segunda-feira, abril 23, 2007

O blog e a agorafobia

Engraçada essa vida de brincar de blog, de postar em blogs. Somos todos escritores (ou filósofos) e nenhum de nós é uma coisa ou outra. Imagino, agora, quanta coisa se coloca na rede, esse imaginário imaginado de pessoas conhecidas e anônimas, essa necessidade de sair do anonimato, permanecendo nele, com segurança e convicção. Quem sou, o que eu penso, o que desejo. Isso tudo de todo mundo está por aí, tão bem espalhado e declarado. E continuamos anônimos, ilhados.
Gosto da imagem do náufrago e já falei muito dessa imagem. Estamos cada qual a seu modo, ilhados diante dessa “janela” brilhante para o mundo, vendo e falando de tudo com todos, mas solitários. Náufragos.
Uma agorafobia muito bem fundamentada. Vejam só!
Eu não tenho medo do mundo, eu o enfrento com minhas palavras, eu tenho um blog e digo o que eu quero, sem censura, sem medo. Porra nenhuma! Eu me escondo atrás de uma janela de luz, mágica, como um náufrago numa ilha onde só cabe um: eu mesmo.
Mas estou falando mesmo de mim, ou o que eu acho que é falar de mim, construindo uma representação para outro, e muito longe de ser capaz de tirar minha “última máscara”. E se eu não me encaro, eu me mascaro. Por mais que eu conheça todas as minhas máscaras, isso nunca significa que eu não esteja envergando uma, sempre!
Tenho lido alguns blogs por aí. E, neles, as pessoas falam de um mundo, de um mundo grande e abrangente, mas pequeno suficiente para caber umas duas ou três vezes na rede virtual. Quer dizer, a rede é maior que o mundo. Mesmo assim, tantos mundos não cabem na rede.
Pois a rede, com seus blogueiros e afins, os usuários de internet (e afins), também cria um mundo. Aliás, muitos mundos, talvez uns dois ou três para cada pessoa.
Percebo que há um mundo de que não faço parte. Lendo muitos desses blogs, mapeando os mais variados interesses, vejo que todos eles parecem ter assunto, quando falam dos eventos desse mundo próximo do real em que tentamos viver. Os escritores virtuais sempre estão a fazer referências aos eventos desse mundo. Eu prefiro o mergulho interior, mesmo quando falo desse mundo, ou do que acho que seja esse mundo.
E, nesses meus mergulhos, o que escrevo quase não tem nomes, a não ser de pessoas que conheço e das que queria conhecer, dos assuntos que sao mais meus do que dos que vao ler. Quase não tem eventos sobre os quais muita gente tem conhecimento. Estou há três anos sem TV, o que me dá a inconveniência de não ter visto os últimos filmes, única coisa que me faz falta. Mas, por outro lado, isso me proporciona a devida desinformação a respeito de quase tudo. Não leio jornal e nem revistas noticiosas. O mito da informação não faz mais efeito sobre a minha reles pessoa. Uma promotora de telemarketing, a serviço de um grande jornal, quis, um dia me vender uma assinatura. E ficou estupefata com esse meu estilo de vida: “Como você vive sem nenhuma informação?” E eu, devolvendo: “E você, como vive com tanta informação?” Não há fome maior e pior do que não poder se nutrir de tudo que se quer.
É necessário que nunca se confunda “informação” com “sabedoria”, ainda que seja aceitável que não se pode encontrar ninguém que seja sábio sem qualquer tipo de informação. Dependendo dos interesses, muitas das informações não passam por um suposto exigível filtro. Então eu sei que, na atualidade, a informação tem lá seu peso, sua importância. Mas também devo saber que algumas informações não têm importância nenhuma. Na verdade, conheço muita gente bem informada que não é culta. Colecionam informação sem nenhum senso crítico e, desse modo, passam adiante como que para estarem conectados no mundo.
Conectado”. A palavra da atualidade é essa. Temos milhões de pessoas conectadas com o mundo e desconectadas de si mesmo, do outro. Senão vejamos, bastava dar uma olhada nos orkuts, alguns blogs, msn, e-mails, para perceber como as pessoas enchem a caixa de mensagem de tantos outros, deixando encher a sua, e mesmo assim esvaziam-se. Isso mesmo, somos uma geração vazia. Não tem nada mais irritante do que aqueles e-mails repassados, geralmente com aqueles pps entendiantes, verdadeiros “livros de auto-ajuda” on line. Ou senão aqueles sobre ajuda a pessoas doentes, geralmente crianças. Faz-se caridade do lado de cá da tela. Emocionam-se, acham um absurdo atrocidades. Mas ninguém vai à praça pública.
Somos a geração da agorafobia. O espaço público, aberto, de convivência cara a cara, há muito, perdeu o prestígio. Somos a geração do interesse à distância. Melhor modo de dizer isso, é que somos a geração da distância. Inventamos e aperfeiçoamos todos os intrumentos para aproximação com o outro, mas seu uso causou estranhamente o efeito contrário de o uso desses instrumentos estabelecer e favorecer a distância, esse afastamento entre as pessoas.
Eu passo oito horas por dia trancado dentro de um escritório, o que não é minha cara. E pensando e fazendo coisas que não faria em outro lugar e das quais nem gosto tanto. Se ninguém medir o grau de prazer nas atividades profissionais, podia-se exigir que se colocasse um item na CLT sobre insalubridade. Uma indenização por parte das empresas aos funcionários aos quais ela causa insatisfação, estresse e infelicidade.
No entanto, sei que há um mundo lá fora. As pessoas saem, bebem, conversam, se divertem, dançam, cantam, fazem academia, vão ao cinema ou ao teatro ou ainda a um concerto, visitam amigos, parentes ou aquelas que simplesmente ainda gostam de andar a pé por algumas avenidas e parques, essa coisa rara que é gostar de passear.
E tem gente que vai para casa, conversa com seu cônjuge, com seus filhos, cuida de seu cão ou gato, passarinho ou peixe ou das plantas. E encontra prazer e satisfação em suas ilhas, onde naufragamos, de uma forma ou outra. Pessoas que tocam a vida, vivem e se relacionam com a vida da melhor maneira que puderem.
Como grande parte do dia é tomada pelas atividades profissionais insalubres, salvo aqueles poucos que fazem o que gostam, resta às pessoas a noite, que é quando é possível encontrar aqueles que não se escondem por trás dessa tela brilhante. À noite as pessoas são tudo aquilo que é mais próximo de uma busca do que de uma fuga.
Dá um trabalho conviver com as pessoas à noite, nos bares e festas, salões dançantes, salas de cinema e de teatro ou simplesmente passeando pela cidade. Mas é um trabalho para o qual dedicaria muito mais horas do meu dia, se fosse possível, e dispensaria o adicional de insalubridade.

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