quarta-feira, março 05, 2008

Um mar sem fim

Pode-se dizer tudo sobre uma noite que cai fria e chuvosa. As nuvens escuras movendo-se no céu por detrás dos prédios, uma festa a que não convidaram nem a lua, e nem as estrelas. O frio traz o silêncio, e o silêncio faz olhar para dentro, irremediavelmente, faz buscar tudo dentro. Algum calor...
A minha vida inteira dispensei muita alegria a quem quer que seja ao meu redor, facilmente, espontaneamente. Suscitei o riso que morria, abri olhos para outros e novos horizontes, cantei esperanças esquecidas, nunca recusei nenhum abraço a quem sofria, mesmo à toa, sem motivo algum, ofereci minha mão para carregar fardos que nem eram meus, por qualquer um me embrenhei em intrincados labirintos, sustei o passo, saí do caminho, voltei atrás.
Não encontro mais, agora, essas alegrias dispensadas. Parece que foram desperdiçadas. Nada tenho de volta. Mal sabia que se esgotariam. Nada sei mais daquela mágica capacidade de facilmente estar tão alegre, por tudo, e mesmo por nada. Por ser, talvez, qualquer coisa que valha no absurdo desse mundo, por estar de olhos abertos sempre que um novo raiar de sol descortina a possibilidade de mais um dia, um dia novo, um outro dia.
Tudo o que se pode dizer de uma noite dessa é que ela é essencialmente triste. Triste, só isso, e nada mais. E a tristeza tem lá das suas, faz das suas, esconde-se de todos e tem que achar por bem invariavelmente me pegar sempre que estou sozinho. Não há como mostrá-la, falar dela. Ela conhece meus desertos e meus silêncios, meus momentos de delírio e todas as minhas fraquezas. Meus sonhos são domínio dela, ela conhece meus mais íntimos pensamentos. É de lá que ela nasce. E sabe sempre a que horas deve vir. E sempre me pega distraído. Sempre que ela vem é quando estou mais desprevenido.
Tem que ser numa noite como essa, fria e chuvosa, da qual é impossível fugir.
Minha vida inteira fugindo da tristeza... tendo sempre com ela um encontro marcado no inesperado da hora mais imprópria.
De nada adianta uma idéia de destino, uma sina, uma senda, uma saga, um objetivo e planos, compromisso com o futuro improvável e incerto, de nada adianta esse amontoado ajuntado ao longo dos anos de tolas esperanças infundadas. É só essa vida que tenho, e suas escolhas, sem outra chance ou alternativa, sem conserto, sem remédio, sem descanso, sem pouso em qualquer porto seguro... só a imensidão de um mar diante de mim, um mar sem fim.

29/01/2008 – 19:59 / 01/02/2008 – 02:30

Um comentário:

Anônimo disse...

O cair de uma noite fria e chuvosa significa mais do que o excesso de nuvens e a falta e estrelas, se olharmos para dentro de nós.
Beijo, chuchu!
Ah, li o seu comentário no meu live journal, as palavras estão saindo com mais força de mim. E estou lendo mais o que vcs, amigos, escrevem!