quarta-feira, agosto 01, 2007

Odeio o amor à sabedoria

A realidade é feita assim, dessas imagens ilusórias. Ou talvez as ilusões se façam de realidades momentâneas, fugidias. Lucidez é a maior das ilusões. E sabedoria, a mais vã das aspirações humanas.
Por isso é que prefiro a linguagem poética, muito mais que a filosófica. Fora aquela, somente a linguagem matemática, que para mim não deixa de ser também poética.
Quando foi que sumiu da cultura humana o matrimônio? Há dez anos, vinte, trinta ou cinqüenta? E a virgindade, começou a sucumbir nos anos 60 ou 70, mas quando é que teve o golpe final? Certo é que há pessoas ainda hoje em dia que se casam, assumindo o matrimônio indissolúvel. E certo também é que há quem ainda guarde a virgindade, talvez para um momento sagrado, para a realização de algo que ainda chamam noite de núpcias, precedida de uma cerimônia que envolve smokings alugados, belos vestidos, véu e grinalda. Com certeza, não podemos precisar quando foi que tudo isso perdeu o sentido e o significado que outrora ostentavam.
É muito reconfortante ver que as pessoas hoje são livres daqueles velhos preconceitos e tabus, todos desnecessários, diga-se de passagem. Livres dos grilhões dos afetos, dos sentimentos exclusivos por uma única pessoa, daquelas tolas esperanças de um amor eterno, algo que soe bem com um “até que a morte os separe”.
E não é difícil entender como tudo aquilo atrapalhava o uso do corpo na obtenção do prazer. De um lado a sexualidade aflorando, de outro o imperativo da virgindade, senão da castidade e da pureza. Sexo era feio e sujo, mas se consentido por um ritual e praticado com fins da reprodução da espécie humana, justificava-se, tornava-se belo e puro, aceitável, plenamente aceitável. E depois, a união entre duas pessoas tinha que ser meticulosamente pensada, afinal era com essa pessoa que se viveria até a morte os separar.
A vida era chata, eu sei, era preciso conter os desejos, o prazer era justificável somente para povoar a terra, segundo o mais divino dos planos.
Então foi ótimo, e muito, livrarmo-nos de tal empecilho. Estamos no século vinte e um e não podemos viver ainda com estruturas nascidas lá tão longe, bem no meio da idade média. Somos bem mais sábios que nossos ancestrais.
Só que eu gostaria que fôssemos também mais poéticos. Nada indica que a queda desses preconceitos e tabus implicasse na eliminação pura e simples do amor. Sim, os afetos, aquele amor que não se sabe se é para sempre, mas que é tão bom enquanto dura. Mesmo porque temos a oportunidade de outra tentativa, sem o peso na consciência de viver permanentemente em pecado.
Creio que os libertinos amavam e lutavam contra a repressão ao corpo, o repúdio vigente ao prazer e o represamento desnecessário do desejo. Não sei se por eles, ou por quem os seguiu durante tanto tempo, libertamo-nos desse inferno. Mas somos hoje o oposto deles, completamente, libertos dos preconceitos e tabus, no mais pleno gozo dos nossos direitos ao prazer e livres para o desejo, o que fizemos foi somente renegar o amor, ou o simples afeto. Para conquistar essa liberdade tão corpórea, por assim dizer, tivemos que reprimir o amor.
Pois é, ninguém mais ama, só deseja, só quer, só goza. E quem não o faz é logo tachado de romântico, como se esse alegado romantismo fosse uma praga, uma doença contagiosa, um defeito de caráter ou o pecado da vez.
Fui muitas vezes em minha vida acusado de romantismo, sempre tachado de incorrigível romântico. Esse rótulo e esse rotular esconde um medo presumidamente tão sábio de não encarar os sentimentos que não conseguimos varrer de nossa vida.
Na verdade, não sei se sou de fato romântico. Não sei se posso ser classificado dessa forma, mesmo que o seja. Sei apenas que amo e amo não de outra forma, mas dessa única forma que sei amar. Há idealização do ser amado? Há um sentir-se incompleto? Há o desejo de se unir para sentir-se pleno? Sim. Se todas essas e outras características mais são o que definem o romantismo e o romântico, aceito a pecha, sim, sou romântico.
Mas há que se falar ainda das opiniões filosoficamente fundamentadas. Dessas, aceito várias coisas, como o caráter indissolúvel do matrimônio, que prendeu por muito tempo e a contragosto muitos casais, a sacralização absurda e anacrônica da virgindade e tudo aquilo que pertence ao mais comum dos relacionamentos, como o sentimento de posse, a perda da liberdade, o ciúme e por aí vai.
Então devo acreditar que o sábio filósofo não se apaixona, não ama, não se entrega ao amor. Tudo para ele é puramente, estritamente racional.
Acontece que estou cansado mesmo deste post, cansado de minha mente racional, cansado de prestar atenção à sabedoria vigente, que sempre me dita coisas sobre os meus mais caros sentimentos.
Amo. Amo e espero. Amo, e a pessoa amada é única. Amo e sou romântico porra nenhuma. Somente sei amar e me sinto bem assim. Excluído dessas libertinagens de butique, eu amo como sei amar e não de outro modo. E nenhum pensador é capaz de me ensinar. Amo e não tenho medo do amor. E cada vez mais odeio a sabedoria.

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