Agora há uma enorme distância entre ela e eu, mais ou menos com seus efeitos amenizados por uma comunicação via e-mail, telefone e cartas. Isso mesmo, cartas, aquelas coisas que a gente escreve à mão e tem que ir por lá numa coisa que se chama correio. E a distância é um problema, não vou ser tão tolo a ponto de negar isso. Mas como todo problema, tem uma solução.
O que parece um problema insolúvel são as pessoas a minha volta, encarando essa distância como um problema maior do que já é, esmiuçando todas as nuances possíveis, escarafunchando o máximo possível, para um vaticínio irritante. Um namoro não sobrevive à distância. E eles insistem em dizer: “ela vai arrumar outro”. Ou em perguntar: “quando ela vem aqui?”, “você vai lá?”, “como vocês vão fazer?”, “como é que fica?” etc.
Quando eu era garoto, minha avó materna morava a uns quatrocentos quilômetros de distância. Na impossibilidade de empreender viagens rotineiras de visitas e telefonar, porque tanto eu quanto ela não tínhamos telefone, eu escrevia cartas. Eu devia então esquecer, “amigos”, que a mãe de minha mãe existia, porque afinal de contas, ela estava distante. Mas eu escrevia cartas. Contava como iam as coisas e pedia por notícias. Essas coisas antigas que quase não existem mais hoje em dia, a não ser nas camadas menos abastadas da sociedade. Mandar e receber notícias, ainda que no ritmo do envio e recebimento das cartas pelo correio, davam uma certa sensação de proximidade.
Minha irmã está há oito anos vivendo no Japão. Vez por outra nos encontramos no msn. Onze horas da manhã aqui e onze horas da noite lá. Conversamos até que me dê fome e nela sono, quando eu vou almoçar e ela dormir. Essa minha irmã nasceu quando eu tinha oito anos, foi adotada, quase levada de volta pela mãe dela, não fossem meus veementes protestos, que fizeram meu pai registrá-la no nome deles. Não deixei, a custo de muita choradeira, que levassem o “meu bebê”. Essa minha irmã é na verdade minha prima. Melhor dizer que essa minha irmã foi minha prima. E ela está a doze horas de avião daqui. Melhor seria esquecê-la, porquanto essa distância mais que parece intransponível. Mas nos falamos por msn.
Alguns de meus irmãos e irmãs moram em Osasco, minha mãe mora em Carapicuíba. Melhor nem lembrar que existem, porque afinal, apesar de estarem a um pulo de trem, há uma certa distância. Melhor não amá-los, melhor, então, há que se dizer, desistir de tudo na menor dor de barriga. Não é verdade, ou pelo menos a verdade do que querem e como querem que seja?
Distância. Conheço tanta gente que vive tão distante dos outros que estão cara a cara, ali do lado, na mesa ao lado, na sala ao lado, na casa ao lado, no apartamento ao lado. Ao lado e tão distante.
Então tudo o que ouço hoje é que o amor vai esfriar, que ela vai me esquecer, vai conhecer outra pessoa. Claro que ouço que isso pode acontecer comigo também. E tenho que ficar ouvindo essas “verdades absolutas” que passam ao largo de tudo o que desejo e de tudo o que eu penso.
Daqui a quinze anos, terei sessenta anos de idade. E sei que amarei a arte, tanto quanto amava aos dez anos de idade, quando vi a primeira reprodução de uma pintura a óleo. Enquanto a patuléia luta em vão em busca do amor eterno, eu percebo que o eterno da vida é tudo aquilo que se encontra entre dois eventos importantes da própria vida: o nascimento e a morte.
Poderia recorrer à expressão “amor à vida”, alegando ser esse o amor eterno tão buscado e almejado por todos. Mas não, não me arrisco. Eterna é a vida desde o momento que eu nasci até o momento em que morrerei, nada mais. E sobre felicidade sempre tenho a dizer duas coisas, que para mim são as mais importantes: primeiro, não sou feliz; e segundo, não sou infeliz.
Esse idealizado amor, esse amor que se pretende eterno, esse amor inimaginável, dizem, não existe. E não existe mesmo. Não vou recorrer aqui à idéia platônica de um amor em si. Limito-me a dizer apenas que existe amor. Que não confundamos o amor dirigido a uma pessoa, esse que muda, se engana, esfria e acaba. Sim, o amor por ela, por minha amada ora distante, também faz parte desse amor, dirigido a uma pessoa, que pode acabar. Ou não. Quem sabe ou saberá, quem poderá dizer? Contento-me em não saber o que é o amor, mas simplesmente saber que é amor. E saber que é amor o que agora sinto serve de lenitivo para o problema indiscutível da distância.
No mais, essa relação causa e efeito sem cuidar da conexão necessária, faz com que as pessoas emitam seus mais ridículos e não fundamentados palpites, obra do uso e do costume, do hábito, da repetição dos eventos.
Lembro agora um livro que preciso ler de novo, “O Amor nos Tempos do Cólera”, de Gabriel Garcia Márquez, em que a distância fez o amor não esfriar mas esquentar, a ponto de ele se realizar no fim das contas, aliás, somente quando ele era possível. No mais, sobre amor e vida, uma boa sugestão é lerem “Memórias de Minhas Putas Tristes”, do mesmo Garcia Márquez, e pensar um pouco sobre o assunto.
