sexta-feira, março 28, 2008

Um grito

A escuridão é o silêncio das imagens. Essa lágrima contida é sempre o silêncio de todas as alegrias. Esses pequenos temores são o silêncio das grandes coragens. Esses suores o silêncio de incompreensíveis inquietações. Essas ilusões são somente a realidade que faz silêncio para nos enganar. Ou para nos encerrar em seus ardis. O vazio nada mais é do que o silêncio das visões. Essa vontade de nada é o silêncio da ação. Fosse todo branco o papel, seria o silêncio da inspiração. Nos labirintos da mente esconde-se o silêncio da imaginação. Pequena dor no peito é só silêncio do coração. Essa indiferença é o silêncio de todas as paixões. As noites insones são o silêncio dos sonhos. Um olhar perdido para todas as distâncias é o silêncio da vontade. Asas recolhidas são o silêncio da liberdade. E tudo assim tão quieto é somente o silêncio da felicidade.
A saudade é o silêncio do amor. A dor é o silêncio do prazer. A morte é o silêncio da criação.
Vivo. Mergulhado nesse líquido. Encerrado nessa bolsa. Primeira força para sair. Primeiro ar dos pulmões: um grito.

quarta-feira, março 26, 2008

Van Helsing

Eu tentava lembrar onde tinha escrito uma coisa que cabia aqui, anotações de monte jogadas em tantos papéis e pastas, essas inutilidades de hoje em dia, encontrei numa pasta em que tinha etiquetado como “diário de uma tese de mestrado”. E estava lá começando com epistemologia, continuando com uma tentativa de algo em torno de estética, com o atraso todo que tem a minha leitura de literatura, os livros de Umberto Eco esperando para um dia serem lidos. E agora tentando pensar o ateísmo, algo que me levará inevitavelmente a Nietzsche. E já tentando pensar o que vem depois. A poesia há de se vingar de mim. Ou serei linchado um dia por todas as mulheres que desenhei.
“Meu apartamento, meu casulo, útero, bunker...” eu ia escrevendo assim e por aí vai alguém tentando entender a solidão, defender-se dela, o absurdo de se travar uma batalha contando com o exército de uma única pessoa.
E os vampiros em volta, reclamando a falta de sangue, fugindo enquanto estamos buscando, fugindo talvez da luz, quando nós somos capazes de viver mesmo na escuridão. E quem disse que a escuridão é de todo negativa? A escuridão é o silêncio das imagens.
Falta de espelhos e mergulhos interiores. Falta de asas e coragem para um grande vôo. Falta de madrugadas ou passeios noturnos pela cidade, falta de devoção para com o desaforamento da lua cheia, linda e bela lá no alto do céu.
Minha tristeza chega a esquecer-se da sua própria razão de ser, para estar a preocupar-se com a tristeza alheia. E assim minha tristeza fica ainda mais triste do que já é.
As pessoas me parecem tristes por tão pouco. Talvez um outro olhar para as mesmas coisas, um mesmo olhar para outras coisas, sei lá, um olhar apenas.
Os vampiros se ressentem de falta de vida, um coração no peito, alguma emoção além da fome de sangue. Devem invejar todos aqueles que têm sangue correndo pelas veias, que têm vida.
Paciência! Paciência com as pessoas e com as coisas. Paciência com tudo quanto achamos que existe.
Muito bom precisarem de mim. Mas também preciso de alguém. Alguém que me conheça e reconheça. Alguém para continuar as histórias largadas na metade pelo adiantado da hora nos dias anteriores. Continuar de onde se parou. Como se nunca tivesse parado.
Bobagem! Podia apagar tudo o que escrevi anteriormente e as pessoas não saberem essas coisas desconexas não faria falta nenhuma. Mas sou teimoso em minha teimosia teimosa e publico mesmo assim.
Ou talvez acordar um dia Van Helsing e resolver esses problemas todos.

