domingo, julho 26, 2009

Já está escrito!

Terá sido o brilho dos olhos. Talvez a luz do sorriso. Os cabelos emoldurando toda a beleza do rosto. O jeito de olhar. Ou um certo modo de sorrir. Pode ser que seja a perfeição das mãos. A pele limpa e clara, suave, muito suave, macia aos olhos, talvez doce para o toque. A força das pernas, quem sabe? A cintura perfeita, os ombros que encaixam um lindo pescoço. Uma certa elegância nos braços? Ou a voz? Talvez a voz... a postura no andar, pode ser a postura ao estar parada? Não dá para saber, talvez tudo como um todo e uma riqueza em cada detalhe, ou a combinação de ricos detalhes em tudo como um todo. As costas nuas, se eu as visse nuas agora, como de bailarina em pose. Os pés de menina num corpo de mulher. Um corpo de mulher...

Uma menina num corpo de mulher, uma mulher com jeito de menina, a alegria de viver, o sorriso amplo sempre aberto, olhos brilhantes, jeito faceiro de me olhar, que não esqueço, um modo suave de piscar, sedutora, querendo aprender a seduzir com a inocência de quem sabe sentir mas ainda não sabe que sente o que sente.

Terá sido mesmo obra do destino que brinca com a história de nossas vidas, que nos coloca uma hora perto e outra longe, que nos aproxima de novo sem que possamos ficar próximos, que nos faz encarar um ao outro tendo que disfarçar que seria inevitável não resistir desviar o olhar. Seria obra do destino nos fazer viver em terras distantes e vagar em navios e mares distintos, para depois dar-se o encontro num mesmo porto, naquele dia frio e chuvoso, que seria tão triste se não tivesse sido tão importante.

Ou terá sido um capricho do acaso, que quando resolve caprichar não economiza nas cenas mais lindas que pode arranjar para arrancar dois seres de seus caminhos desencontrados para os colocar na mesma estrada, na mesma sala, no mesmo quarto daquela casa na mesma rua de nossas infâncias, onde ainda tínhamos o sabor de nossos quintais e o cheiro das fogueiras das festas tradicionais, na mesma rua onde nunca imagináramos onde nossos passos iriam nos levar e onde nosso caminhar iria nos trazer.

Ou ainda terá sido obra de um deus travesso a escolher quem atingir com suas setas envenenadas do mais doce veneno que existe, tão doce que quem tem não quer perder e quem não tem não vê o dia em que possa ter. Aquele veneno que quando se tem se vive e quando se perde morre-se um pouco.

Terá sido por obra de algum feitiço que venha a existir quando existe fogo nos olhos e um arder dentro do peito, quando sucumbimos com a falta de sono e fome, quando pensamos só naquilo que sabemos o que é sem precisar dizer o nome.

Terá sido por isso e por tudo talvez, talvez por nada, por simplesmente ter que ser porque assim teria sido desde todo o sempre. De tal modo que por ele é que passamos a existir, sendo que sem ele nada do que somos poderia existir e nada do que queremos faria sentido acontecer.

Terá sido por causa desse silêncio de perguntas que nunca ousamos fazer, por temer a resposta que há ou não haver a resposta, mas que uma coragem insana irrompe do peito num grito inevitável como o trovão das tempestades a bradar dos céus a tudo o que há na terra para que ouça de uma vez que eu te amo tanto e não sei o que terá sido esse amar que não me interessa saber senão sentir que é esse amar que por falta de melhor nome todos os poetas haverão de cantar e chamar pelo simples, singelo e terno nome de Amor.

21/07/2009 – 03:00

segunda-feira, julho 20, 2009

Vida Minha

Vida minha, nada a por, nada por tirar, cada cena em seu lugar, cada gota, de suor e sangue, derramada, nunca foi em vão, cada coisa a seu tempo e no seu lugar, a cada palavra o seu efeito, a cada sentimento sua emoção, a cada passo uma direção, a cada grito a sua canção. Vida minha, viveria tudo de novo, exatamente como teria que ter sido, se soubesse que tudo que teria que viver, era para ter aqui me trazido. Vida minha, faria tudo de novo, se soubesse que era para vir até aqui e ter ainda tanto por fazer. Vida minha, e sentiria tudo de novo, pelo simples e incontestável prazer de aprender a sentir. Todas as coisas como as coisas são. Para viver, vida minha, de novo toda essa emoção!
Vida minha, eu perderia de novo todos os amores, e mesmo isso não seria em vão. Só para aprender sobre os amores que vem e vão, só para estar atento quando esse amor tivesse vindo, se eu soubesse que viria, ah, vida minha, não teria nada mais por fazer, a não ser sentar num canto qualquer de todos os meus dias, e ficar olhando a estrada, o céu, a lua e as estrelas, o nascer e o por do sol, e mesmo debaixo da mais forte chuva, porque saberia que você viria, vida minha, e que a partir disso, viver valeria muito a pena.

sábado, julho 18, 2009

Amor, meu grande amor!

