveis e vazias, e estou gritando por você, há muito tempo estou gritando por você. Mas não sei quem você é. E você então não vem. Estou gritando e você não ouve.
Meu ser se torna adensado das histórias que inventa sobre si mesmo, e emaranhado de palavras, enredado de pensamentos, numa prisão suspensa no ar, que pode-se chamar imaginação.
Eu conheço essa tristeza desde os tempos imemoriais em que ela era escondida pela ilusão dos sorrisos e pela falsa impressão de uma felicidade existindo tão tênue e fútil, a não servir para nada, a não ser para enganar os sentidos, para iludir o espírito em sua busca pelo mesmo e inevitável abismo.
Você às vezes é a mulher mais linda do mundo. Às vezes é só uma mulher que me ama. De qualquer modo você é uma fantasia. Existe somente quando fecho os olhos para olhar para dentro. Você sou eu de um modo que desconheço totalmente. Você ainda não nasceu. Eu só vejo você morrendo. Todo dia morrendo diante do espelho para o qual fito meu olhar atônito em busca de uma essência no brilho do olho, um fogo a me consumir a carne, uma dor para atestar a impressão de que estou vivo de fato, vivo e morrendo no ato de olhar no espelho me desintegrando, voando como voa esse pensamento, por sobre o abismo com asas de pássaro coladas com cera. Ícaro tão perto do Sol. Mergulhando na profundeza do abismo. Em direção ao desconhecido, voltando ao ventre da terra que me pariu.
Estou dentro da noite escura, dedilhados de cordas arrastam-se em minha mente. Lágrimas são sons molhados roçando a música do rosto. Meus olhos vêm na noite mais escura. Porque para ver não é preciso luz. Para ver é preciso silêncio. Aquietar a alma no ir e vir do tempo, aplacar qualquer angústia de viver. Aceitar a solidão e domar o medo. Asas sobre o abismo. Último vôo e esquecimento.
Eu sei de repente o que tem do outro lado da aurora que não vem. O que tem por trás do silêncio que não se quebra, eu sei o rosto da morte, eu ouvi o primeiro e último grito da vida. Solitário e perdido na escuridão da noite. Um grito que arranca das entranhas uma estranha vontade de viver.
Eu retornei para casa morto da guerra e todos que comigo lutaram ficaram vivos sepultos no campo de batalha. E carrego agora a maldição de não poder viver e nem ser sepultado na terra manchada de sangue.
Estou construindo um inferno para fugir da salvação. Meu livre arbítrio tirou-me todas as opções. Eu tenho nas mãos o fogo roubado, o fruto proibido e o sangue derramado de meu irmão. Vago em fuga com um sinal divino na testa. Eu não encontrarei paz. Não posso voltar atrás. Nada pode voltar. Nada pode. Nada.
Voltar é abandonar o risco de viver. E a possibilidade quase única de poder morrer.
Eu me lembro muito bem de que vir à vida significou romper a escuridão. Essa mesma escuridão a que me entrego para mergulhar no tempo eterno. Escuridão de silêncio e solidão.
Cantigas de ninar em rituais fúnebres, um berço a sete palmos da terra, bolsa, suco de líquido amniótico, asfixia, um ventre que me comprime. Eu não quero sair. Eu não quero sair da escuridão e ver a luz. A luz que cega. A luz que não deixa ver. Eu não quero olhar direto para o sol. Eu não quero abrir os olhos janelas para um mundo em decomposição. Quero ser luz. Quero entender a escuridão. Quero não ser matéria.
E agora eu quero calar esse grito que nunca ninguém ouviu.
Agora quero ocultar na escuridão essa figura que ninguém viu.
Agora quero esquecer o ar entrando nos pulmões. Me obrigando a respirar.
E pairar com asas de pássaro entre o sol e o abismo.
Almejar o vôo rumo à escuridão.
De silêncio e solidão.
Silêncio.
Às vezes escuridão e pensamentos vazios, soltos no ar como fumaça sempre a esvanecer como os segundos imponderáveis da vida passando, aos poucos e bem devagar, que não pára e nem volta, simplesmente avança em direção ao nada do abismo profundo. O abismo. Sempre o abismo. Materialização da imagem do desconhecido, do oculto e do não revelado da realidade do universo, ou por nós gerada ou que a todos nós gera a cada instante.