Posso dizer que amo tanto aquela mulher que ela tem até o direito de não me amar de volta.
O que parece um problema insolúvel são as pessoas a minha volta, encarando essa distância como um problema maior do que já é, esmiuçando todas as nuances possíveis, escarafunchando o máximo possível, para um vaticínio irritante. Um namoro não sobrevive à distância. E eles insistem em dizer: “ela vai arrumar outro”. Ou em perguntar: “quando ela vem aqui?”, “você vai lá?”, “como vocês vão fazer?”, “como é que fica?” etc.
Quando eu era garoto, minha avó materna morava a uns quatrocentos quilômetros de distância. Na impossibilidade de empreender viagens rotineiras de visitas e telefonar, porque tanto eu quanto ela não tínhamos telefone, eu escrevia cartas. Eu devia então esquecer, “amigos”, que a mãe de minha mãe existia, porque afinal de contas, ela estava distante. Mas eu escrevia cartas. Contava como iam as coisas e pedia por notícias. Essas coisas antigas que quase não existem mais hoje em dia, a não ser nas camadas menos abastadas da sociedade. Mandar e receber notícias, ainda que no ritmo do envio e recebimento das cartas pelo correio, davam uma certa sensação de proximidade.
Minha irmã está há oito anos vivendo no Japão. Vez por outra nos encontramos no msn. Onze horas da manhã aqui e onze horas da noite lá. Conversamos até que me dê fome e nela sono, quando eu vou almoçar e ela dormir. Essa minha irmã nasceu quando eu tinha oito anos, foi adotada, quase levada de volta pela mãe dela, não fossem meus veementes protestos, que fizeram meu pai registrá-la no nome deles. Não deixei, a custo de muita choradeira, que levassem o “meu bebê”. Essa minha irmã é na verdade minha prima. Melhor dizer que essa minha irmã foi minha prima. E ela está a doze horas de avião daqui. Melhor seria esquecê-la, porquanto essa distância mais que parece intransponível. Mas nos falamos por msn.
Alguns de meus irmãos e irmãs moram em Osasco, minha mãe mora em Carapicuíba. Melhor nem lembrar que existem, porque afinal, apesar de estarem a um pulo de trem, há uma certa distância. Melhor não amá-los, melhor, então, há que se dizer, desistir de tudo na menor dor de barriga. Não é verdade, ou pelo menos a verdade do que querem e como querem que seja?
Distância. Conheço tanta gente que vive tão distante dos outros que estão cara a cara, ali do lado, na mesa ao lado, na sala ao lado, na casa ao lado, no apartamento ao lado. Ao lado e tão distante.
Então tudo o que ouço hoje é que o amor vai esfriar, que ela vai me esquecer, vai conhecer outra pessoa. Claro que ouço que isso pode acontecer comigo também. E tenho que ficar ouvindo essas “verdades absolutas” que passam ao largo de tudo o que desejo e de tudo o que eu penso.
Daqui a quinze anos, terei sessenta anos de idade. E sei que amarei a arte, tanto quanto amava aos dez anos de idade, quando vi a primeira reprodução de uma pintura a óleo. Enquanto a patuléia luta em vão em busca do amor eterno, eu percebo que o eterno da vida é tudo aquilo que se encontra entre dois eventos importantes da própria vida: o nascimento e a morte.
Poderia recorrer à expressão “amor à vida”, alegando ser esse o amor eterno tão buscado e almejado por todos. Mas não, não me arrisco. Eterna é a vida desde o momento que eu nasci até o momento em que morrerei, nada mais. E sobre felicidade sempre tenho a dizer duas coisas, que para mim são as mais importantes: primeiro, não sou feliz; e segundo, não sou infeliz.
Esse idealizado amor, esse amor que se pretende eterno, esse amor inimaginável, dizem, não existe. E não existe mesmo. Não vou recorrer aqui à idéia platônica de um amor em si. Limito-me a dizer apenas que existe amor. Que não confundamos o amor dirigido a uma pessoa, esse que muda, se engana, esfria e acaba. Sim, o amor por ela, por minha amada ora distante, também faz parte desse amor, dirigido a uma pessoa, que pode acabar. Ou não. Quem sabe ou saberá, quem poderá dizer? Contento-me em não saber o que é o amor, mas simplesmente saber que é amor. E saber que é amor o que agora sinto serve de lenitivo para o problema indiscutível da distância.
No mais, essa relação causa e efeito sem cuidar da conexão necessária, faz com que as pessoas emitam seus mais ridículos e não fundamentados palpites, obra do uso e do costume, do hábito, da repetição dos eventos.
Lembro agora um livro que preciso ler de novo, “O Amor nos Tempos do Cólera”, de Gabriel Garcia Márquez, em que a distância fez o amor não esfriar mas esquentar, a ponto de ele se realizar no fim das contas, aliás, somente quando ele era possível. No mais, sobre amor e vida, uma boa sugestão é lerem “Memórias de Minhas Putas Tristes”, do mesmo Garcia Márquez, e pensar um pouco sobre o assunto.
Posso dizer que amo tanto aquela mulher que ela tem até o direito de não me amar de volta.
Mas isso, definitivamente, o populacho não entende.
O populacho não tem avó nem mãe, prima que virou irmã adotiva.
O populacho não tem amor.