Amor, meu grande amor! Já não era sem tempo depois que se passou o tempo, que o tempo nos trouxesse bem aqui, de frente um para o outro, depois que o tempo tinha nos arrastado cada qual para sua própria vida, despercebidos de existir um e outro, um para o outro, um sem o outro, sempre outro sem o um. E solidão e esquecimentos que lá longe no tempo existia já esse amor, assim como devia ser, com seus apertos no coração de uma saudade sabe-se lá como, sabe-se lá por que, sabe-se lá de que, e sabe-se lá de quem.
Amor, meu grande amor! Repartiu-se entre nós exata metade para cada um e foi tentar ser amor para qualquer um, por qualquer coisa, qualquer ilusão, desencontro e desencantos; amor semente que foi no tempo brotar tão a tempo, esse fogo crescendo, incendiando bem devagar, até nos queimar em febre e nos arrancar soluços, nos deixar exaustos de saudade, tanta saudade de tudo o que nem tivemos ainda, por falta de tempo.
Amor, meu grande amor! Esse amor silêncio, sussurro tão bem escondido bem lá dentro do peito, esse amor sombra a nos seguir aonde quer que fôssemos, esse amor espera, esperado, esse amor desesperado de nunca se revelar revelando-se bem no romper desse silêncio, nessa noite à distância tornando próximos passado e presente, misturando tudo dentro da gente, tão de repente que parece que foi sempre.
Amor, meu grande amor! Nascido de repente bem na nossa frente e a gente de olhos fechados e o coração distraído, amor subtraído de nossos passos, um amor de antanho, de tão bem antes que percebêssemos ser amor, grande amor que nunca nos deixou assim tão afastados, que nos manteve próximos mesmo nos desencontros, marcando hora e lugar de vir e chegar bem a tempo de nos encontrar nesse grito, no ecoar de nossa poesia insistente.
Amor, meu grande amor! Amor para ser sentido agora, enquanto o tempo haverá de fazer eu aprender, aos poucos e bem devagar, sua pele, seu cheiro, suas mãos, dentro desse abraço, seus olhos e seus lábios, toda essa tanta luz de seu sorriso, como se fora do tempo, de todo o tempo tudo tivesse nascido ali exatamente naquele momento.
Amor, meu grande amor, para eu aprender seu gosto, para nunca mais esquecer.

quarta-feira, julho 01, 2009

Rascunho de poema

Não era só meu o poema que se perdeu quando tocou a campainha.... rompendo o silêncio sempre há gritos e mediocridades e clamores de uma vidinha tão singular e sem sal. E a gente perde o que não se quis, a gente não quer e perde, deixa passar, enquanto passamos. Estamos sempre passando e, passados, passamos sem ver o crepúsculo, ou aquele por-do-sol. A gente não vê nada no espelho.
Não era só meu o sonho que se perdeu... esquecemos dele sempre que se abre e fecha rapidamente a porta do trem. Quando respondemos o "bom dia" protocolar de sempre, sempre o mesmo, sempre igual. E esvaziamos todas as horas do dia enchendo a agenda. Deixamos a noite passar sem um suspiro, sem nem sequer um arrepio de perplexidade diante do tão comum e corriqueiro de uma vida besta e sem sonhos, sem aspirações, sem ter aonde ir, o que fazer e sem ter a menor ideia do que há por sentir. E descobrir...
Não era só meu o amor que se perdeu... ah, nossas emoções tão bem planejadas, nossas mais doces ilusões estampadas em out doors fora de nós, fora e tão distantes, nossos sentimentos self service, nosso prazer delivery, nossas lágrimas plastificadas para viagem. Nosso tesão fast-food, tanta assepsia em nossas relações mais banais, a distância mais conveniente, nossa posição tão segura bem aqui dentro... nossos amores fabricados em série na linha de montagem dentro do peito.
Não era só minha a imensa tristeza quando olhei o álbum de fotos da vida.... e vi como era lindo aquele amor tão fora de moda, ultrapassado, embolorado, esmaecido, amarelecido com o pó do tempo. Aquele romantismo tão imbecil e que sempre tinha sido tão bom, tão bom que chegava a ser ótimo.
Não era só meu aquele amor que se perdeu pelos fios dos postes em inúteis interligações telefônicas, que se dissolveu e se banalizou via cabo.
Não era só meu, e nem sei se tinha sido um dia meu, amor ridículo e impossível, impraticável, amor inimaginável. Empoeirado numa sala de museu aquele amor, ah, amor, vi também que ele era teu.

quarta-feira, junho 24, 2009

Um dia...

Vontade de escrever alguma coisa que de mim eu diga algo a mim mesmo... chato chegar tarde em casa e querer aproveitar a noite desse dia para ainda tentar ser algo. A poesia em mim cansada ou cansada de mim, ou eu cansado de tudo, ou de nada, cansado a ponto de nem querer dormir.
Um dia esquecerei rostos. Um dia apagarei caminhos e não deixarei rastros. Um dia se apagarão em mim as lembranças, todas. Um dia irão se desfazer prováveis destinos e possíveis desatinos. Um dia, amor, não haverá mais o que amar e nem porque amar. Um dia será tarde, tão tarde, que restará apenas essa sensação de ainda nem ter vivido.
Insatisfação. A angústia que brota na pele como uma certeza de que a única coisa que verdadeiramente angustia é viver.
Amor por tudo e por todos, por qualquer coisa e qualquer um, por que não diz logo o que quer de mim? Poesia gritando em mim, por que não silencia e me deixa de uma vez por todas em paz?
Desejo de ser comum, o mais reles dos seres comuns que rastejam sobre a terra. Sem anseios e sonhos, sem expectativas, sem possibilidades. Ser apenas, só ser. Ser da maneira mais econômica de emoções e sofrimentos, ser pleno de esquecimentos.
Como o por do sol que nada te pede, apenas repete insistentemente o seu espetáculo cotidiano...
Como o vento suave que nunca vai a lugar algum e está sempre voltando...
Ou como o tempo que tem como única ocupação passar.
Um dia as palavras ainda não concebidas brotarão de um descuido meu.
Um dia os poemas não serão mais escritos, mas escreverão tudo o que ainda não pude dizer.
Um dia esse amor se apresentará em chamas, inevitável.
Um dia as emoções hão de explodir em mim como a parir um outro universo.
E não saberei mais o que fazer, o que ser, o que sentir, o que imaginar.



sexta-feira, junho 12, 2009

Se não dormes...

