quarta-feira, agosto 22, 2007

O cara do espelho

As coisas todas não estão em seu devido lugar. Só pode ser isso. Pelo menos, as coisas que eu queria em seu devido lugar, estão a setecentos quilômetros de distância.
Falei pouco da Marilyn ontem, mas encontrei uma foto digna de falar mais do que falei. Maravilhosa, linda. Minha mania de amar mais os mitos do que a realidade.
Sentei-me na janela do escritório ainda agora e fiquei a admirar longamente a paisagem em volta, o Pátio do Colégio, o Parque Dom Pedro, a rua e os camelôs, pessoas indo e vindo, que tribo enorme nos tornamos, a ponto de perdermos a noção de irmandade, tribo mesmo, fátria. Que espécie nos tornamos? Arrisco um palpite: homo urbanus virtualis.
O cara do espelho. Eu pensava, enquanto estava na janela, no cara do espelho. Aquele cara que me olha e, bem, diz o que tem que dizer. Faz falta um espelho na casa de cada pessoa, não para conferir a roupa ou o cabelo, não para fazer a barba. O cara no espelho para dizer para você, de uma hora para outra, que chega!
Então. O cara do espelho, ontem, ostentava um risinho irônico, daqueles que sabe as respostas para as suas mais medíocres perguntas, porque essas respostas são óbvias, e não pode fazer nada além de achar engraçado essa coisa de nos perdermos nessas inúteis inquietações. O cara do espelho de casa é mais chato do que eu consigo ser.
Falei muito de meu pai e nele pensei muito nesses dias. Até parece que não tenho mãe. Tenho sim. Ela vai fazer setenta anos mês que vem. Eu sou já um quase velho que nasci dela, ela deve estar velha também, bem mais que eu. Puxa vida!
Mãe. A vida. A vida que demoramos tanto para viver, acumulando tanta coisa. Disso que queria falar. Devo ir lá dia desses. Preciso ir. Falar com ela sobre tanta coisa que não falamos ainda. Antes que seja tarde demais. Não, ela não. Pode ser que eu próprio não veja o próximo amanhecer. Pensando na morte? Eu não. Só o cara do espelho que conta o tempo, eu não conto o tempo e nem meço os espaços, assim a vida transcorre linear, dá para ver tudo, o começo, o meio e o fim.
Também afirmei muito esses dias estar cansado das pessoas. Como explicaria isso? Na melhor das hipóteses, canso-me das pessoas porque preciso delas. E é por isso que me mantenho em torno delas, penso sempre nelas. E talvez a explicação para o fato de as pessoas não se cansarem de mim seja justamente o fato de elas não precisarem tanto de mim.
Uma certa vocação para a reclusão, é o que timidamente tenho desenvolvido. Em casa, eu e o cara do espelho.
Tenho a impressão de que duas certezas posso ter na vida, a de morrer ou a de enlouquecer. Desse modo, se viver muito anos mais, com certeza não será no gozo de minhas faculdades mentais. Se viver pouco, terei morrido lúcido ainda, por pura teimosia, por essa mania de ir teimando na vida para ver no que a vida dá. Exagero essa coisa de loucura? De modo algum. Tenho olhado em volta e me questionado muito sobre a lucidez de muita gente.
O cara do espelho sempre diz que eu chego lá: morte ou loucura.
No mais, esse meu sentimento diante de todos como se eu fosse um fóssil de um animal extinto. Exclamações estapafúrdias: ele é romântico! Ele ama! Ele está apaixonado! Ele é tão idealista! É mesmo um sonhador!
Ora bolas! Devo avisar aos dinossauros que o cometa não tarda. Com meu sangue de barata tenho uma grande probabilidade de sobreviver ao grande desastre.
Pensamentos soltos à procura de uma certa tranqüilidade (que eu tive?) que tem me feito falta. Tranqüilidade com relação a simplesmente tudo em volta. Talvez esses não sejam mais tempos assim tão propícios para o cultivo de algo tão inverossímil quanto a tranqüilidade. Tempos difíceis, de se imprimir uma grande velocidade a tudo, correndo com tudo, de tudo, correndo para tudo. Vivemos correndo. Que ritmo alucinante. O carro diante dos bois.
Ninguém tem mais tempo de ser contemplativo diante de uma janela.
E nem se dispõe a conversar com o cara do espelho.

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