quinta-feira, junho 28, 2007

Cartas e telefonemas

Semanas a fio, ao sair do metrô e subir suas escadas, cortar caminho por dentro do parque, caminhando por entre as árvores, já penso na caixa de correio do prédio. Dia após dia examino a correspondência, a procura de uma carta com aquela letra tão conhecida, meu nome escrito de um lado, do outro o nome dela, nome que se refere a uma pessoa, pessoa que não me sai do pensamento. Não veio nenhuma carta.
Não me aborreço. Ela não tinha dito que seria de outra forma. Mas nada me impede de esperar, e todas as esperanças tem que ser como são, essas coisas tolas que cultivamos no pomar das contingências.
Nos falamos por telefone, quinzenalmente. E semanalmente, dependendo das necessidades. E é caro. Mesmo a vinte e cinco centavos por minuto, fica caro. Mesmo porque tem muitos minutos em uma hora e meia ou duas de conversa. Mas falar ao telefone, ainda que seja muito bom, não é a mesma coisa. Conversa à distância, ouvir a voz e não ver a boca que a emite. Além disso, o telefone é o engodo, faz de conta que aproxima, mas distancia, este lá e cá, estar à mercê da distância, o telefone faz você querer muito mais o que está longe com a ilusão de que está perto. E tem sempre a razão que quer ser rápida na resposta, mais rápida do que o sentimento de ouvir ao longe uma voz familiar que sai da boca de uma mulher que se ama. A razão toma a frente de tantos outros sentimentos e luta contra todas as sensações. E a razão à distância é muito mais danosa, porque não se vale do olhar, do olfato, do tato. Então ela, a razão, impera e coloca todo o sentimento no calabouço do castelo da distância. E não cuida nem da saudade, mistura as palavras, escolhe-as, seleciona-as, faz com que passem todas por seu crivo. Uma pequena parcela do tempo custa vinte e cinco centavos, a razão tem pressa e pensa no amanhã. A razão me consome as palavras, me faz esquecer que eu levaria menos de três segundos para dizer “eu te amo”.
Escrevo cartas. Gosto de escrever cartas. A razão interfere apenas na grafia das palavras, na sintaxe dos períodos. E descuida do sentimento. A razão é burra, fria e insensível. Ainda bem. Gosto de escrever cartas, porque sempre é no silêncio e na solidão, na intimidade que não reconhece distâncias no tempo ou no espaço. E o papel marcado pela tinta tem o poder de levar junto muito do que nem se ousou sonhar dizer, leva uma parte do que se é e do que se sente, leva muito de poesia que paira ali sorrateira, e no distraído ato de escrever se derrama: eu te amo.
A saudade é um pouco de tudo isso, esses passos na escada, esse atalho pelo parque, a busca fiel na caixa de correspondência, essa capacidade de não se aborrecer, e nem de se entregar, essa necessidade de encher folhas e folhas de papel, que vão lacradas e protegidas em sua intimidade num envelope que leva um selo, que ao sair de minhas mãos passa de mãos em mãos a procura de suas mãos, de seus olhos que reconhecerão a letra, que entenderão as palavras, que saberão quem é que fala.
A carta. Eu derramei as palavras que transbordam. Toquei e marquei a tinta o papel que você toca. E sofri o que você lê. Encerrei no envelope toda a saudade exatamente do jeito que ela é, essa dor aguçada pelo avançar das horas na madrugada, esse silêncio e esse vazio no apartamento. Os passos na escada, o olhar por entre árvores do parque, a caixa de correspondência que não me fala de você. E algo em mim que nunca se aborrece e nem desiste de querer saber.
Algo em mim que não me deixa esquecer que todas as cartas dizem eu te amo.
Eu te amo. Noventa centavos por dez páginas que viajam setecentos quilômetros.

Um comentário:

Unknown disse...

Calma, meu mestre... assim você se tornará mais que uma referência pra mim, pois nunca encontrei quem me fizesse ter saudades assim.