quarta-feira, novembro 02, 2005

Pleno de vazio


Agora estou pleno de todo o vazio do mundo. Tudo o que me falta é o sofrimento que me acalentava os dias e enganava-me os pensamentos. E era tudo verdade, sofrer era a única verdade possível. Agora me vejo privado dessa doce ilusão de existir como uma grande desculpa de mim mesmo. Agora estou só sem mascara diante do espelho. Meus olhos querem me enganar sobre o que vejo, minha razão quer se fazer de demência. Mas há coerência nessa lucidez. Há o grande problema insolúvel da vida: estar vivo.
Falta-me conteúdo para uma plausível tristeza. Faltam-me motivos para justificar essa solidão: é o querer ou o poder. É o pegar ou o largar.
Faltam-me escrúpulos exigíveis para os próximos passos. Falta-me necessário esquecimento do passado, falta-me a liberdade de sentir-se livre. Falta-me a consciência clara de não depender de ninguém.
Agora só tenho tudo o que me falta. Agora é só com isso que posso viver e tocar em frente, mesmo diante de caminhos desconhecidos, áridos e perigosos, eu tenho apenas o próximo passo.
Eu sou não o caminho, mas o caminhar que faz o caminho.
Eu sou não a verdade, mas cada pergunta que a busca.
Eu sou não a vida, mas a insuportável espera pela morte.
Eu sou a incógnita, o não-saber. Eu não tenho resposta.
A palavra engasgada na garganta. Isso é a pergunta e a resposta. Ao mesmo tempo.
Agora tudo o que tenho é tudo o que não posso carregar.
E agora tudo o que carrego é exatamente aquilo que não é meu.
Tenho a dor e o medo, tenho o desespero do tempo passando rápido, a angústia inauguradora desse novo amanhecer. No qual não vejo nada de tão novo assim.
Tenho a imposssibilidade dos dias vindouros. A incerteza de cada amanhã. Tenho o agora improvável. O impossível hoje. Todo o nada que sou. Que me restou. E que me gerou.
Tenho que romper a bolsa e nascer, senão morro de novo engasgado.
Tenho que recomeçar. Tenho que respirar. Tenho que acordar. Num mesmo velho dia.
Na mesma insuportável manhã. E ir rumo ao nada. Ser tudo.
Mesmo que ao acordar eu não saiba quem sou. Nem onde estou.
Mesmo que ao acordar eu me sinta terrivelmente vivo.
Para ser nada.

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