segunda-feira, agosto 20, 2007

Agosto Setembro Outubro


Saudade de palavras que vêm lá de além do sol, saudade tanta, que temo entrar numa espécie de catástrofe psicológica. Pois é, tem algum silêncio que me incomoda, ou me deixa assim a sentir falta de algo para a vida parecer, às vezes, um pouco melhor. E nem sinto vontade de escrever aqui quando demora para ler um post que vem de lá. Mas vou tentar, com umas coisas que andava em minha cabeça por esses dias.
Andava atrás de uma letra de música, muito bem cantada por Mercedes Sosa, de quem já tive oportunidade de falar por aqui. Encontrei-a dias desses em uma pesquisa ou outra pela internet, num site com mais de oito mil letras. Eu ouvia a musica e não sabia o que dizia, embora soubesse de quem falava. O título da música é “A Victor”. E esse Victor é Victor Jara.
Todas essas coisas me levaram a algumas coincidências de data. Mas antes disso, há alguns domingos atrás, dia dos pais, lembrei do meu, que nasceu em 1933 e morreu em 1985, um dois meses antes de completar 51 anos. A última vez que o vi com vida foi no Hospital da Beneficência Portuguesa, eu minha mãe íamos visita-lo. Levamos um susto ao entrarmos no quarto no dia de sua cirurgia, ele não estava na cama e havia sangue no lençol. Quedamo-nos em silêncio alguns instantes e ele saiu do banheiro. Estava preparado para a cirurgia, o sangue era de uma espetada de agulha. Ele sentou-se na cama, e eu aos pés, observando seus pés inchados. Perguntei alguma coisa sobre o que seria aquilo. Disse que era por causa dos problemas nos rins. Ele tinha cálculos renais e mais um monte de problemas dos quais nem mais me lembro, foi tudo escrito no atestado de óbito. Não quis mais ver uma cópia, não sei onde está a minha. Depois disso, um silêncio imenso se interpôs entre nós. A única lembrança que tenho é de ter olhado profundamente em seus olhos tão azuis, um olhar que dispensou qualquer palavra, que disse tudo, sem que se tivesse que usar de qualquer palavras. Uma despedida, talvez, um adeus, um até breve. “Daddy's flown across the ocean”.
Ele não viu os netos que lhe dei. Eu fico imaginando como seria ele me ver pai, pai como ele, eu e ele, um filho e dois pais. Saudade dos mais belos blue eyes.
A canção, eis a letra aí embaixo. Coloquei uma tradução, ainda que não seja muito difícil. Sempre me impressionou mais a morte de Victor do que os perigos de sua vida. Líder da canção nova, nascido em 28/09/1932, um ano antes que meu pai e alguns quilômetros muito distante. Dando uma olhada em sua biografia, cheguei a uma outra data interessante, 11 de setembro. No caso o ano é 1973, golpe militar no Chile. Morto Allende, sobe ao poder o general Augusto Pinochet, que era da confiança de Allende, nomeado por ele. Mas que mudou de lado. E no dia 16 de setembro daquele mesmo ano, os militares colocavam o povo no Santiago Stadium (por que “Stadium”?) e entre eles, Victor Jara, que animava a população estarrecida com suas canções e seu violão. Um soldado o mandou parar de cantar, ele não obedeceu, cortou-lhe as mãos. Entre gritos de dor, entremeava versos de suas canções de protesto. Calou-se com um tiro fatal na cabeça. Como negar que essa canção na voz de Mercedes Sosa me emociona?

No puede borrarse el canto
con sangre del buen cantor
después que ha silbado el aire
los tonos de su canción.

Los pájaros llevan notas
a casa del trovador;
tendrán que matar el viento
que dice lucha y amor.

Tendrán que callar el río,
tendrán que secar el mar
que inspiran y dan al hombre
motivos para cantar.

No puede borrarse el canto
con sangre del buen cantor,
tendrán que matar el viento
que dice lucha y amor.

Tendrán que callar el río,
tendrán que secar el mar
que inspiran y dan al hombre
motivos para cantar.


Tendrán que parar la lluvia,
tendrán que apagar el sol,
tendrán que matar el canto
para que olviden tu voz.

Não pode apagar-se o canto
com sangue do bom cantor
depois que assobiou o ar
os tons de sua canção.

Os pássaros levam notas
a casa do trovador;
terão que matar o vento
que diz luta e amor.

Terão que calar o rio,
terão que secar o mar
que inspiram e dão ao homem
motivos para cantar.

Não pode apagar-se o canto
com sangue do bom cantor,
terão que matar o vento
que diz luta e amor.

Terão que calar o rio,
terão que secar o mar
que inspiram e dão ao homem
motivos para cantar.

Terão que parar a chuva,
terão que apagar o sol,
terão que matar o canto
para que esqueçam tua voz.


Naquele ano, o de 1973, eram iniciadas as obras das Torres Gêmeas em Manhattan. Aquelas mesmas que em 11 de setembro de 2001 foram abatidas por dois aviões num atentado terrorista. No dia anterior, eu trabalhava em Campinas, atendendo mutuários de minha companhia. E na manhã do dia 11 fomos dispensados do trabalho porque o prefeito da cidade tinha sido assassinado. Voltei ao hotel e liguei a televisão. Ali estava uma das torres queimando e os repórteres não sabiam nada, se era só um incêndio ou o que, até que vi, na tela da tv um avião rasgando o espaço aéreo que estava interditado, meus olhos grudaram-se na tela e estarrecido, vi o avião chocar-se.
Estava acabando o mundo? Liguei para casa, para saber se estavam todos bem, minha esposa e meus filhos. Podia ser uma operação global, podia ser a terceira guerra mundial.
Mas o 11 de setembro que mais me interessa agora é o próximo. É o aniversário dela. Minha namorada que vive tão longe de mim. Mas depois falo disso.

Faltou agosto. Tirando que nunca consigo esquecer as duas bombas atômicas atiradas sobre o Japão, em Hiroshima em 06/08 e em Nagasaki em 09/08/1945. as fotos dos cogumelos que eu via nos livros de história sempre me encheram de medo. Um dia destruímos tudo, para descobrir que não construímos nada.
Mas agosto tem uma outra data, o dia 05, mais precisamente 05/08/1962, eu já tinha nascido há uns seis meses, e ela morria aos 36 anos em Los Angeles. Andei olhando aqui pela internet muitas fotos dela, incrivelmente linda, incrivelmente mais maravilhosa do que podemos imaginar que fosse. Seu nome: Norma Jean Baker, nascida em 01/06/1926, sete anos antes de meu pai, seis antes de Victor Jara, mais conhecida dos menos aficionados como Marilyn Monroe. Vi também alguns vídeos postados no Youtube. E me deu a estranha impressão de que ela gostava mesmo de sorrir, algo denunciou isso, porque ela sorria com muita facilidade. Encontrada morta e nua, dizem que foi overdose. Dizem que não. Saudade de quem não conheci, dela e de Victor, duas belezas cada qual a seu modo.
Podia agora listar muita gente que se foi e muitas datas. Bastam-me agora esses três, Pai, aos 50; Victor, aos 40; Marilyn, aos 36 anos.
Não sei como o mundo sobrevive depois de perder tanta beleza.

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