Eu só vou dormir agora para ver se nasce novo o dia de amanhã... acho que não! Essa inquietação que me rouba o sono vezes seguidas, uma noite atrás da outra, coisa sem diagnóstico definido, sem explicação. É só uma inquietação, sutil e sorrateira. É uma vontade de fuçar velhas gavetas sem saber bem o que procurar, um não saber o que se quer fazer, escrever, desenhar, ver filmes ou ouvir música, sempre a mesma coisa do mesmo jeito...
Não! Eu não vou cantar essa solidão e essa tristeza como se fossem um poema de Chico Buarque... porque isto é aquela coisa já impregnada nas paredes do apartamento, um tapete de cacos de vidro!
Nada é assim tão sério. Eu tinha tanto por fazer e fazer por querer mais do que precisar, mas essa apatia me tira para dançar sua marcha fúnebre, tenho que ir dormir embalado ao som de mais esse réquiem. Ora dane-se!
Então é o quê? É só trabalhar, ganhar dinheiro e pagar as contas, perder vinte quilos, parar de fumar, beber menos, estudar não sei o que para o que nem sei, diminuir ainda mais a quota já precária de prazer, não dá para ser feliz porque a felicidade não existe, não se pode ter prazer porque o prazer é uma ignomínia: substantivo feminino, afronta pública, desonra, injúria, degradação moral, humilhação, vergonha, opróbrio... e para ser franco, eu queria ser um franco-atirador.
E já chega! Tudo chega a um estado tão estranho de normalidade a ponto de a gente não se importar com nada. Está muito na moda não se importar com nada. Até fingir que é dor a dor que deveras sente...
E despeja-se tudo nesses jogos de palavras, incessantes, desinteressantes, que afinal ninguém mesmo vai ler e, se o fizer, muito difícil que vá se importar.
Banalização, do adjetivo banal: vulgar, corriqueiro, trivial, fútil, frívolo... banalização de todos os sentimentos, de todos os pensamentos e conceitos, de toda ideia que se pode ter da realidade, banalização do desejo de desejar, do amor e da paixão, toda a nossa vida expressa em planilhas de cálculo visualizada em gráficos coloridos, estatísticas, receitas, requisitos básicos para atestado de normalidade, certificados de adequação, enquadramento, ajustes, aceitação! Enquanto isso...
Os sonhos se dissipam... o que era mesmo aquela tal esperança? Vou lá eu saber daquela tal esperança? Que sobre ela escrevam um tanto mais de livros somente para as árvores terem morrido em vão.
O último poema de amor hei de escrever na areia de uma praia...

segunda-feira, maio 11, 2009

Contingência

Talvez eu aprenda a escrever algo que preste... um dia. Talvez aprenda a desenhar e a pintar. Talvez um dia eu seja doutor, para falar do que não tenho certeza para quem não entende lá muito bem e tudo fique elas por elas, o palavrório unido às caras de conteúdo, aos hipócritas meneios de cabeça de quem finge entender o que nem ouviu direito. Talvez eu me dê satisfeito um dia com essa mediocridade que parece ser necessária para se conviver com o homem, esse animal irracional e irmão do infortúnio. Mas essa noite não! Só essa noite não.

Olhei em volta tudo o que me rodeia no tempo e no espaço, limitado por essas paredes e descrito pelas lembranças do que não esqueço. Eu queria só não aprender mais nada, saber metade do que sei, não me importar nem com um décimo do que me importo. Ser um pária que pudesse viver em paz sem ninguém a vomitar em meus ouvidos verdades mal digeridas. Sem que ninguém me cagasse seus conselhos de como a vida seria melhor se eu fizesse tudo de outro jeito, sem ao menos me perguntar se não era esse o jeito que faço do jeito que sempre quis fazer e fiz.

As últimas quarenta e oito horas eu saí à rua só para comprar cigarros. E tirei fotos do prédio em que moro, do parque, da árvore. Talvez eu aprenda a fazer fotografias boas um dia, a ponto de fotografar apenas o que meus olhos querem ver, o que cabe num olhar, o que vale a pena caber num olhar.

Mais uns dois ou três finais de semana desses e eu poderei dizer que aprendi o que é solidão. Mas tenho a vaga idéia de que estava certo que a solidão verdadeira consiste em não ter para onde ir e nem para onde voltar. Eu que não queria me esconder atrás desta tela, tendo que usá-la como janela.

Acho um pouco culpa minha. Eu me calei. Ninguém mais me lê, vê meus desenhos, nem ouve a minha voz. Vou andar por aí me apresentando como um vaso, adequado para enfeitar certos ambientes, minha casa, minha rua, sua casa, minha mesa de trabalho, a mesa de um bar... a solidão deve ser olhar para o espelho e não ver mais ninguém. É seu nome apagado dos monumentos erigidos a certos momentos que se passou com as pessoas, mais as pessoas não visitam mais esses monumentos. É seu nome apagado das histórias mais corriqueiras.

A solidão é um túmulo no qual mais ninguém vai colocar flores. É um nome esquecido e um retrato esmaecido. É a mentira escrita no epitáfio: “saudade dos teus...”

Ter que ser forte e carregar tudo isso aonde quer que vá, sua bagagem, sua carga, sua sina, seu destino desafortunado.

É ouvir uma música de seu tempo de quinze, dezesseis anos, e sentir uma indescritível saudade da sensação tola de se sentir apaixonado. E ter a certeza de que aquilo passou e nunca mais vai acontecer.

É de ter de ouvir de algum energúmeno que toda a filosofia se resume em um autor, ou em um livro, que toda a poesia se resume num poema e que toda a música se resume em algo que alguém fez hoje depois de todo mundo ter feito. É ouvir de um imbecil qualquer que bebe, fuma e cheira que toda a vida se resume numa única frase ou numa única palavra: fracasso, somos todos fracassados.

