sexta-feira, junho 22, 2007

Saudade no devido lugar

Meu espectro foi passear no último fim de semana. O mar continua o mesmo, fiel e leal, roçando a areia sob os meus pés, atirando-se em minha direção desmanchado em espumas brancas, com sua maravilhosa sonata de uma nota só. Eu viajaria para bem mais distante, por mar, mas ainda não sei inventar um cais. O mar sempre me impõe silêncio e respeito, torna-me pequeno, frágil e indefeso. Se meu filho estivesse lá comigo, aí sim, esse grande mar ia ver só.
Uns bebem demais, falam demais, outros cansados, outros ainda arrastam para debaixo de um céu de estrelas brilhantes as mesmas neuroses, trazem-nas na bagagem. Não sei ao certo se tentam recuperar algo que perderam ou talvez algo que ainda nem conquistaram. Felizmente uns trazem violão e criança, que nos lembra sempre que há ainda muito que explorar no mundo, nós não sabemos nada. Desenhos na areia e pombos, o horizonte é um limite para a visão, mas ao mesmo tempo um convite para ir muito mais além. No fim das contas foi muito bom, mas precisamos aprender a nos levar de verdade diante do mar.
Sótão do Carlos é o mais novo link que coloquei aqui. O autor é protagonista de uma história de amor muito bela. Pelo menos inusitada e sem precedentes. Ele era muito mais garoto do que agora e apaixonado por minha irmã, que ainda escolhia o homem ideal, sei lá, procurava entre os sapos algum que virasse príncipe, quem sabe, um homem menos igual a todos os outros. Quando ela terminou com o último namorado, ele, que é nissei, estava no Japão. Mandou-lhe uma carta pedindo-a em namoro já com noivado e casamento. Veio depois uma procuração dele para o pai, para casar-se com minha irmã, ele lá e ela aqui. Casada, ela teve o maior trabalho para entrar naquele país. Entrou, foi trabalhar numa montadora. Estão lá já uns oito anos, têm uma filha, nascida lá, mas na certidão consta filha de estrangeiros no país. Bárbara Victoria diz que ama o Brasil que não conhece. Eles três planejam voltar no final desse ano ou no começo do outro. Sorte que eu não tenho muitos motivos para invejar quem ama à distância e por cartas. Eu sei bem como é isso.
Esses últimos quatro meses demoraram uma eternidade para passar, e eu os senti como se cumprisse uma pena no inferno. Agora estou a um pouco mais de uma semana do tão sonhado mês de julho, férias escolares, assolado por uma inquietante expectativa, uma espécie de angústia preliminar por um futuro tão ali próximo, permeado de contingências: ou ela vem ou ela não vem. Senti todas as saudades do mundo, todas a que podia e as que não podia sentir. Repassei na lembrança cada momento com ela, cada palavra, cada gesto e cada olhar, como que para torná-los eternos. Isso foi bom, porque transformou tudo em presença, de certo modo ela não foi de todo embora, ficou dela um muito aqui comigo. Ao inferno com os rótulos que me poriam agora, dizendo que sou romântico, isso não é ser romântico, isso é amor, e já cansei de dizer que não sei senti-lo de outra forma. Uma voz conhecida ao telefone distante, vestígios dela por toda parte em meu apartamento, em minha vida, em meu ser. E, de repente, a mais completa ausência de medo. Um amor a deslizar num mar, aqui um cais, lá um porto distante, inventando naus e caravelas, nada no mar é distante, só maior do que nós.
Por sentir amor assim, não de outro jeito, lamento que não exista receita, nem manual de procedimentos. Em tantas conversas sobre relacionamentos, tenho a impressão que daqui a pouco as pessoas procurarão por amor como quem preenche uma ficha de emprego, passa por um teste e uma entrevista, depois um período de experiência, com chances de admissão. Senão é a demissão e voltar aos anúncios classificados. Bobagem. Navegar nesse mar tão grande! Nós traçamos a rota, mas não comandamos o vento.
Meu primeiro amor foi à primeira vista, o que era típico de minha época. Então tive que conhecer a moça, ficar amigo dela, desvendar as pontas de seus segredos e preferências, fazer com que gostasse de me ver e de conversar comigo. Na distração dessas sensações excitantes estava plantada a semente da paixão. E tudo isso sem receita, ou manual de instruções. Sendo a pessoa que éramos, apaixonávamos pelo que a outra pessoa era. O resultado era uma estranha e quase perfeita média aritmética de duas paixões, cujo final da equação era amor. Hoje procuram amor de hp em punho, com cálculos e projeções. Não existe nada mais horrível do que um amor previsível, sem o encanto de pequenas surpresas, sem o êxtase de novas descobertas. Lastimavelmente, os que não estão cegos e surdos estão mortos.
Meu espectro trouxe do último passeio uma linda vista do mar, de um horizonte, de um cais e de um porto. De velas enfunadas, de um vento sem controle, de um navegar sem pressa nem ansiedade. Meu espectro trouxe do último passeio um azul de céu que me cobre de tranqüilidade.
E colocou no seu devido lugar toda a saudade.

3 comentários:

Unknown disse...

Acho que no momento tenho a honra de ter sido o primeiro a ler seu post. Gostei do que foi escrito, e gostaria de me sentir assim.

ou pelo menos conseguir descrever assim.

CAVALEIRO ANDANTE disse...

Sinta-se por decreto pessoal e irrevogável. E descreva, por pura teimosia. Vemos o mesmo mundo com o mesmo olhar. Que mundo veríamos com outro olhar? E o que você me diria sobre um outro olhar, que não o mesmo, naquele seu espelho? É preciso coragem para olhar o espelho. Muito mais coragem para ver.

C@rLoS Ter@d@ disse...

Poxa....Marcão...deste outro lado do oceano estou eu, infinitamente embasbacado pela minha,nossa história estar tão escancarada e lindamente narrada por vc...pô cunhado...que coisa...
Sim, sou o sapo mais bem beijado que sua irmã já beijou...rsrs...
Nestes mares já singrados posso te dizer que amar a distância tem suas belezas e é pra lá de poético mas nada prático...muitas vezes o amor pede carinho, pede entrega, sacrifícios sobrehumanos.E que sacrifíco maior seria senão a espera do ser amado?E quando vem a nós o amor, eis que toda dor e nervosismo da ausência se esvai!
Isso me lembrou um dos livros que me surrupiaram...Fragmentos do discurso amoroso...tinha um capítulo só falando sobre a dita espera...
Posso te corrigir num fato da história...não pedi a Regina em casamento por carta e sim por telefone..rsrs....logo depois de receber um telefonema monossilábico dela...sabe lá o que é reconhecer a voz de um amor que a mais de anos vc não ouve,somente por dois alôs?rsrs..pois é!
Agora tristes os seres que fazem esses contratos amorosos..tendem a pedir controdata ou vão a banca rota fácil fácil...lhes falta o principal...emoção,aquela justa emoção de pegar um barquinho, e os dois se lançarem em alto mar sem amarras e nem cais pra chegar...somente um mundo a bisbilhotar!!
Abraços Marcão!!