segunda-feira, janeiro 14, 2008

Há música

Agora são apenas os rostos da minha imaginação. As mulheres que eu amo são as que eu desenho, as que me olham do fundo da pasta, aquelas que têm seus mais enigmáticos olhares. O limiar da falta de lucidez será estar próximo de uma certa loucura. Bobagem! É só este convívio com uma duradoura solidão, esse silêncio sempre absurdo dentro de mim, essa aceitação de todos os fatos inaceitáveis. Não vai haver ninguém pelo caminho, ninguém para tomar pela mão, ninguém para dividir a tristeza de momentos tão felizes. Ninguém para compartilhar esse olhar que se perde na madrugada, lua e estrelas, a noite e sua escuridão, seu silêncio, imensa quietude, ninguém com um abraço que me aproxime de todos os medos do mundo e que me afaste de mim mesmo.
Tristeza, é sempre mais tristeza do que solidão. tristeza por tudo e por nada, por tão pouco, muito pouco. E aceitar tudo isso como se fosse uma dádiva, acalentar a tristeza porque sua existência é verdadeira e necessária, mais do que a improvável felicidade.
Não mais fingir, não mentir a cada olhar no espelho, não se deixar enganar por tantas coisas tão tolas e inúteis.
Nenhum lugar cabe em mim, nenhuma distância me percorre, nenhuma mão me alcança, nenhum olhar me atinge em cheio para dar um sentido a existência. Existir não faz o menor sentido e o medo dessas palavras agora faz menos sentido ainda.
Os sonhos, sempre os sonhos. Sonhar de olhos abertos até que se quebre o enorme silêncio e eu possa dormir. Aquela vontade de nunca ir a lugar nenhum, não ver sequer uma pessoa que seja, não ouvir mais nada sobre tudo e qualquer coisa, entregar-se ao silêncio, a mais absoluta das forças da natureza. Apagar meu nome de todas as bocas, banir minha imagem de todas as lembranças, tirar minha vida de toda essa história. Eu preciso ir, encontrar de vez o que vim fazer aqui. Eu preciso ir para bem longe, onde todas as distâncias não irão fazer nenhum sentido.
Esquecer a vida e seu sofrimento, essas lágrimas sempre derramadas em vão, essa dor no meio do peito tão indecifrável, esquecer toda essa vontade de amar tão incontrolável. E nascer de novo na manhã que se avizinha, nascer novo, outro que não eu mesmo. Para que me conheçam menos ainda, que não saibam nada, e para que possam ter a certeza de que nunca vão me conhecer.
Agora sei que sou a tristeza. E na tristeza de ser isso, sou o desconhecido.
Ainda bem que há música e alguém que ainda saiba ouvir a música que há. Sim, uma nota triste de um violino aqui, um rufar de tambores ali, anunciando um espírito revolucionário. Eu não prestava atenção às minhas próprias palavras, quando me contam, escuto-as de modo diferente, como se não fosse eu, mas talvez um eu como uma centelha no coração de outros. Ouça quem sabe ouvir. Ouvidos para quem tem sensibilidade. Sensibilidade para quem é capaz de viver. E vida para quem ainda é capaz de sonhar. E sonhos para quem se atreve a viver.
PS.: O final quase perdido:
"Ainda bem que tudo pode soar às vezes como música, uma nota triste de um violino aqui, um ribombar de tambores revolucionários ali, talvez algo mais, piano e metais, sinfonias para quem tem ouvidos, ouvidos para quem tem sensibilidade, sensibilidade para quem sabe que está vivo e pode estar. E vida para quem ainda é capaz de sonhar. E sonhos para quem é capaz de viver."

Um comentário:

CAVALEIRO ANDANTE disse...

O final dessa postagem era o que coloco nesse comentário, que eu perdi no computador, mas o blogger tinha recuperado num rascunho:
"Ainda bem que tudo pode soar às vezes como música, uma nota triste de um violino aqui, um ribombar de tambores revolucionários ali, talvez algo mais, piano e metais, sinfonias para quem tem ouvidos, ouvidos para quem tem sensibilidade, sensibilidade para quem sabe que está vivo e pode estar. E vida para quem ainda é capaz de sonhar. E sonhos para quem é capaz de viver."