terça-feira, maio 15, 2007

Ataraxia

Estava agora olhando para as construções do Páteo do Colégio, onde fomos parar naquele nosso passeio no Centro. Da janela do escritório, minha prisão domiciliar, ou melhor dizendo, laboral. Fui dormir ontem tarde, muito tarde. Na cama, no escuro, pensei nos papéis enrolados ao lado da estante. E nos pincéis e tintas guardados no armário. Do lado, a prancheta desarmada. Amanhã à noite vou pintar. Há dias atrás, lendo e lendo muito, tomando notas, percebi que minha criatividade adormeceu. Ontem quis acordá-la. Eu a acordarei hoje à noite. As cores no papel branco, a mente esvaziada de tudo: ataraxia.
Ataraxia. Mesmo antes de conhecer essa palavra, sempre soube buscar uma certa ausência de preocupações. Ser nada diante de tudo em volta.
Coleciono os grandes pintores, livro que vem com o jornal de domingo. Van Gogh, Cézane, Da Vinci, Monet, Goya e Picasso, os seis livros que me perturbam o sono. E coleciono meus próprios desenhos, que vez por outra saem das pastas. Gosto muito desse movimento que agora me possui, esse ir e vir e nunca saber onde se está. Ataraxia, ausência de preocupações, a mente vazia, o nada, nossa essência, buscar o deserto, para nele se encontrar.
O mundo é muito rápido e muito fugaz. Violento. O mundo tem tudo o que não precisamos precisar, labirinto onde nos perdemos. O mundo é barulhento. O silêncio é onde nascem minhas mais importantes inquietações. Tagarelice, preste atenção à sua volta, que tudo é só tagarelice. Ninguém sabe de mim, ninguém sabe de você, ninguém sabe de ninguém. Precisamos aprender o silêncio para aprender a palavra que realmente importa, na hora que importa.
Por trás dos prédios há um céu, há terra embaixo do asfalto, há vida lá fora, lá fora de nós mesmos, há muita vida. Há vida a não ser isso tudo que nos disseram que é vida. Mas não vou arriscar, não é simplesmente ir morar no campo ou na praia, uma casa na montanha, há vida nas veias, correndo e pulsando a despeito de todas as vicissitudes humanas. Não vou arriscar, não é a plenitude de tudo quanto é material, bens de consumo e estados do ser. Há muito mais vida e a vida não pode ser só isso.
Meus passos flutuam pelas ruas, meus olhos devoram pessoas, meu olhar alimenta-se de olhares estranhos. E tão familiares... E nada me é tão familiar. Estranhamente.
Acordei hoje e estou vivo. Escolha minha. Ausência de esperanças e temores: desespero. É bom não crer em nada, nada esperar e nada temer. Falsas todas as crenças e esperanças, infundados todos os temores. Vazio e escuridão, silêncio e solidão: labirinto.
Asas de Ícaro, nem tão perto do sol, nem tão perto do mar, nas alturas. Só o vôo. Voar.
Ausência de preocupações. A vida segue seu curso e não somos donos do vento, o tempo nos precede e nos perpassa. O tempo nos consome devora a tempo de nos consumirmos e sermos devorados. Tudo além não passa de uma noite escura. E silenciosa.
Tudo a tempo, a seu tempo.
Ataraxia.

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