segunda-feira, março 10, 2008

Xeque-mate em três lances

Eu vou lhes dizer uma coisa, prováveis e parcos leitores meus, as palavras continuam a me trair. Pelo menos em intensidade. Difícil decifrar estados interiores. Por isso o silêncio, o não ter assunto, o não falar tanto. Por isso uma certa falta de empolgação para esses nossos inúteis olhares para as coisas da realidade. Enfim, nem sempre é muito bom olhar para a realidade, nem sempre vantajoso, e nem sempre é um êxtase, nem sempre é arrebatador. Por vezes é um olhar para as coisas nuas e cruas, como são e não como deviam ser, como queríamos que fosse.
Não pensem agora que sei o que sinto e escondo. Nada disso. Posso calar muita coisa, mas esconder não escondo. A questão é que não sei mesmo. Olho para dentro e não vejo nada. Seria fácil se entendêssemos todos os já aludidos estados interiores. Se algo não tivesse bem, a gente ia lá e mexia alguma coisa, trocava alguma peça, ligava um fio solto. Não somos máquinas. Esse é o limite do transcendente que aceito como plausível.

Não é minha vez de jogar, a jogada tem que vir de lá. Fico então esperando o menor sinal, coisas ditas no que as palavras não dizem. Para entender tudo o que se passou recentemente, objeto de minha mais completa compenetração, de minhas elucubrações mentais e emocionais, minhas perguntas com interesse na resposta que mais me agrade, que se revele o que eu espero, senão de pirraça torno a não esperar mais nada.
E de lá, tão distante, num inédito e raro e-mail longo, vem um ínfimo sinal num pronome possessivo muito bem utilizado, encalacrado no meio de uma frase aparentemente sem nenhuma outra intenção a não ser simpática. Ela me pergunta “Como estão os meus dois sararás?” (o grifo é meu). Meu gato conquistador presta-me um grande favor. Mas não devo reputar isso a um ato falho dela, a não ser que eu repasse na mente de novo toda a sua estada em casa nos vinte nove dias entre os últimos dois meses.
Uma doce saudade torna mais leve essa tristeza que se impõe por causa da ausência dela. Não posso ser dado a esperanças, porque essa palavra já não pode mais existir no meu vocabulário. Esse jogo vai ficando cada vez mais intricado.
Ela tinha um bispo ameaçando o meu rei, moveu a rainha para uma posição excelente. Se eu não souber jogar, vai ser xeque-mate em três lances.

quinta-feira, março 06, 2008

Meditabundo

O que me dói não é
O que há no coração
Mas essas coisas lindas
Que nunca existirão...

São as formas sem forma
Que passam sem que a dor
As possa conhecer
Ou as sonhar o amor.

São como se a tristeza
Fosse árvore e, uma a uma,
Caíssem suas folhas
Entre o vestígio e a bruma.

(Fernando Pessoa, 5-9-1933)


Meditabundo (adjetivo)
1-Que medita, mergulhado em profundos pensamentos; cogitabundo. 2-Derivação: por extensão de sentido.
moralmente abatido; cabisbaixo, melancólico


Dura madrugada cujo silêncio nada quebra. Nem mesmo algum sono vem para tirar-me desse tormento.
É nessas horas que uma opressiva tristeza vem esmagar-me n’algo que chamaria de alma se eu cresse que a tivesse ou talvez algo esmagado por dentro que por esse nome chamar pudesse. E tendo crido chamaria a isso uma prece a alguém inexistente que em momentos absurdos como esse por mim velasse, que se comprazesse talvez d’alguma dor que depois de tanto sentir, dela meu corpo esquece.
E seria tudo isso um amontoado de frases com duvidoso e precário efeito poético (lírico, portanto) se verdadeiro e real não fosse. Então, em madrugadas insones como essa, eu derramaria de uma vez todos os versos de minha tristeza, se eu os soubesse, esvaziar-me-ia de dentro daquilo que não tem nome de tudo o que sem vir me entristece e emudece.
E, se eu pudesse, dormiria. E se dormisse, era para esquecer tudo o que disse.
Mas não. Desperto como estou, os pensamentos insistem em buscar bem lá no fundo de não sei onde as lágrimas que nada lavam quando pelo rosto me descem, que fossem tantas o suficiente para que inundassem a casa toda, que eu não escapasse e nelas me afogasse.
Sei porém que não tarda o dia que já amanhece, e eu, vivo, hei de me arrastar por todas as horas inevitáveis que me trarão de volta a essa.

