sexta-feira, abril 27, 2007

Platonismos platônicos

Eu te amo porque não sei fazer outra coisa.
E não há nada que eu faça sem que pense em você, sem que considere que sua existência e a minha se encontram e reencontram em algum lugar no tempo e no espaço. Quando se desencontram no espaço, recorrem ao tempo, com o recurso da reminiscência, esse receptáculo das lembranças que nos levam a proferir quase sempre a palavra saudade.
Se me perguntassem agora sobre o que sinto por você, não sei se a resposta seria mais poética ou mais filosófica. Mas eu acho que não teria que pensar muito.
Eu diria que eu tenho necessidade de ser uma pessoa melhor, com você. Está certo! A frase nem é tão original assim, Jack Nicholson disse a Helen Hunt em “Melhor é Impossível”. Mas a frase é bastante apropriada, porque é a melhor maneira de tentar descrever um sentimento que se poderia reputar indescritível.

Não falemos, aqui, de relacionamentos perfeitos, os quais não existem. Relacionamentos perfeitos seriam algo que só poderia ocorrer entre duas ou mais pessoas perfeitas, que também não existem. Que ótimo! Sem ironia, isso é mesmo ótimo. É perfeito poder concluir que as pessoas não são perfeitas. E que, imperfeitos, somos pessoas.
Nada de pessimismo nisso tudo. Só a constatação de que somos, no fundo, todos platônicos. Nossas buscas, ainda hoje, nos levam ao mundo ideal de Platão. Rejeitamos nossas sensações, pelos mais variados motivos, e buscamos o ideal. A idéia de perfeição é platônica. Assim como a idéia de justiça, bem, amor, felicidade, deus. E a idéia de rejeitar nossas sensações, e o deleite de poder ter essas sensações, é por demais cristã, o que é pior.
Quando alguém diz “felicidade não existe”, ao contrário de ir contra a concepção platônica acima referida, só faz corroborar essa concepção. Afirmar a inexistência da felicidade é, antes, afirmar a impossibilidade de atingí-la. Porque uma afirmação dessa esconde em seus meandros várias outras pequenas definições, tais como “felicidade não existe, o que existe são momentos felizes”, “o amor não existe”, o mesmo que se poderia dizer da justiça, do bem, a virtude, da perfeição, e por aí vai. Nega-se aquilo que não se tem certeza de atingir.
Afirmar, e acreditar nisso, que a felicidade não existe, é colocá-la como meta, e como uma meta difícil ou mesmo impossível de se atingir. E esse nem é um “bom platonismo”, é o platonismo para o povo, presente que ganhamos do cristianismo, na formação de nossa consciência. Cristianismo que diz para aceitarmos aqui nossas precariedades para ganhar nosso prêmio no além. E o além é o maior dos motivos de nossas insatisfações.
O resultado disso tudo são pessoas insatisfeitas, porque não sabem nem se relacionar com o mundo sensível e nem com o inteligível. Pairam suspensos nesse limbo, entre o céu e o inferno, agradecidos pela invenção do meio-ermo chamado purgatório.
Porque somos todos pecadores. Tudo o que somos, desejamos e pensamos é pecado. Ou seja, nós nunca atingiremos a perfeição. E nos nunca seremos felizes.
Então eu digo, esqueça a felicidade e viva. Ame, e ame intensamente, sem pensar no amor. Goze, sem pensar que perde o paraíso, que se afasta de deus, mas goze sobretudo sabendo que se aproxima de si mesmo.

Quer fazer alguma coisa, vá lá e faça. Não quer fazer, não faça. E arque com todas as conseqüências.

Eu amo você porque não sei fazer outra coisa. Porque é o que eu quero fazer, sem a preocupação de precisar, para tanto, encontrar desculpas ou justificativas para isso. Eu amo você porque você é a melhor pessoa que me cruzou o caminho, com suas qualidades e defeitos, com suas limitações, com suas indas e vindas, com suas quedas e seus vôos, com sua vida. Eu amo você exatamente do jeito que você é.
O romantismo é um platonismo? Pode ser. Mas é parmenídico e heraclitiano achar que as coisas ou são ou não são e que estão em eterno devir. Foi Platão que errou no parricídio de Parmênides? Ou em tirar a média aritmética dessas duas concepções aparentemente antagônicas, para construir sua própria concepção do mundo. Nada disso. O devir de Heráclito descortina o caráter irrefutável do mundo sensível. E o uno e imutável de Parmênides nos dão a idéia da essência das coisas. Platão colou dos dois e o cristianismo o interpretou a seu modo.
Mas não preciso de tanto “filosofismo” para dizer uma coisa como “eu amo você porque não sei fazer outra coisa”, basta que eu saiba que esse é a melhor forma de sentir uma coisa como essa, e que não pode haver outra. Basta dizer que não quero de outra forma, que é assim mesmo que as coisas se apresentam, sem ser uma forma de impasse para o pensamento ou para o sentimento.
Se uma linguagem filosófica me coloca distante da consciência disso, pelo menos uma linguagem poética me colocaria menos distante, que é a mesma coisa de dizer mais próximo, como queiram.
O amor e a filosofia, e a felicidade deles advindas, não são, portanto, valores absolutos que atingimos com uma séria e custosa ascese. Não são tão absolutos a ponto de pairar no absurdo de uma altitude inatingível por nossa razão ou nosso ser. Mesmo porque são tudo aquilo que se nos apresenta no dia a dia, de maneira tão mais simples do que imaginamos, sobretudo esse tal de amor e essa tal felicidade. Talvez a filosofia demande um pouco mais de dedicação e trabalho. Mas também não é um arcabouço de verdades inatingíveis.
Então, eu te amo porque é exatamente essa a coisa que quero fazer. Porque você é a melhor pessoa que apareceu exatamente nesse momento. Uma pessoa que minha pessoa soube estar bem ao seu lado e cogita ainda querer ser uma pessoa melhor do que se possa, do que se é.
Isso acontece, às vezes, de a gente estar distraidamente muito atento às aparentemente pequenas coisas que podem tornar essa vida melhor.
Eu te amo porque você tornou minha vida melhor.

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