quinta-feira, março 22, 2007

Profecia (só para atualizar)

Eu tomava uma cerveja com uma amiga. Falávamos de tantas coisas como sempre, do trabalho, da vida, das pessoas. De nossas próprias vidas. Em comum tínhamos a solidão, os dois separados, contávamos nossas mazelas, a falta que faz uma pessoa na vida da gente. Foi quando ela me perguntou se eu achava que não ia aparecer ninguém na minha vida. De súbito, sem pestanejar, respondi que sim, que essa pessoa iria aparecer no dia vinte e dois de novembro de dois mil e seis. Isso seria, caso se concretizasse, uns nove meses depois. Depois disso, até mesmo eu achei graça do que disse, vinte e dois de novembro.
Esse dia chegou e escrevi um e-mail para uma outra amiga, cujo teor é mais ou menos o que se segue abaixo:

Um sonho no meio da noite quis se apresentar como profecia, acordei com a idéia na cabeça de que no vigésimo segundo dia do décimo primeiro mês do meu quadragésimo quarto ano de vida, eu encontraria a mulher da minha vida. Minha manhã foi normal e não devia ser no dia 22º-11º-44º, cuja soma dos algarismos resulta o mesmo que 22-11-2006, o dia em que aquele sonho tão doido pudesse se realizar.
Vou escrever um conto, no qual partes dessa carta terão de aparecer, porque rascunho o conto enquanto escrevo a carta.
Olhei pela sacada para ver o tempo, e vi uma mulher longe na rua de cima, não podia ser ela, não passaria assim tão longe. Esse encontro tinha que se dar cara a cara ou num esbarrão, que eu lhe derrubasse os livros, ou as compras, que a gente sorrisse e risse da situação, duas pessoas tão distraídas encontrarem-se para a vida inteira.
Mas aí eu estaria escolhendo a situação, e mesmo a mulher eu estaria escolhendo, quando ocorre que ela já podia ter aparecido, mas onde estaria, eu que ando mais distraído do que o normal para essas coisas.
Abri um livro no metrô e evitei olhar as pessoas, evitei olhar as mulheres, ela que me escolhesse. Mas no caminho de casa até o trabalho, não fui escolhido por nenhuma. Da estação à porta do prédio em que trabalho, não fui escolhido. Dentro do prédio também não. Cheguei no meio do dia e nada de a profecia se realizar. Eu que tinha aberto uma exceção para crer por um dia em profecias, principalmente aquelas sugeridas pelos sonhos, caí no ceticismo de novo. Mas o dia ainda não terminou, resolvi pensar em outra coisa, talvez na prova de sexta-feira, no que vou ter de ler de Nietzsche, Freud e Marx.
Então pensar outra coisa, como se outra coisa fosse uma coisa que não está na vida, entre tantas dessas coisas de que não gostamos e que não queremos, das quais estamos tão enjoados quase sem perceber, outra coisa como o aparecimento da mulher da minha vida. Acho que ela não é pontual, já devia ter vindo, dias desses qualquer, nesses três anos, os três melhores piores anos da minha vida. De tudo ocorrer assim em pares de opostos, de tudo acontecer assim em possibilidades dentro das impossibilidades ou vice e versa. Os melhores e os piores ao mesmo tempo, tudo ao mesmo tempo dando um cansaço insustentável, sem nenhuma leveza no ser.
Eu que queria voar, rastejo sobre a terra, queria desenhar e pintar e tenho que ler Kant. Queria que ele fosse vivo para ler o que escrevo. Queria que eles todos, os filósofos estivessem vivos e eu escreveria a eles sobre voar e rastejar, arrastar-se na vida sem saber aonde vai dar. E cansado.
Um Objeto Rastejante Não Identificado, melhor definição que recebi até hoje, por ser objeto, por rastejar e por não se identificar com nada ao mesmo tempo que se identifica com tudo.
Escrevo cartas, poemas, eu escrevo como se houvesse alguma verdade ou alguma verossimilhança da realidade com a verdade, alguma coisa muito além de todas as vicissitudes humanas.
A única realidade que me é palpável é que estou sozinho e aprendendo aos poucos e cada vez mais a viver assim. E sei que assim será.
Minha maior aventura é essa quietude, esse recolhimento, esse aprofundar-se para dentro de si mesmo, sem medo do que vou ver, só porque não sei se vou ver.
No quadragésimo quarto ano de minha vida, tudo para trás se dissipando e tudo a frente envolto em brumas.
E amanhã eu sei que nunca mais acreditarei em profecias, e nem em sonhos.

Pois foi ainda nesse dia, o vigésimo segundo dia do décimo primeiro mês do quadragésimo quarto ano de minha vida, às 19:40, quando ela chegou em casa e me disse que queria pedir uma coisa. Eu pedi foi uma pizza, a fome era danada, e conversamos sobre tudo o que estávamos acostumados. Eu, que tinha esquecido da bendita profecia, achei de lembrar dela. No fundo, bem que podia ser ela. Mas qual o quê, até que tinha pintado um clima, mas tudo ainda sem uma solução definitiva e favorável. Foi quando lembrei de perguntar o que ela ia querer pedir. Pois ela pediu para ficar uns tempos em minha casa. Uma fração de segundos foi necessária para que eu voltasse um ou dois anos no tempo e tentasse até vislumbrar o futuro que incluía nós dois dividindo o mesmo apartamento, quando voltei a mim para responder rapidamente: “Claro! Claro! Quando você vem?”. Ela me respondeu que na sexta-feira. Ela não veio na sexta, eu pensei que tudo fosse besteira, que tivesse se arrependido. Mas no sábado, quando voltava do trabalho, eis que ela me liga, pedindo ajuda para carregar as malas. Dei meia volta e resumo a história aqui para dizer que sim, ela veio e ficou alguns dias, depois foi passar as férias com a família, depois voltou de novo e depois voltou em definitivo, para terminar lá os estudos.
E que estamos namorando, começamos e continuamos. Mas o resto da história só mesmo no conto, que por ora já tem onze páginas e ameaça virar um romance. Quem sabe! Quem sabe meu romance vire um romance.

Um comentário:

Anônimo disse...

"Só pra atualizar" - o eufemismo mais digno de si que eu já li...

(Quando tiver mais tempo eu leio, já que eu já sei o que está escrito mesmo...)