Às vezes alguma lembrança me traz uma música que me traz a lembrança de algum momento fixo no tempo. E não sei se me transporto, nessas horas noturnas perdido em silêncio nunca sei mesmo onde estou, que dia é, quem sou.
Há somente distâncias entre as imagens perceptíveis desse mundo lá fora, distâncias impenetráveis e vazias, e estou gritando por você, há muito tempo estou gritando por você. Mas não sei quem você é. E você então não vem. Estou gritando e você não ouve.
Meu ser se torna adensado das histórias que inventa sobre si mesmo, e emaranhado de palavras, enredado de pensamentos, numa prisão suspensa no ar, que pode-se chamar imaginação.
Eu conheço essa tristeza desde os tempos imemoriais em que ela era escondida pela ilusão dos sorrisos e pela falsa impressão de uma felicidade existindo tão tênue e fútil, a não servir para nada, a não ser para enganar os sentidos, para iludir o espírito em sua busca pelo mesmo e inevitável abismo.
Você às vezes é a mulher mais linda do mundo. Às vezes é só uma mulher que me ama. De qualquer modo você é uma fantasia. Existe somente quando fecho os olhos para olhar para dentro. Você sou eu de um modo que desconheço totalmente. Você ainda não nasceu. Eu só vejo você morrendo. Todo dia morrendo diante do espelho para o qual fito meu olhar atônito em busca de uma essência no brilho do olho, um fogo a me consumir a carne, uma dor para atestar a impressão de que estou vivo de fato, vivo e morrendo no ato de olhar no espelho me desintegrando, voando como voa esse pensamento, por sobre o abismo com asas de pássaro coladas com cera. Ícaro tão perto do Sol. Mergulhando na profundeza do abismo. Em direção ao desconhecido, voltando ao ventre da terra que me pariu.
Estou dentro da noite escura, dedilhados de cordas arrastam-se em minha mente. Lágrimas são sons molhados roçando a música do rosto. Meus olhos vêm na noite mais escura. Porque para ver não é preciso luz. Para ver é preciso silêncio. Aquietar a alma no ir e vir do tempo, aplacar qualquer angústia de viver. Aceitar a solidão e domar o medo. Asas sobre o abismo. Último vôo e esquecimento.
Eu sei de repente o que tem do outro lado da aurora que não vem. O que tem por trás do silêncio que não se quebra, eu sei o rosto da morte, eu ouvi o primeiro e último grito da vida. Solitário e perdido na escuridão da noite. Um grito que arranca das entranhas uma estranha vontade de viver.
Eu retornei para casa morto da guerra e todos que comigo lutaram ficaram vivos sepultos no campo de batalha. E carrego agora a maldição de não poder viver e nem ser sepultado na terra manchada de sangue.
Estou construindo um inferno para fugir da salvação. Meu livre arbítrio tirou-me todas as opções. Eu tenho nas mãos o fogo roubado, o fruto proibido e o sangue derramado de meu irmão. Vago em fuga com um sinal divino na testa. Eu não encontrarei paz. Não posso voltar atrás. Nada pode voltar. Nada pode. Nada.
Voltar é abandonar o risco de viver. E a possibilidade quase única de poder morrer.
Eu me lembro muito bem de que vir à vida significou romper a escuridão. Essa mesma escuridão a que me entrego para mergulhar no tempo eterno. Escuridão de silêncio e solidão.
Cantigas de ninar em rituais fúnebres, um berço a sete palmos da terra, bolsa, suco de líquido amniótico, asfixia, um ventre que me comprime. Eu não quero sair. Eu não quero sair da escuridão e ver a luz. A luz que cega. A luz que não deixa ver. Eu não quero olhar direto para o sol. Eu não quero abrir os olhos janelas para um mundo em decomposição. Quero ser luz. Quero entender a escuridão. Quero não ser matéria.
E agora eu quero calar esse grito que nunca ninguém ouviu.
Agora quero ocultar na escuridão essa figura que ninguém viu.
Agora quero esquecer o ar entrando nos pulmões. Me obrigando a respirar.
E pairar com asas de pássaro entre o sol e o abismo.
Almejar o vôo rumo à escuridão.
De silêncio e solidão.
Silêncio.