Eu não choro lágrimas de sangue, não padeço de medos pueris nem me entrego a covardias bem fundamentadas. Não me iludo com esperança, essa invenção platônica e cristã. Sei que os dias passam sendo o que são e que a realidade ou é o que percebo dela, o que invento ou o que quero ver, inventar e perceber. Contingência. Nisso eu acredito. Mas mesmo isso não me impede de tentar tornar a vida algo menos chato, menos obrigatório, menos burocrático e protocolar.

Cada vez mais difícil, com tanta coisa e tanta gente para atrapalhar.


quinta-feira, abril 16, 2009

16 de abril de 2009 - 23:57

Você não tem mais vinte e sete anos. E daqui a pouco vai ter trinta e vai ser uma "balzaquianinha". Estou longe da cidade, mas afinal de contas um pouco de tecnologia ajuda a qualquer um a fazer o que quiser. Um lap top e um pen drive são suficientes para rascunhar isso. E continuar depois com os devidos acréscimos.
Acho que esgotei tudo o que tinha para dizer para você e de você. E quando a gente chega nesse ponto não significa que se conhece demais ou que tudo ficou previsível. Muito pelo contrário, tudo ficou pleno, e de tão completo que vem a ser, qualquer coisa que se acrescente vai ser mero acidente. Mas acho que ainda cabem alguns elogios, ainda que saiam acidentalmente e mesmo que você nem precise ouvir, não importa, porque a questão é que eu preciso dizer e vou precisar sempre.
Então esse ponto é uma espécie de cume, no qual se chega e não se tem mais para onde ir. A não ser descer para subir novamente, pelo simples prazer de reconhecer tudo que se conhece ou prestar mais atenção a detalhes que porventura tenham passado despercebidos.
Não sou mais capaz de imaginar a minha vida sem você. Isso não tem e nem teria o menor sentido. Nada de rotina ou coisas vulgares do cotidiano, trata-se do prazer de uma convivência que se torna imprescindível e indispensável. E que se sabe a priori que não tem razão de isso ser de outro jeito.
Sim, eis que temos de arcar com o ônus de não precisar solenemente começar uma conversa, porque parece que a conversa sempre continua, aumentadas de suas atualizações e repetidas de temas que voltam sempre com uma abordagem nova, oriundas do amadurecimento.
Assim sendo, digo que quem passou por sua vida e não pegou uma carona é um completo imbecil, quem virou com você uma madrugada ou outra, ou conversou mais de três ou quatro horas (ou seis ou sete), quem foi mais de uma vez com você ao cinema ou à praia, quem andou com você à noite, encimado por um céu enluarado as ruas do Centro, a Paulista ou a Augusta, quem com você deu boas risadas, quem fez isso ou um pouco mais e não quer mais disso, deve ser alguém que não gosta lá muito de se sentir bem.
Pena que encerro minha mania de tecer loas a você, por simples falta de palavras, até que se invente um jeito novo de dizer as mesmas coisas boas, ou o que é melhor, até que eu seja capaz de descrever de outro modo tudo isso que sei somente sentir como um dos poucos e maiores prazeres que tenho para justificar que vale a pena estar vivo, acordar todo dia e ir encher todas as lajes necessárias para uma boa quantidade de papéis coloridos no fim do mês. Ou de descrever essa absoluta falta de temor de se perder na vida, de se distanciar, pelo simples motivo de se ter para onde voltar. Ou de nunca se sentir distante.
Considero tudo dito e sentido como se fosse um rascunho a lápis, sempre ali a espera de preenchermos com nossos lápis de cor, um quadro para cada momento e um momento prá lá de especial para cada quadro.



quinta-feira, abril 09, 2009

Indo ou voltando?

Quase quatro horas da manhã... para vocês que dormem, bons sonhos, e parabéns! Eu não padeço de insônia, que é a dificuldade que se tem para dormir. Padeço de outra coisa que não sei nem o nome, essa resistência incontrolável que me impede de dormir.
Tenho estado tanto tempo longe de casa, que quando aqui chego, parece que há uma necessidade de se fazer tudo. E fiz tanto toda a semana para os outros que parece que nada foi feito para mim. Então bate essa sensação de inutilidade. Como se eu fosse capaz de fazer tudo quanto quero do tempo que me resta. Acusam-me de descaso os livros. E sei que não lerei filosofia, que me obrigaria a pensar. Mas lerei com certeza poesia, que me aguça sempre a capacidade de sentir. E entre sentir e pensar, sempre me perco, e demoro depois para reencontrar o caminho.
O silêncio da madrugada é só meu, e não de todos vocês que dormem e o perdem. Impressão de que tenho pressa, que tarde da noite assim pensamentos e sentimentos se confundem e se atropelam. Eu queria escrever sobre isso, mas me dou ao luxo de estar cansado das palavras que mais escondem de mim do que mostram. Queria elaborar mais o que pôr aqui, pensar, estudar, concatenar com algo de plausível. Porém, não me dou a esse luxo. Despejo aqui o que não sei se serei mais capaz de elaborar.
Falar o quê? O que dizer? E para que tudo isso, afinal? Atingir a quem e de que modo? Racionalizando o que sente e não sentindo o que racionaliza. Leva-me isto a um cigarro a mais e uma caneca de café na varanda., no silêncio da madrugada, quando nada em mim dorme, quando em mim qualquer coisa que haja resiste e custa a dormir.
Leio dos outros tudo o que gosto de ler e custo a entender. A correria do dia-a-dia prejudica até meu poder de concentração e meu entendimento das coisas vindas de fora.
Tanto tempo fora do apartamento, quando aqui volto tenho todo o apartamento dentro de mim...
Os mesmos temas, solidão e tristeza, falta de perspectiva, o estar preso a essas coisas que se tem que fazer, buscando no mínimo das coisas um mínimo de prazer.
Dá para entender? Não? Talvez fosse melhor que eu fizesse um desenho. Haveria nesse quadro uma estrada a desaparecer no horizonte e alta no céu uma lua cheia como a de hoje. E, no meio disso tudo, uma silhueta do que bem que poderia ser eu, de tal modo com tanta falta de nitidez, que ninguém saberia se estou indo ou voltando.