quarta-feira, março 05, 2008

Luz amarela

São simples às vezes os caminhos da vida, tão simples que são quase nada.
Caminhar à noite pelas ruas do bairro, as calçadas iluminadas pela luz amarela dos postes. A noite já querendo entregar-se ao silêncio, e eu também, ao silêncio e a ela, como sempre. Meus passos me conhecem, sabem aonde me levar.
E meus pensamentos a entabular prosa e poesia que esquecerei se não escrever, terceiro dia do terceiro mês de mais um ano, sinto que acabou o recesso.
Agora o que resta para o resto da vida é este excesso de tudo quanto não quis, não quis ter, não quis pensar, sentir, não quis fazer. E nem mesmo quis querer.
Mas o quê? Sei lá... vai saber. Esse retrospecto de anos passados, eu até aqui um quase nada de tudo que achei que queria querer, hoje quero apenas esquecer. Isso! Queria ser feito mais de esquecimentos do que de lembranças. Não que a vida doa, que seja ruim, ou que atormente ou me apavore, nada disso, mas também sei sentir a cada dia em que vivo o quanto é tão perigoso viver. E por vezes tão banal. Com a agravante de que a vida vai ser mesmo somente esta, esta e nenhuma outra, nenhuma chance mais, nenhuma outra alternativa, tudo o que se tem e acontece, é somente nesta vida uma só.
Paciência, então, com as coisas todas. Mesmo com esse ar noturno iluminado de luz amarela, que me deixa ainda mais contemplativo, taciturno, eu diria, mais que isso, meditabundo.
Porque, se é só uma vida, tudo pode parecer desperdício. Dá para entender agora os que acreditam que a vida vai além. Querem perpetuar um estado precário de felicidade aqui, atingindo lá no além um estado de felicidade plena. Ou talvez se resignarem com o sofrimento daqui por causa de uma promessa de felicidade num além desse mundo. E nada disso me serve, pois sei que olhar as coisas como elas devem ser é garantia de uma certa capacidade de se entristecer tanto cá como lá. Então, paciência. Essa aceitação da imanência da vida que só o passar do tempo traz, vem com a idade, maldita coleção de coisas que forma a experiência. Não tem como pensar de outra forma, o mundo só pode ser percebido sensivelmente. Além disso, só a imaginação, o desejo, os sonhos, as ilusões.
E se é para ser feliz assim é exatamente isso o que me entristece. Ninguém vai ser feliz se não for nesta vida. A outra, bem, a outra pode não vir. Então eu me torno menos triste por isso. Meu olhar para as coisas todas do mundo e da vida é como se fosse sempre um último, às vezes único, olhar. Basta olhar.
Luz amarela dos postes iluminando a calçada.

A Saudade

A saudade, quando se torna meu refúgio
Ela é meu lar, é onde vivo, onde durmo
Onde quero morrer
É o ar que respiro
E o sangue que me corre pelas veias
Quando a saudade é tudo o que vivo
Sei que ela é tudo em que vou morrer
A saudade, esse mar adentro
Um mar que sei dentro de teus olhos
Pleno de todas as distâncias
De sentir tua falta sei que és tu
Meu provável último momento de vida
Um mar nos olhos em que quero me perder
Na saudade de um derradeiro momento
Última pessoa que me verá
E a última que quero ver

03/03/2008 – 22:25

Eternidade

Você se vai e o silêncio que deixa em tudo é um silêncio em tudo que deixa em mim. Maior que o do mundo, um silêncio de estar taciturno, completamente sem respostas pela simples ausência de perguntas. Silêncio de um olhar perdido para as mesmas imensidões e outras novas, sempre novas, dentro e fora tudo é tão imenso e nós tão pequenos. Silêncio de sentir-se tão pequeno.
Eternidade: esse segundo que acaba de passar, tão difícil de perceber.

