quinta-feira, agosto 09, 2007

Necessário

Agora que fiz não sei mais se penso ou não penso mais no que fiz. Quanto mais penso, mais me arrependo, e depois me arrependo de ter me arrependido. E arrepender-se do arrependimento é manter o que se fez. E o que fiz fica como está. Feito
Fiz o que não queria e fazer o que não se quer é querer o que não se faz. E muita coisa do que a gente faz, perde-se embrenhada no tempo. E no tempo embrenhada a coisa feita parece não poder ser desfeita, não volta atrás.
Minhas palavras voaram no vento de um instante fugaz. Minhas palavras juntadas uma vez como nunca antes juntadas, para dizer o que não se quer, para não querer o que se diz. Minhas palavras de mim dissidentes, rebeladas de meus anseios, traidoras de minhas vontades, esquecidas de meus mais caros desejos. Levaram num sopro minha alma, e eu fiquei casca, emprenhado desse vazio, entranhado de minhas mais absolutas incertezas, eu casca um vazio tão fundo por dentro e tanto silêncio fora, o que foi que eu fiz?
Não quis e fiz. Era necessário. E na insuportável lógica, o que é necessário sua negação implica uma contradição. E não cabe no coração a desnecessidade do que é ilógico, mesmo que não possa haver lógica alguma na necessidade de ter que fazer sempre o que não se quer.
O amor não é lógico. Não é matemático. Não pode ser expresso por uma equação e nem por nenhum tipo de proposição. Não se presta a deixar-se revelar por meio de elucubrações filosóficas. Quando muito, insinua-se entre um verso e outro da mais displicente e distraída linguagem poética. O amor não é um objeto, nem coisa subjetiva, tampouco é abstração. Talvez fosse uma força da natureza, mas nem isso é, talvez não possamos saber, como algo que confere a toda natureza sua força. Palavras para nos aproximarmos dele, dele nos afastam, abismo, deserto, desolação, solidão, imensidão, um vazio tão pleno de si, tão distante de nossas pobres e inúteis palavras.
Agora há o silêncio de todas as palavras apartadas de mim, um silêncio que é, antes de tudo, triste. Feito de escombros e sombras e de ausências de amanhãs. E de dolorosos esquecimentos, e falsos, que tentam nos arrancar do que somos cada momento do que vivemos. Deixa no lugar apenas uma ferida aberta. Uma luta inglória numa batalha incerta.
A morte nunca me levou ninguém. Mas a vida me toma cada um. Perdidas lembranças, a consciência de estar fadado a viver de esquecimentos.
Meus olhos esquecerão rostos e sorrisos, minha pele não se lembrará de nenhum toque, meus lábios serão secos de todos os beijos, meus braços sem abraços, minhas mãos sem o poder da carícia, meu corpo privado de prazeres, o desejo apenas uma lembrança desvanecida. Nenhum grito na noite, lágrimas apagarão todos os nomes e não saber mais da saudade apagará todos os sinais.
Os lugares marcados sempre trarão de volta tudo o que perdi. Os momentos me prenderão no indesejável passado. O futuro deverá ser um nada imerso no tempo, dissipando-se na atenção incontrolável ao passar das horas.
O apartamento, meu laboratório de alquimia do que vou ou não vou ser, meu túmulo de silêncio e solidão, um bunker que me guarda o coração, onde vivo por pura teimosia, onde espero na absurda espera que um dia a realidade não seja verdade, até cair desse sonho em todos os abismos, para percorrer em vão todos os desertos.
Deixem-me todos! Nunca me viram, não me conheceram. Não ouviram sequer o que havia entre as palavras. Nunca me notaram as mãos, sempre escravas da minha imaginação. Nunca souberam decifrar meu brilho nos olhos, nunca ousaram olhar na direção de meus olhares, para não se perderem em mundos fantásticos, nunca foram capazes de compartilhar meu silêncio. Deixem-me todos! Nunca irão aonde vou.
Eu estou bem não estando nada bem.
Eu caminho por entre sombras, por entre troncos, pisando folhas mortas. Eu saio de todas as casas e desconheço portas, entro pelos olhos de quem não me olha e desvendo a alma. E sei cada palavra antes que saia da boca de quem me fala. sinto a dor antes que sintam quem perto de mim sofre.
No entanto, são meus, só meus, meus olhares e palavras, meus sentimentos do jeito que são. E meu sofrimento que se aquieta constantemente.
Só meus são meus mais impossíveis sonhos, meu silêncio e minha escuridão, a madrugada que me acolhe e o vazio que me recolhe. Meus são todos os pensamentos.
Estou só. E só sou somente sentimentos.

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