Lá longe de mim mesmo

Eu bem que não queria ter respondido a você. Bastava me fingir de morto ou de muito ocupado, a ponto de nem ter ligado o computador. Mas não. Quando vi seu e-mail, algo fora de controle em mim ocorreu, e agiu por mim e em mim. E lá estava eu respondendo, esse estranho êxtase que é sempre a luz enganadora de uma tola esperança, esta, aliás, em que nem acredito mais.
Esse algo está sempre a tomar conta de minhas ações... quis ser gentil e delicado, não parecer grosseiro.
Não sei se amo você, não sei o que sei, nem sei o que sinto. Seria orgulho ferido... Não, esse orgulho é um monstro ferido numa floresta de descontentamento. E nesse alheamento eu me sinto triste porque só e só porque triste. Porque a alegria de quando em vez a gente sempre tem com quem compartilhar, dividir. Mas a tristeza não. Na tristeza estamos sempre sós.
Aliás, nem sempre sei a quem me refiro quando estou escrevendo a palavra "você".

O cair da noite na estrada, a lua crescente, uma catarse. Aquele tipo de busca que só pode ocorrer nesse alheamento, nesse distanciamento consentido de tudo que nem se é. Eu gostaria de encontrá-la para pedir perdão. Eu a deixei para casar com outra, e isso tudo foi tão pueril, como tinha que ser no tempo da puerilidade. Foi pueril e inconseqüente. Não queria que reatasse uma possível amizade perdida, que falasse comigo, que tentasse gostar de mim outra vez. Não pediria nada disso. Eu queria só o seu perdão. Não que eu me roa de remorsos, ou de culpa. Só a consciência de ter feito algo a alguém que esse alguém não mereceu. Não pediria perdão por aquele moço de seus vinte e três anos que, afinal, mal sabia o que queria da vida, mesmo lidando com coisas tão sérias. Pediria perdão por esse homem de hoje, que tem a consciência de que há coisas que uma vez feitas, jamais podem ser desfeitas, por coisas que quebramos pelo caminho ou perdemos, e que nunca mais poderemos consertar ou encontrar.

Não há desejo tão forte que possa materializar ou tornar possíveis os beijos que nunca mais nos demos. Não há magia para trazer-nos uma felicidade que nem sequer perdemos.

Eu quero ser escritor. Não sabia disso aos dezesseis, ou dezessete anos. Nem aos vinte e três. Sei apenas que todas as decisões que tomei anteriormente me afastaram disso que, afinal, eu nem sabia. Posso realizar isso em cinco ou dez anos (ou nunca realizar), mas devo saber se estou fazendo agora algo para isso acontecer. Nisso se encaixa todas as profissões, ou realizações, cientista, astronauta, astrônomo, médico, advogado, professor, artista. Posso tornar-me escritor aos sessenta anos e viver escrevendo mais uns vinte e produzir uma obra magnífica. Mas não estou fazendo nada agora para isso acontecer. A questão é olhar daqui para frente ou olhar de lá da frente para trás. E entender que tudo tarda quando nada se faz. Ou tudo é sempre tarde quando pouco se quer.

Não há fingimento que justifique permanecer no conforto e na comodidade que nos arranje sempre as melhores desculpas para não sermos o que queremos.

Somente essas palavras inúteis que estão sempre parecendo ser a racionalização do que não é assim tão racional. E esse é problema disto tudo que sofremos, racionalizarmos o sofrimento, a passagem por isto que temos que passar, como se isso fosse pintar de outras cores mais aceitáveis, como se transformássemos o instante real num capítulo de novela em que sabemos já antecipadamente um final feliz.
Em cada palavra e em cada página parece que tudo foi resolvido porque vivido ou vivido, logo resolvido. Mentira. Mais pura ilusão. Há muito ainda que se viver. Há que se descobrir que muitas coisas não podem e nunca serão resolvidas.

Ponto final.


06/04/2009 – 01:40 – Fernandópolis

quinta-feira, março 26, 2009

De olhos bem fechados

A inquietação já tentei descrever tantas vezes... é algo que me faz procurar não sei o que em todas as gavetas; que me faz não ser capaz de ir dormir enquanto não fizer algo que nunca consigo descobrir o que é. Ela é seguida de uma insatisfação irritante.
Devia estar fazendo as malas, já que estar de partida virou meu ofício e não estar aqui é a minha profissão. E tem de ser uma força esse descomprometimento com tudo o que se deseja, tudo o que seria tão simples se não fosse tão improvável. Aquele se entrega à estrada paga o pedágio de não ter uma vida sentimental. As pessoas que vou conhecendo pelo caminho até tentam estabelecer um contato mais duradouro. Mas eu sei que quando meus olhos estiverem vislumbrando as mesmas paisagens passando rápidas, elas estarão esquecidas.

Vendo meu tempo a troco de pagar as reles contas de tudo que adquiri que, afinal, me faz ser exatamente a mesma pessoa desprovida que sempre venho sendo. E de tanto que não tenho não sei o que me falta...
Falta talvez um roçar n'alguma pequena e insignificante emoção, o realizar, ainda que efêmero, de um mísero desejo. Falta lutar ainda para não esquecer o gosto de ter prazer. E o que sobra é sempre esse asco no fim do dia, essa monotonia torturante de as coisas teimarem em se repetir, numa repetição fortemente consolidada em rotina, penosa e inaceitável rotina.

Como devem estar os trens indo de um lugar a outro na Europa? E o vento na África? Que clima faz agora no bem longe daqui? Que roupa levo na mala para esse amanhã que ameaça chegar? Será que me darei bem com a comida do futuro? E o que tem do outro lado desse muro? Quanto mais há que se despertar para suportar essa percepção consciente?

