quarta-feira, maio 02, 2007

Sem inspiração

Dizer que venho sempre aqui para dizer nada.
O que é o mesmo que mostrar a nulidade da vida de às vezes quase sempre. Minha mesa de trabalho (a de casa, porque a chamo assim) é o retrato do maior desnorteamento a que estou entregue. De um lado uma pilha de livros, do outro uma pilha de papéis, no meio sempre uma prancheta com papéis para uma idéia nova, mesmo as mais furtivas, os papéis para um desenho e os lápis e canetas. Tudo ali, como se a inspiração viesse sempre quando se quisesse, do nada. E a dura descoberta de que a inspiração vem sempre de algo bem dentro de nós. Nosso arcabouço de leituras do mundo e da realidade. Um feriado inteiro e nada veio. Quatro dias em casa e as únicas idéias aproveitáveis foram lavar e secar e passar roupa, ir ao mercado, depois dormir um pouco. Dar um descanso para a mente que parece querer mesmo só isso: descanso.
Olhar em volta e ver que o tempo passou, que envelheci, que meus sonhos ficaram embotados, meus passos erráticos me levaram a estranhos caminhos, até aqui, onde estou diante do nada, nada que sou e nada que construí.
Não sou artista, desenhista ou pintor, não sou poeta, escritor, nem filósofo e nem projeto de filósofo. Sou esse personagem estranho perdido entre papéis e livros.Agora o que fazer?
Ler os livros e acariciar os papéis com as canetas, numa incompreensível teimosia. Falta luz num túnel que também falta. Falta um norte nesse deserto infinito.
Durante toda a vida há essa especialização horrenda, a de não-ser. E não sendo, segue-se querendo ser menos ainda. Haveria férias para esse mundo. Não quero ser bem informado, saber o que anda passando pela TV, o que deu nos jornais, não quero saber nem a previsão para o tempo de amanhã. Será sempre uma grata surpresa passar calor ou frio, tomar chuva. Não dá para acompanhar a programação do mundo, do lado de cá da janela do escritório.
A verdade é que eu odeio trabalhar. Se há quem goste e crê mesmo que isso dignifica o homem, que trabalhe por mim.
Também acho que vivemos um mundo de faz de conta e nele vamos enganando e sendo enganados. Faz de conta que lutamos por um mundo bem melhor. Pegue o seu crachá ali adiante e vai fazer de conta nesse teatro grotesco. Somos todos felizes e esperançosos, teremos nossa recompensa no céu, a vida é bela, tudo vai acabar bem. Façamos isso, então, nesse horrendo faz de conta.
Sabe o que me importa desse mundo, muitas vezes? Nada! O que o papa veio fazer no Brasil? O que fez ou que está fazendo George Bush? Como anda a guerra no oriente médio? Qual o ministério atual do Lula? Como anda a democracia na América Latina? Será que a China vai mesmo dominar o mundo? Qual é a última do nosso glorioso prefeito? Blá Blá Blá!
Eu já vejo toda a realidade de que necessito pelos olhos de terceiros. Quero a ver a de que não necessito, pelos meus próprios olhos. E necessitar dela.
Vivemos a era da imposição de conhecimento e informação. E é por isso é que somos medidos. Não tenho argumentos para criticar isso e, na falta deles, uso da minha mais fina rabugice: enfiem todo esse mundo no cu.
Agora entendo porque Wittgenstein foi viver numa cabana de pescador em Galway, na costa irlandesa, um pouco antes do fim de sua vida.
E onde ele mandaria a gente enfiar o mundo com todo o conhecimento e a informação nele contidas.

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