Noite em claro

Sei que vou passar mesmo a noite em claro. E nem sei quanta vida pode haver nessas poucas linhas. Ou se as palavras são suficientes para expressar o que ainda há de vida.
Estou mais perto do velho do que do menino. E o que há de jovem em mim está nas canções que gosto de ouvir. E isto nunca vai morrer.
Hoje entendo melhor o que antes não entendia naqueles que viveram tanto parecer somente resignação e o fato de não ser somente isso.
Sei que o que é muito mais que amor não pode ainda ser chamado por esse nome. E que meu coração não está frio e nem endurecido. Meu coração está quieto como quem sabe a hora de gritar. Como quem sabe que ainda não é hora.
Só entende de distâncias quem ousa entregar-se a proximidades. Só entende de silêncios quem pode escolher a hora de gritar. Entende de madrugadas quem é capaz de ficar sem dormir. O contrário de tudo pode ser o certo: não haveria luz se não houvesse a escuridão.
Mas agora haverão de não entender meu silêncio. E esse meu olhar taciturno para o vazio será sempre confundido com tristeza. Mas será somente quietude que me traz essa incompreensível paz para o coração. Que sabe que é mais que amor isso que não tem mais nome, que não cabe em tão poucas e pobres palavras. E se meu coração ensaia o grito, tem que saber a hora de gritar. E a hora de calar, para ser um tudo em meio a quietude.
Eu sou daqueles que pouco se importa com o fato de que se mede o tempo. Que é capaz de imaginar que trinta dias é o mesmo que um ano. E que seis meses demora só uma semana para passar.
Assim a vida não é ínfima, mesmo que também não seja eterna, a vida é o que se vive no tempo em que se é capaz de viver. Intensamente.

03/03/2008 – 03:45

Um mar sem fim

Pode-se dizer tudo sobre uma noite que cai fria e chuvosa. As nuvens escuras movendo-se no céu por detrás dos prédios, uma festa a que não convidaram nem a lua, e nem as estrelas. O frio traz o silêncio, e o silêncio faz olhar para dentro, irremediavelmente, faz buscar tudo dentro. Algum calor...
A minha vida inteira dispensei muita alegria a quem quer que seja ao meu redor, facilmente, espontaneamente. Suscitei o riso que morria, abri olhos para outros e novos horizontes, cantei esperanças esquecidas, nunca recusei nenhum abraço a quem sofria, mesmo à toa, sem motivo algum, ofereci minha mão para carregar fardos que nem eram meus, por qualquer um me embrenhei em intrincados labirintos, sustei o passo, saí do caminho, voltei atrás.
Não encontro mais, agora, essas alegrias dispensadas. Parece que foram desperdiçadas. Nada tenho de volta. Mal sabia que se esgotariam. Nada sei mais daquela mágica capacidade de facilmente estar tão alegre, por tudo, e mesmo por nada. Por ser, talvez, qualquer coisa que valha no absurdo desse mundo, por estar de olhos abertos sempre que um novo raiar de sol descortina a possibilidade de mais um dia, um dia novo, um outro dia.
Tudo o que se pode dizer de uma noite dessa é que ela é essencialmente triste. Triste, só isso, e nada mais. E a tristeza tem lá das suas, faz das suas, esconde-se de todos e tem que achar por bem invariavelmente me pegar sempre que estou sozinho. Não há como mostrá-la, falar dela. Ela conhece meus desertos e meus silêncios, meus momentos de delírio e todas as minhas fraquezas. Meus sonhos são domínio dela, ela conhece meus mais íntimos pensamentos. É de lá que ela nasce. E sabe sempre a que horas deve vir. E sempre me pega distraído. Sempre que ela vem é quando estou mais desprevenido.
Tem que ser numa noite como essa, fria e chuvosa, da qual é impossível fugir.
Minha vida inteira fugindo da tristeza... tendo sempre com ela um encontro marcado no inesperado da hora mais imprópria.
De nada adianta uma idéia de destino, uma sina, uma senda, uma saga, um objetivo e planos, compromisso com o futuro improvável e incerto, de nada adianta esse amontoado ajuntado ao longo dos anos de tolas esperanças infundadas. É só essa vida que tenho, e suas escolhas, sem outra chance ou alternativa, sem conserto, sem remédio, sem descanso, sem pouso em qualquer porto seguro... só a imensidão de um mar diante de mim, um mar sem fim.

29/01/2008 – 19:59 / 01/02/2008 – 02:30