“Que mais para o amor? Palavras? Só as escritas. Bastam as palavras escritas para um poema, sua música toda interior. Quando muito uns pianíssimos sutis. Ah, tão sutis, que não sabes nunca se os estás ouvindo ou só pensando neles.”

Os livros, os papéis e lápis, os poemas para serem lidos ou escritos, os romances, a próxima paixão que não acontece nunca, aquele gozo de satisfação por ter sido capaz de deixar tanto para trás, isso e muito mais, esperam entre a partida e o retorno, para depois não saber o que esperar. Esperam uma suspensão nesse ritmo não por mim a mim mesmo imposto, esperam o próximo duvidoso momento. E falam de coisas tão antigas que chamamos pelo nome de esperança, essa desgraçada que é a última que morre, mas morre. Falam de coisas da infância tão impalpáveis, meus potes de tinta, meus papéis coloridos, minha imaginação irrefreada e ilimitada, minha criatividade sem cercas de arame farpado... e de minhas histórias de amor, de meus sonhos de moleque.

Olha só o que veio nos fazer esse abrir de olhos... perder tudo o que fazíamos existir fora da gente de olhos fechados, bem fechados!

segunda-feira, março 16, 2009

Save me!

Save me! Save me! Save me! I can't face this life alone...
Você bebe e fuma demais. Sabe disso. Precisa emagrecer, fazer exercícios, levar uma vida mais disciplinada, dormir bem, comer bem etc e tal. Mas o que você precisar fazer mesmo, de verdade, é descobrir um motivo para ser melhor.
Em volta as pessoas vão se destruindo aos poucos e você não pode fazer coisa alguma. Essa maldita impotência das palavras e esse completo descaso com o bom exemplo.
Mais uma pista que vai além da inquietação: um filósofo pode encontrar mil motivos para não viver. Um poeta não... para ele basta um único lírico motivo para continuar a viver, para insistir, para teimar até o fim. E quando esse fim chega, se é que chega, há de se entender Pessoa: "...Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo." Então, cada dia que se descortina para mim, tenho essas "palavras de pórtico" a me guiarem num turbilhão de tantas palavras tão estranhas a respeito de absolutamente tudo, isso para não falar das ações.
Não aceitar a fala fácil, o julgamento mais rápido e aparentemente preciso, ir além do que se diz para o que se quer dizer realmente, julgar não julgando, usar qualquer julgamento como princípio do que não se deve fazer primeiro.
Sim! Sou mais feliz do que aquele cara que dorme na rua? Sou mais aceitável porque sociável, do que aquele cara "esquisito" que não se mistura a nossas gracinhas e não se afeta com os nossos gracejos? Estou mais distante da imperfeição do que aquele que consegue disfarçar menos do que eu?
Aceito meus erros, "homo temeratus", meu medo é minha medida, e me mostro onde mais me escondo. Não sei o que fazer da vida, como você, não sei o que fazer de nada, como você. Eu tento no mínimo racionalizar toda essa insanidade e sabe o que acontece? Perco a noção de sanidade e me pergunto: eu saberia se tivesse enlouquecido?
Os olhares de fora não bastam. As palavras de outros não ajudam. A luz que ilumina a casa vizinha não ilumina a minha. O próximo passo é meu, e pertence ao caminho que eu trilho. E se alguém me segue vai se cansar logo. A vida tem muito de sentir e sentir é algo instransferível e inexprimível. A não ser que se deixe falar o eu-lírico...
Ah, esses ajuntamentos de poemas que tanto leio, e os que escrevo, nada ainda disseram se amanhã vai chover ou fazer sol, se me alegrará o coração um sorriso inesperado, uma mão no ombro, um beijo na boca, um abraço apertado ou um pouco de calor nas minhas noites vazias, um fazer-se companhia, nada disseram se haverá paz nesse próximo dia. Nada disseram e parece que eu já sabia de tudo. Ah, quanto se sofre por um olhar que não se tem! É como saber que há tanta luz e não escapar da escuridão. É aquele silêncio que se faz depois que tudo se silencia.
E, inexorável, o tempo passando, bem aos poucos ensinando tudo quanto não se vai saber nunca, ensinando que não se vai saber, simplesmente não saber.

sábado, fevereiro 21, 2009

Preciso me alimentar

Vou tentar explicar de novo...
Quero viver minha vida de fora para dentro. Tudo tem que ser exatamente como eu consigo perceber. Ou sentir ou imaginar, pouco importa o que é tudo isso aqui dentro, realidade ou ilusão, quando a dor que imagino dói de verdade.
Eu não acredito em estabilidade, a vida é feita de crises e conflitos. Não acredito em energia, equilíbrio, essa besteira imensa de "lado espiritual", a alma ou o que valha, vida depois da morte, providência, não acredito em planos. Mas sei que tudo não é só material. Eu diria humildemente que meu corpo é matéria, o hardware, e que o que não é corpo é a mente, o pensamento, a imaginação, a representação ou sei lá o que, o software. E software é o que eu xingo e hardware é o que eu chuto.
Meu DVD de músicas antigas atesta que o tempo passou, trago na coleção de coisas que junto a prova de que fui criança, adolescente e que essas coisas envelheceram comigo. O que eu tenho de novo já é tão mais velho do que qualquer novidade que possam me apresentar.
Ou talvez eu não tente mais explicar, essa é a questão. Eu permaneço em pé com a teimosia e a fúria de um revoltado, com a garra de um guerrilheiro, e não sei disso. Talvez eu nunca tenha de verdade perdido a tranquilidade, e talvez eu seja mesmo forte. Mas só eu posso saber o cansaço que isso dá, o quanto custa manter tudo isso, os poucos lucros e os grandes prejuízos por ser assim e de me manter assim.
Eu tenho muito o que fazer. Já pensei tudo, já disse tudo. Agora tenho que fazer. Quase posso dizer que também não acredito mais em sonhos. Eu não vou endurecer meu coração, nunca. Eu nunca vou querer perder a emoção de estar vivo e viver a cada instante. Mas não me fio em esperanças, essas ilusões de que todas as coisas podem ser exatamente o que elas não são.
Então não tenho e nunca terei nenhuma mensagem de vida, lição de vida, eu também estou aprendendo e só posso falar do que consigo aprender. Não alimento esperanças em mim e nem alimentarei as esperanças de ninguém.
Sinto o peso de ser transparente como sou, ainda que confuso e hesitante, de ser sincero, ainda que me engane, que seja passional e impaciente. O que preciso aprender de uma vez por todas é fazer e aceitar o absoluto silêncio.
Que me julguem mais inteligente e interessante do que eu realmente posso ser, mais amigo e companheiro, eu direi sempre que sou só isso, que é sempre bem menos do que julgam ou imaginam. Isso que vêem em mim é o máximo a que posso chegar...
Agora preciso voltar a ler e escrever poesia, tenho dois blogs para alimentar. Preciso ler toda a literatura que não li ainda, toda a mitologia, que há ainda um outro blog para alimentar. Eu estou vazio de alguma coisa em mim e preciso alimentar de qualquer forma o que quer que seja este estar no mundo.
Eu preciso me alimentar. E meu alimento só eu sei preparar.

quarta-feira, fevereiro 18, 2009

Os planos...

Solidão: level 2. Tristeza: level 3. Desesperança: level 7. Carência: level 8. Todos os planos estão feitos para um ano sensacional, mas a realidade nem aí de colaborar. Tinha que contar com ela! Tinha?
Estantes bem fornidas de livros. Os de poesia aguardando mais um sarau ou dois. Literatura, contos e romances, a fila de leitura devidamente organizada para até dezembro de 2011. Nenhuma linha sequer de poesia foi para o papel há muito tempo. Meu único prazer tem sido procurar um prazer que me satisfaça.
Comte_Sponville: o pior é ser só. Sem Deus. Sem amigos. Sem amor.
Tinha que estar dormindo, já dormindo. A rotina tem horários que nem sempre combinam com os meus.
Vai ficando cada vez mais difícil dizer foda-se a tudo isso. Eu ainda me importo com quase tudo com o que não queria me importar. Longos dias sem um olhar, uma carícia, um abraço, um beijo; alguém ao lado para dizer com toda a ilusão de uma paixão: vamos lá, em frente, temos um ao outro.
Comprei mais uns quatro livros, três revistas, carreguei o celular e o bilhete único, comprei um despertador (para despertar de quê? de meus sonhos?), uma capa nova para o celular. Comprei tudo o que se pode comprar e tudo aquilo de que se precisa realmente, para tornar a vida uma farsa um pouco mais convincente.
Tenho amigos, eles estão por aí, de vez em quando por aqui. Mas me aborrece muito mais todas essas páginas em branco que tenho por escrever. Ainda...

segunda-feira, fevereiro 09, 2009

Malditos Gregos

Eu não tenho futuro. Eu vivo do passado. O presente? Não, o presente pouco importa, eu fico esperando que o futuro o torne passado, aí sim eu tenho uma vaga noção do que eu tanto quis e nunca fiz (essa bendita frase do Caetano deu de me perseguir...). Cinzeiros e cerveja ao lado do teclado, o computador deixou de ser um santuário. Conversas de ainda ontem... eu um pseudo-?, merda de prefixo grego, maldito Linux, pobre Pátroclo, morreu sob a espada de Heitor ao se passar por Aquiles, Pandora, triste Fênix condenada a renascer, meu computador se chama Prometeu, aquele que roubou o fogo divino. E eu roubaria o fogo do inferno só para ver o brilho de seus olhos se fosse para mim. Eu devolveria Helena a Menelau, daria Tróia a Agamenon, Briseida a Aquiles, só para ter o direito de dar honras fúnebres aos meus sonhos. Sou devoto de Cronos e seu maior adversário.
Mas essas palavras que Hermes pscicopompo carrega aos quatro ventos, ventura, aventura e desventuras, se eu fizesse silêncio seria provavelmente bem mais feliz, mas o fogo das palavras arde em mim como no sonho oráculo de Hécuba.
Isaac Newton não conheceu mulher e nem o amor, não teve amigos, de sua solidão saiu a óptica, a mecânica clássica, a certeza de que tudo se atrai diretamente proporcional ao produto das massas e inversamente proporcional ao quadrado da distância. Mas teve que ser eu a cunhar a frase QUAL É A DISTÂNCIA DE TUA PROXIMIDADE? Vou estudar matemática porque me aborrece esquecer tudo que soube. E vou estudar gramática porque me aborrece não dizer isso dentro das boas regras da sintaxe. Continuarei com a literatura, para entrar em outros mundos fugindo do meu, um tanto quanto. E poesia, para sonhar um pouco os sonhos dos outros e talvez neles descobrir meus sonhos. E a mitologia, sei lá por que, sei lá para que, por Zeus, Atená que me vele, as Musas que me inspirem, um princípio de manthéia ou uma manía. Malditos gregos, não tinham nada mais para fazer quando inventaram a filosofia?
E não farei mais nada daí em diante. Terei sempre a ansiedade de voltar para casa, de estar em casa, de ver tão pouca gente que nem lembrarei que no mundo há seis bilhões e meio de pessoas, mais ou menos.
Talvez dormir mais, não prestar atenção nas fases da Lua, não perder tantos olhares para luzes de estrelas mortas.
A juventude é feita de proximidades. A velhice de distâncias. O meio disso é um e outro, um ou outro. É ver tudo como quem olha de cima. É saber tudo como quem já viu tudo e não se espanta, não se abate, mas percebe que sofre, porque isso tudo dói de uma dor da qual desaprendemos pouco a pouco não mais reclamar.



segunda-feira, fevereiro 02, 2009

02/02/1962 quarto 22

Cinco horas da manhã e coloquei o despertador para as cinco e meia. Para que mesmo o despertador? Ah! Para trabalhar amanhã, quer dizer, hoje, ou melhor dizendo, daqui a bem pouco...
Chegou o computador, quarta-feira passada, ligado aqui quase um mês depois que o pedi. Veio um que tinha um defeito, pedi a troca, a troca demorou, virou um presente a mim mesmo de aniversário, ou quase isso.
Um convite irrecusável para ir ao cinema, assistir O Curioso Caso de Benjamin Button. Chego em casa e cadê o sono que estava aqui? Não foi o gato que comeu, ele está dormindo. Caso curioso mesmo, nascer velho e morrer bebê, ir desaprendendo as coisas. Em vez de cultivar lembranças, próprio de quem viveu muito, estar à mercê dos esquecimentos. Bastante apropriado para a véspera de meu aniversário. Pois eu sinto que começo a me entregar aos esquecimentos, que são de longe melhores do que as lembranças, pelo menos algumas delas, ou talvez todas elas, não sei...
Reza a lenda que nasci no quarto número 22 da Santa Casa de Timburi, no dia 02 de fevereiro de 1962, às 11:15. Quarto filho de um farmacêutico e de uma dona de casa. Seis vieram depois de mim, três naturais e três adotados. Também reza a lenda que nasci engolindo o líquido amniótico, sem forças para romper a bolsa, tendo sido salvo pelo beijo necessário da Irmã Lúcia, que foi pelo gesto homenageada tendo seu nome emprestado à irmã que veio depois de mim.
Eu queria ser astronauta, a Lua já estava nos meus planos, a minha primeira grande paixão. Descobri que não dava para ser. Resolvi ser astrônomo, já que não dava para ir à Lua, eu saberia tudo dela. Descobri que tinha que fazer Física e depois pós-graduação em Astronomia. Ficou só essa paixão por Selene (a Lua) e pelas estrelas, os mistérios do céu, do universo. Um ano de Direito, um de História, dois semestres de Mecânica de Precisão (a matemática outra vez), três anos de Filosofia, este curso concluído, dando-me o título de Bacharel. Entre uma coisa e outra, desenho, poesia, entalhe em madeira, pintura (um ou dois quadros, perdidos), não necessariamente nessa mesma ordem. Hoje a poesia tem feito um certo silêncio e as folhas de papel teimam em permanecer em branco...
Não sei se na verdade me sinto velho para tanta coisa, meu caso também não deixa de ser curioso. Talvez muita coisa tenha acabado para mim e eu tenha que aceitar isso. Tenho uns planos secretos, se não derem certo pelo menos ninguém vai saber.
Não dormir muito talvez seja a melhor forma de viver mais, pelo menos mais horas do dia.
Eu pensava ainda ontem, domingo, as tardes tão iguais de dias tão banais, a pontualidade da matraca do vendedor de biju, e aquilo tudo que eu não fiz e tanto quis, os dias do calendário escoando da folhinha pendurada n'alguma parte da vida. Esse silêncio de um dia amanhecendo... e eu contando o tempo que falta para eu não me importar mais com o tempo. Não ter mais tempo para nada, absolutamente nada.

quinta-feira, janeiro 22, 2009

Três poemas e uma divagação

A NÉVOA

Do lado de dentro dos seus olhos
Para fora a pretensa visão
E entre seus olhos e tudo

Além da pretensa visão
A névoa...

Como um véu a encobrir as coisas
Preservando segredos
Prejudicando toda nitidez
E gerando incertezas
A névoa...

Entre o que você vive
E o que você sonha
A névoa


O IMPOSSÍVEL CARINHO

Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo
Quero apenas contar-te a minha ternura
Ah se em troca de tanta felicidade que me dás
Eu te pudesse repor
- Eu soubesse repor -
No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância!

Manuel Bandeira

TOCANDO EM FRENTE

É preciso amor pra poder pulsar,
É preciso paz pra poder sorrir,
É preciso a chuva para florir.

Renato Teixeira

O primeiro é meu, se assim se pode dizer. Os outros dois está dito de quem são.
Não chegou meu computador. Eu o teria há dias em casa, mas não chegou. Teria feito muito com ele, mas não chegou. Última semana de férias, semana que vem estou na estrada de novo, e já a 700 km daqui, simplesmente odeio essa distância: qual é a distância de sua proximidade? Ninguém responde.
Eu só queria pulsar, sorrir e florir... mas vai que daí é pedir muito. Então é por isso que não quero contar-te o meu desejo. Entre o que eu quero e o que eu tenho, a névoa...
Bom que arrumei a casa toda. Deu raiva de tanto que ficou arrumada. A certa altura, na iminência de um grito, os olhos do gato pousados sobre mim, dizendo por uma telepatia que não se explica: você não está sozinho, eu estou aqui! Então somos só eu e você, amarelo peludo! A gente até que se diverte e se entende. Acho que prestamos muito bem para o currículo um do outro, ou para a biografia.
O amor também não bateu nessa porta. A mulher da minha vida talvez tenha passado por aqui, talvez não, nem chegou, não cruzamos os olhares, talvez amemos um ao outro e não sabemos, todo mundo sabe, nós não. Isso é até bonito, mas não muito funcional. Ela vinha caminhando e na metade do caminho encontrou outro. Bom para ela...
Eu? Ora, eu vou tocando em frente, apesar do impossível carinho. E tropeçando e errando o caminho, por causa da névoa.